“Galicia Reducida” é um potente libelo político ao redor de uma sugerente ideia central, que seu autor, Rodri Suárez repite incessantemente: os galegos, atrapados os últimos quarenta anos pela poderosa narrativa criada ao redor da Galiza conservadora, rural e tradicionalista, vinheram votar repetidamente pelo PP nas eleições à Xunta de Galiza, enquanto eles não são maioritariamente conservadores, mas progressistas enganados, como demonstrariam as maiorias de progresso obtidas nas eleições municipais e gerais na Galiza. Já que logo, o que Rodri Suárez propõe é mudar este imaginário do ser-galego rural a outro cidadão, por quanto essa Galiza cidadã seria a real, e na opinião do autor também a única que garantizaria qualquer futuro aceitável para a comunidade autónoma.
O grande problema de Galicia Reducida é que a defensa que Rodri Suárez faz do seu grande argumento eleitoral é apenas um recurso retórico, de facto falso, para justificar o verdadeiro objectivo, que é atacar o nacionalismo galego, especificamente o BNG e seu cerne comunista, a UPG, contra os quais Rodri Suárez escolhe as piores e mas azedas críticas, e aos que responsabiliza pelas derrotas das forças progressistas nos últimos quarenta anos. É por isto que eu acredito que o livro não chega a panfleto e realmente é um libelo contra o nacionalismo galego, especificamente contra o BNG. As causas últimas do profundo ressentimento do autor para com o nacionalismo não são expressas no livro, embora talvez acham-se na biografia deste jornalista e assessor político rebotado das Mareas ao PSOE. Quanto a isso, acredito muito significativo que o autor se auto-justifique pela falha de dados e argumentações dizendo que ele escreve um ensaio jornalístico, sendo ele também assesor político, hoje da actual alcaldesa de A Corunha, Inés Rei, e antes do alcalde de Xulio Ferreiro. Se calhar, a análise política que Rodri Suárez faz ten mais a ver com a propaganda que com o jornalismo, mas seja como for, o livro resulta um bom exemplo das fraquezas dessa política tão comun na nova esquerda surgida do 15-M, uma política focada em análises e lutas teóricas e dialécticas antes que em análises minuciosas da realidade.
Quando atendermos à realidade das eleições na Galiza desde 1977, achamos que os três principais partidos, os únicos cum fio inquestionável de continuidade, BNG, PSOE e PP, tiveram comportamentos eleitorais próprios e característicos, mas também sofreram mudanças, coisa lógica em um periodo tão longo.
Tomando como termo da comparação as eleições municipais, sem dúbida as mais abertas à participação activa cidadã e consideradas historicamente antecipatórias das mudanças sócio-políticas, temos que o PP (CD nas gerais de 1979, AP de 1977 a 1989, e partidos concorrentes) teve menos votos nas autonómicas do que nas municipais em toda a época de Fraga Iribarne, a quem Rodri Suárez considera o grande factótum do sistema autonomista. Assim pois, a realidade eleitoral desmonta por completo o argumentário de Rodri Suárez de uma dereita históricamente privilegiada nas eleições autonómicas face as municipais, algo que só teria acontecido com Núñez Feijoo. Os dados amossam também que no período de Fraga Iribarne na presidência foi precisamente quando o PSOE teve uma representação mais acrescentada nas autonómicas face as municipais, coisa que rematou com a crise do 15M e a irrupção das mareias cidadãs nas que Rodri Suárez participou. Em último termo, seria o BNG quem iria recolher o peixe daquelas mareias nas duas últimas eleições, sendo que até então o voto autonómico ao BNG estava históricamente por baixo do voto municipal.
Ao atendermos às eleições gerais, aí sim os votos do PP são sistematicamente acima dos obtidos nas municipais, mas a mesma coisa acontece para o PSOE, de facto mais sobre-representado do que o PP com a excepção das eleições de 1999, quando candidatara Joaquín Almeida. Esta sobre-representação eleitoral do PSOE ao Estado rematou também em 2011, com a crise económica e a irrupção das Mareas. Curiosamente, talvez por acaso, talvez não, as únicas ocasiões em que o PP acadou menos votos nas eleições gerais do que nas correspondentes municipais foram em 2019, com Casado como candidato do Partido Popular e Núñez Feijoo presidente do Partido Popular de Galicia e da Xunta de Galicia. Procurou secretamente Núñez Feijoo a derrota de Casado nessas eleições? Seja como for, quanto às eleições gerais a respeito das municipais, o BNG foi o único claramente danificado em todo o período.
Embora o livro de Rodri Suárez não tenha qualquer interesse como análise política eleitoral, tem-o tudo como narrativa programática, e o ponto mais evidente desse programa é a crítica feroz e extensa da capitalidade autonómica de Santiago, em prejuízo da Corunha e de toda Galiza a dizer do autor. Na necessária correcção deste erro histórico, Rodri Suárez propõe a descapitalização de Santiago em prol das duas grandes cidades de Galiza, Vigo e A Corunha, e propõe fazê-lo em nome de uma suposta descentralização. Não é esta a menor das contradições do livro; apesar Rodri Suárez dizer falar em nome do progresso e criticar repetidamente o nacionalismo pelos “revisionismo” e “vitimismo” historicistas, os capítulos XVI a XX são um requentado de agrávios sofridos pela Corunha apesar ter liderado o galeguismo e o liberalismo político. Assim, o autor defende que a história progressista desta cidade tería transubstanciando a própria administração galega, que pelo facto de sediar em uma cidade progressista mudaria ela mesma progressista. Nem percebe este processo como uma interação no que a propria cidade seria igualmente cooptada pela condição administrativa e centralista de um poder apenas deslocado, mas não mudado na sua própria conexão. De facto, a lógica que leva a situar a capitalidade administrativa em obrigada co-habitação com o resto dos poderes económicos, políticos, etc., é um plano próprio dos desenhos centralistas, que consiste na total capitalização do poder. Numa administração realmente desecentralizada a localização das sede seria, simplesmente, irrelevante.
O outro grande ponto programático do livro, apenas desenvolvido embora também claramente definido, está na própria natureza desse progresso que se aponta para a “Galicia Reducida”. Já no capítulo II, Rodri Suárez afirma que, face as invenções nacionalistas, o impepinable é o PIB. Isso é a Galiza real para Rodri Suárez e aí é onde ele percebe o horizonte de progresso. Elogiosas referências a Uma Nova Olanda de Antón Baamonde evitam ao autor o trabalho de concretar os pormenores desse plano, embora a realidade fica perfeitamente sinalada nos seus posicionamentos concretos. Desdenhando o ‘vaca, pão e peixe’ de Castelao, Rodri Suárez defende com denodo os eucaliptos, os eólicos, a Zona Franca de Vigo e o Porto Exterior da Corunha como os milhários da rota de progresso económico e prosperidade para a “Galicia Reducida”.
Acredito que “Galicia Reducida” e um título muito acaído para o projeto social político e económico que Rodri Suárez apresenta: o de uma Galiza urbana a viver dos despojos de outra Galiza rural despossuída, política, económica e ambientalmente. Porém, acho que esse nem é um novo projeto nim é um bom projeto para futuro. É, simplesmente, mais do mesmo, a continuidade reforçada do herdado modelo de esenvolvimento franquista que nos leva ao desastre. Uma ‘Galiza urbana’ a crescer a expensas duma outra ‘Galiza rural’ colapsará no próprio deserto criado arredor. Sendo que Rodri Suárez rejeita absolutamente a hipótese de desenvolvimento económico colonial para Galiza, eu diria que esse é, de facto, o modelo que pretende alcançar.
“Galicia Reducida” é propaganda Neocon. Sob o álbili do progresso económico, e com o recurso duma narrativa demagógica e trivializadora que põe Franco num extremo dos galeguismos possíveis mentres acusa a oposição aos eucaliptos de xenofobia florestal, o assessor político Rodri Suárez defende um projeto para desarraigar a Galiza rural da tradição conservadora e capitalizá-la nas cidades, um plano que no seu irremediável fracasso só criará ressentimento social e neofascismo.