Corunhês de 1983, trabalhador no desenho gráfico, Breixo Lousada começou a militar no nacionalismo na adolescência, e desde aquela segue organizado e activo em diferentes movimentos sociais. Membro do Movimento Arredista e integrante da executiva nacional do BNG, falamos com ele do independentismo galego, das classes sociais, e de alguns desafios que se apresentam às causas populares do país.
Podías-nos falar, de partida, de como se iniciou a tua vida militante?
Iniciou-se bem cedo, procedo dumha família nacionalista e activa no movimento, recordo desde bem novo estar no dia da Pátria com os meus pais; aos 15 anos dou o passo e entro em Galiza Nova, e participo do trabalho estudantil no ensino médio com os CAE. Logo vou evoluindo para posiçons independentistas, quando em 2006 se forma Isca!; aí vinculo-me a umha estrutura que atravessa diferentes fases, e que hoje é o Movimento Arredista.
Som quase duas décadas desde que essa proposta independentista arrinca. Que valorarias de toda esta experiência?
Som bem anos, si, portanto ao longo dumha jeira tam dilatada há sempre altibaixos, crises, reformulaçons…eu em síntese fago um balanço positivo. Em 2006, começamos a andar com umhas ideias que, na teoria e na prática, eram mui fracas no BNG. Defendíamos e defendemos a independência, fazíamos umha crítica da deriva eleitoralista do nacionalismo de entom, alertávamos contra a excessiva valoraçom do institucional…essas posiçons, na altura contra-corrente, hoje estám muito mais assumidas, quanto menos no papel.
Como chegache a assumir posiçons arredistas?
Eu tenho ideia de que som independentista desde que tenho uso de razom; obviamente, ao princípio, de maneira mui primária. Acontece algo curioso, umha anedota que conto, e é que a única vez que deixei de ser independentista foi quando entrei em Galiza Nova, em 1999, porque na altura era umha ideia mal vista, digamos que nos reeducavam para nom sê-lo: diziam que era ideologismo, umha proposta sem sentido…uns anos depois, rebato estas teses e assumo naturalmente o que sempre fum.
Nos anos 80 e 90, as articulaçons independentistas dentro do BNG acabárom em cissons, e em processos bastante traumáticos de enfrentamento entre nacionalistas. Porque nom aconteceu assi no vosso caso?
Basicamente porque estamos num BNG distinto ao de aquelas épocas. Hoje, a organizaçom reconhece a legitimidade do independentismo, nos documentos fala-se de que o processo de autodeterminaçom pode derivar em duas vias, umha via independentista, ou umha confederaçom. Foi este reconhecimento polo que nós temos pelejado, gostaríamos que fosse mais avançado, mas até aqui chegamos até o de agora…nas décadas das que falas, o independentismo nom é que nom se contemplasse, é que se via antagónico. Pensemos que quando nós iniciamos o nosso projeto o BNG ia às eleiçons europeias de mao de CiU e o PNV, numha via acelerada de moderaçom. E se aquele processo continuasse, pois é provável que tivéssemos que abandonar o BNG. Mas que aconteceu? Que se deu um fracasso reconhecido da estratégia de moderaçom, fracasso no modelo interno, e fracasso no ideológico, pois aginha se detectou que as tentativas de reforma do Estado, num sentido plurinacional, nom eram aceites polo poder, nom iam mui longe. Quero recordar aqui um feito pouco lembrado, e é que durante o bipartido, com todas estas contradiçons intensificadas, houvo umha força sindical soberanista, a CIG, que mantivo umha posiçom firme e coerente no nacional e social. Chegou mesmo a convocar umha concentraçom no Hórreo quando o bipartido aprovava os seus orçamentos. Isto dá ideia do fundo do debate na época. Mas finalmente aquela deriva abandonou-se, as bases reformulárom-na, e eis o sentido do nosso independentismo.
Estamos num BNG distinto ao de aquelas épocas. Hoje, a organizaçom reconhece a legitimidade do independentismo, nos documentos fala-se de que o processo de autodeterminaçom pode derivar em duas vias, umha via independentista, ou umha confederaçom. Foi este reconhecimento polo que nós temos pelejado, gostaríamos que fosse mais avançado, mas até aqui chegamos até o de agora
Em duas décadas mudam muitas cousas, também a forma de militar. Que transformaçons viveche desde aqueles começos em Isca?
A minha geraçom curtiu-se naquele ciclo alcista das greves gerais, das mobilizaçons anti LOU, contra a guerra, do Nunca Mais…e isso foi importante para incorporar muita gente nova às luitas, e para imprimir combatividade. Logo esse ciclo alongou-se, chegou à crise de 2008, mantivo-se por diferentes causas, galegas e internacionais, mas logo decaiu gravemente, e estamos numha fase, imos falar com eufemismos, de relaxamento. Pesárom, ao meu ver, os cámbios sociais e os cámbios políticos.
A que cámbios sociais te referes?
Fundamentalmente às tecnologias da comunicaçom: novas formas de relacionamento desactivárom redes mais tradicionais, as redes virtuais conseguírom dar umha gratificaçom imediata para o que um fai ou diz, um expressa-se, e ponto; na realidade o efeito disto é pequeno, fora dalguns círculos ideologizados, mas muita gente enche a sua vontade ativista por aí, e compensa também as frustraçons da vida militante, que como sabemos existem também. Somemos a isto a tendência individualista e competitiva da nossa sociedade, que a pandemia ainda agravou, e temos umha ideia geral do panorama.
Falavas também de cámbios políticos desmobilizadores…
Houvo um momento em que irrompeu a chamada nova política com aquelas ideias fortes de ruptura democrática, de processo constituinte, que num contexto de crise económica, pareciam abalar muitas cousas…sabemos no que deu isso, e sabemos que hoje, em Espanha, com representaçom institucional, ninguém fala já nestes termos, a proposta integrou-se no regime. Vivemos o caso catalám, que abriu horizontes mui amplos, mas logo foi gorado, por causas nas que nom imos entrar, algumhas das quais aborda Albert Botrán no seu livro, recentemente traduzido para o galego. E logo, umha outra referência rupturista, Euskal Herria, viu minguar seriamente o seu conflito com o Estado, e nom falo apenas da luita armada, falo do processo político em geral. Portanto, entramos numha fase de recuar generalizado que também nos afecta quem mantemos posiçons rupturistas na Galiza.
As redes virtuais conseguírom dar umha gratificaçom imediata para o que um fai ou diz, um expressa-se, e ponto; na realidade o efeito disto é pequeno, fora dalguns círculos ideologizados, mas muita gente enche a sua vontade ativista por aí, e compensa também as frustraçons da vida militante
Podias concretar isto um bocado mais? Com que atrancos se topa umha pessoa que quiger militar activamente, construir movimento popular?
Numha tendência desmobilizadora global, manter o que historicamente considerávamos militáncia é complexo; temos que idear formas de volver a ela ou, de nom ser isto possível, temos que reinventar formas efectivas. Mas por agora o certo é que nom temos resposta. Entom, por umha parte damos com isso que comentava, a sucessom de derrotas, que moralmente lastra; por outra, que custa militar numhas chaves sociais novas, distintas às que conhecíamos, e muita gente frustra-se, ou vira cínica, ou ainda tem derivas reaccionárias…logo, pensemos que vivemos umha vida mais precária que há décadas, temos piores trabalhos, a nossa rede para os cuidados enfraqueceu…e topamos muitas pessoas, também militantes, desbordadas pola vida.
Tem que ver este enfraquecimento dos movimentos com a solidez eleitoral da direita espanhola?
Para nós há umha relaçom clara. Reconhecemos que há factores autónomos que jogam no processo eleitoral: os carismas de quem se candidata, o marketing, o papel da mídia…todo isso existe, si. Mas para que se produza um verdadeiro corrimento de blocos, para que um grande bloco de direita passe à esquerda, ou para que um grande bloco espanholista passe ao soberanismo, entom tenhem que concorrer outros factores. Nom é por acaso que a mudança institucional na Junta se desse depois daquele ciclo mobilizador que falávamos. E nas condiçons de hoje, vemos como o PP, além da fortaleza eleitoral, mantém um tecido social mui organizado e activo, ainda que muitas vezes sem reconhecer explicitamente a sua adesom política.
Tampouco os movimentos populares som homogéneos e dentro deles há tendências diversas, por vezes em choque. No caso do nacionalismo institucional, representa a várias classes? Há estratégias divergentes?
Si, é um debate mui velho dentro do marxismo. A nossa conceitualizaçom é que a análise das classes para umha naçom normalizada nom serve, transladada sem matizes, a umha naçom sem Estado. Nós mantemo-nos nas teses dos anos 70, com todas as correcçons que se precisarem, aquela que iniciara a AN-PG. Falamos de aliança de classes, mais do que de interclassismo, porque nom representamos, como nacionalismo, todas as classes; mas si a essa imensa maioria que vive do seu trabalho, que é quem deveria liderá-lo, e logo também sectores da pequena burguesia, e se se dessem as condiçons, mesmo da mediana que pudesse estar interessada na emancipaçom nacional; logo, na Galiza já sabemos qual é o papel nacional que joga a grande burguesia.
Qual é o papel da chamada classe média no nacionalismo?
Podemos começar por debater o que é isso de ‘classe média’, se existe. Mas bom, si, há um peso importante de trabalhos mais qualificados, ligados a maior estabilidade, e ao funcionariado, às chamadas profissons liberais também. Si que há umha sobrerrepresentaçom, sem dúvida. É um sector menos precarizado, com mais tempo, mais recursos, entom pode participar mais na política. De feito, sabemos que um dos motivos que potenciou a chamada nova política foi a mobilizaçom desses sectores da classe média que temiam proletarizar-se; entom, acontece que forças políticas de esquerda fam discursos mui focados nesse sector, o que retroalimenta esta sobrerrepresentaçom. Lim umha tese interessante, um chisco provocadora, formulada por Arantxa Tirado e por Nega, o de ‘Los chicos del maíz’, que dizia que nas organizaçons de esquerdas deveria haver algo assi como umha ‘quota obreira’, umha percentagem de pessoas de classe trabalhadora, e que isto aumentaria a nossa capacidade de interpelar essa base social.
Parte importante da classe trabalhadora do país, a menos qualificada e em condiçons de maior exploraçom, começa a ser imigrante. Segundo os meios empresariais, a percentagem multiplicou-se por cinco e som mais de cem mil pessoas. Há umha política específica do soberanismo ante esta realidade?
Falta-nos reflexom ainda. Como fomos um povo emigrante, e ainda o somos em boa medida, temos certa vacina contra o racismo, mas nom é umha vacina eterna, e já alviscamos discursos perigosos, esses que pretendem enfrentar a classe trabalhadora, enfrentar os últimos com os penúltimos. Logo, trataria-se de incorporarmos discursos contra a xenofobia, e ao mesmo tempo incorporar esta gente na nossa luita social e nacional por medio da organizaçom e da mobilizaçom. Nom gosto da palavra integrar, prefiro a de incorporar, e de facto tenho visto isto teorizado em textos da esquerda independentista catalá. Há também experiências interessantes por exemplo em Euskal Herria, de trabalhadores imigrantes aderindo a luitas de LAB, e assumindo por essa via a língua basca.
Si que há umha sobrerrepresentaçom da classe média, sem dúvida. É um sector menos precarizado, com mais tempo, mais recursos, entom pode participar mais na política. De feito, sabemos que um dos motivos que potenciou a chamada nova política foi a mobilizaçom desses sectores da classe média que temiam proletarizar-se
Há outras realidades exteriores que cada vez petam com mais força e condicionam o agir independentista. Umha é a crise ambiental global e a mudança climática. Concordas em que é determinante?
É determinante, se bem eu som relativamente optimista em quanto à resposta que podamos dar-lhe desde aqui; olho, nom digo que estejamos perto da soluçom nem que vaiamos ganhar essa batalha, nom, nom digo isso. Por um lado, é certo que parece que derivado da nossa situaçom geográfica, as galegas e os galegos nom seríamos dos mais afectados, e de facto há quem fala de que podemos converter-nos numha espécie de refúgio climático (o que há de trair consequências também para nós). Porém, por outro lado, gostaria de dizer que aqui nom tenhem tanta força os sectores que desprezam o problema, e sobretodo resalto que existe umha espécie de aliança (que se deu em poucos lugares) entre movimento vizinhal, ecologismo, sindicalismo de clase e organizaçons de esquerda para tracejar umha folha de rota pola transiçom energética que nom passe pola imposiçom do “capitalismo verde”. O movimento ‘Eólica si, pero nom assi’ acho que é umha boa mostra de como dar um discurso consequente com a gravidade do problema, mas negando-se a que sirva de escusa para destruir o território, enriquecer os de sempre e empobrecer mais a maioria.
Em que medida nos pode afectar como movimento nacional a crise do imperialismo ocidental, e a recomposiçom geopolítica no mundo?
Afectar afectará profundamente, mas eu som bastante cauto. O mundo está em recomposiçom, certo, mas nom sabemos ainda em que vai dar esta recomposiçom. Há alianças que se dam por feitas ou se dam por rotas, mas a cousa nom é ainda tam clara. Que é positivo o enfraquecimento do eixo occidental? Eu entendo que si, porque debilita o “nosso” imperialismo, que é o mais nocivo e destrutivo, nós vivemos onde vivemos e os nossos inimigos principais som os que som. Também para os povos do terceiro mundo pode supor ter mais opçons para negociar e desenvolver-se.
Além disso, vejo que existe o risco de assumir que os inimigos dos nossos inimigos principais som os nossos amigos, e isso nom é assi em nenhum ámbito, tampouco na geopolítica. Por exemplo, que a política internacional da China seja mais respeitosa, menos agressiva, que tenha outra forma de defender os seus interesses, nom quer dizer que nom reproduza no mundo novas relaçons centro-periferia. Há um problema: é que como vimos da derrota histórica do campo socialista, e ante a carência de referências revolucionárias, parece que precisamos procurar referentes onde nom os há. Dito isto, e ainda que é um tema no que tenho muito interesse, nom é para mim o debate central. Vejo que há partidos comunistas no mundo que racham, por exemplo, pola sua política sobre a China, e isto parece-me nom entender as cousas na sua justa medida nem as prioridades do momento. Devemos ser cautos, observar o mundo, e ir afortalando a nossa própria luita.