A equipa Revirada pretende achegar-se a vós, escutar-vos e que nos escutedes considerando os diferentes pontos de vista, –– sempre dirigidos no mais absoluto respeito ––, um dos pilares da estrutura que nos erige como equipa. Por este motivo, decidimos dedicar esta secçom do Sabias quê? para vos abrir as portas da nossa casa que, certamente, também é vossa.
Para nós, o feminismo é plural e baseia-se nas alianças irmanadas.
Nom aspiramos a ser objeto de confrontos, mas tampouco temos medo à réplica.
Compreendemos este espaço como um lugar configurável, nom dogmático e, muito menos, hegemónico.
Além disso, temos consciência da imposiçom que estám a sofrer os coletivos LGBTIQ+ e também da necessidade de continuarmos a desconstruir o pensamento feminista. Por isso, a nossa colaboraçom neste número pretende criar um espaço aberto e cómodo para todas, onde expressar as dúvidas sem medo e, se necessário, ser orientadas nos âmbitos em que nom pisamos com firmeza. Porém, isto nom nos exime da obrigaçom de aplicar umha lente crítica, desde que tal nom implique um símbolo de ferida para ninguém.
A seguir, damos-vos a conhecer individualmente um fragmento do pensamento e do sentimento que sustenta a Revirada. Queremos partilhar convosco a nossa voz na luta polo direito à autodeterminaçom e, sobretudo, anelamos provocar umha abordagem baseada no cuidado e na responsabilidade afetiva. Pode-se dizer que, como equipa Revirada, já sabedes bastante de nós. É por este motivo que, desta vez, quigemos convergir de jeito mais íntimo e pessoal, empregando o nosso meio como suporte para darmos a cara.
- O que significa ou o que é para ti «transfeminismo» e «feminismo queer»?
Ana: A nomeaçom e a linguagem dam-nos umha visibilidade e espaço. Sendo assim, o que damos ou deixamos de dar um nome, acaba por ter um grande impacto na sociedade. Sendo assim, no feminismo existem diversas correntes, e essas correntes som extremamente importantes de serem ressaltadas. O transfeminismo e o feminismo queer, para mim, demonstra a abrangência onde o feminismo chega nas suas diversas interligações. E fai-me perceber em como a sociedade ainda está denominada por diferentes formas de sexismo, e como isso impulsiona diariamente em diferentes formas de opressões. E, além disso, também me fai refletir se os outros feminismos realmente estám dando esse espaço de escuta e acolhimento. Porque penso que é assim que conseguimos criar umha ligaçom mais fortalecida no feminismo.
Giada: Para mim o transfeminismo está ligado à consciência de que existem várias formas de sexismo (como cissexismo, heterossexismo, monossexismo, e assim por diante) que se entrecruzam entre si e com outras formas de opressom. Conhecia o conceito de interseccionalidade, agora muito mais difundido e aceite que há anos, mas as companheiras trans levárom-me a tomar consciência da miríade de formas de sexismo na nossa sociedade.
O feminismo trans estende a análise feminista às questões transgénero, que nom fôrom objeto de análise polo feminismo do passado ou que fôrom interpretadas erroneamente. Considero que a abordagem do transfeminismo é muito abrangente, porque servir-se do conceito de “binário de género” (a atribuiçom de forma nom consensual do sexo feminino/masculino no nascimento) em vez de “patriarcado” ajuda mais a identificar os sexismos sociais e permite tomar mais consciência do cissexismo/transfobia dominante, em como as pessoas trans som alvo de discriminações, assédios e violência estrutural.
Mariola: Há anos pensava que o transfeminismo estava principalmente relacionado com a transversalidade do feminismo, a transgressom do género além de ser mulher ou homem, e também ligado com a interseccionalidade. Mas agora entendo que isso é o feminismo queer, pelo menos o que conheci com as Maribolheras Precárias da Corunha, que já questionavam a construçom do género e sistema binário e aplicar no seu ativismo diário a interseccionalidade quando ainda nom tinha esse nome. Acho, no marco da minha ignorância, que o transfeminismo está agora a tornar numa reivindicaçom e um espaço seguro de pensamento e açom para feministas que estám a transicionar de género, com umha grande diversidade interna. É um processo muito complexo e as coloca num lugar de vulnerabilidade social, política e emocional que precisa de muitos cuidados, e sensibilidade. Infelizmente, nom penso que outros feminismos consigam garantir a sua segurança, nem ser capazes de empatizar do jeito que precisam, pelo menos nom agora.
É importante ter esse quarto próprio e daí fortalecer-se para demandar e ocupar o seu lugar no feminismo e no mundo.
Nerea: Para mim, em muitos aspetos, o mundo em si está prefixado polo «trans» que, etimologicamente, fai referência a “atravessar” ou “cruzar” dum sítio para outro. A este respeito, o ser humano parece estar sempre envolvido num constante devir de algo e, portanto, considero que adotar posições herméticas ante as manifestações das diferenças (que tenhem a coragem de aflorar) gera distância e debilita os fragmentos do mesmo todo que formamos. Porém, somos filhas do sujeito humanista, o qual, há tempo está sumido numha crise “onto-anthropo-lógica” que demanda novas lentes críticas com que olhar as diferenças que aparecem. A este respeito, parece-me importante ––e urgente–– deixar de lado os pensamentos que nos fam conceber o mundo com base em idolatrias e fobias, as quais, geram pensamentos radicais (tránsfobos) e, em consequência, atrasam o assentamento das diferentes identidades que também buscam um lugar digno na ontologia.
Paloma: Para mim, o transfeminismo e o feminismo queer som parte intrínseca do feminismo, já que empurram a reflexionar sobre os géneros, roles e identidades para além dos essencialismos biológicos que, por outro lado, também definem a nossa realidade diária. Penso que formula umha teoria de oposiçom ao binarismo social em que nos movemos que é para mim enormemente interessante no momento de refletir a partir de onde pensamos o feminismo e construímos as suas teorias, talvez desde um sistema dado por assente e considerado único, baseado na opressom, na definiçom por oposiçom ao considerado “neutro” e nas dicotomias que nom som suficientes para abranger todas as realidades que convivemos.
Este número ajudou-nos a pensar em como nos autodefinir como mulheres sem cair em estereótipos ou tecnicismos, tentando ampliar o olhar.
A dia de hoje muitas de nós nom temos resposta.
- Por que crês que é importante dedicar este espaço à causa transfeminista?
Ana:
Eu acredito na importância em que qualquer espaço que fornece espaço de escuta, fala e conversa possui.
Julgo que atualmente, o momento quando abrimos o espaço para nos ouvir, e nos dar a conhecer umhas às outras, assumindo que ainda temos muito que aprender, é fundamental. Seguir somente umha linha isolada, onde nom se interessa por conhecer e aprender com o outro, fai que andemos num falso conforto, onde nom nos permitimos a fazer verdadeiras ligações com nós outras.
Giada: Acho que é importante porque o cissexismo nom acontece numha bolha isolada, acontece num mundo onde existem outras formas de sexismos e opressom. Que a maior parte da violência contra as pessoas trans esteja dirigida a trans femininas ou racializadas, ou pobres é um exemplo claro da misoginia, classismo e racismo da nossa sociedade.
Por esta razom, também nom compartilho a ideia de que exista um tipo de “experiência universal de vida” das mulheres.
Todas temos histórias de vida diferentes, o sexismo causa um impacto diferente em cada umha de nós, cada umha de nós é privilegiada nalgum aspeto, mas talvez nom noutros.
Mariola: É fundamental que haja lugares onde se possam escutar mais vozes das que estám a ter visibilidade nos média, e a um nível galego e local, mais próximo do nosso ativismo do que o castelhano-espanhol. Este número pode ser esse lugar onde aprender e compartilhar, conhecer o que as mulheres, em toda a nossa diversidade, pensamos e sentimos, e como redefinimos, se fosse preciso, o conceito de mulher. Nom preciso, nem quero, um só discurso consensual. Nom penso que estejamos aí ainda. Sobretudo nom quero que o medo a dizer o incorreto – ignorância educada, mais que respeito –, termine por ser umha barreira que, em vez de nos unir, nos afaste mais.
Nerea:
Creio que tornar visíveis as diferenças é fundamental ––que nom suficiente–– para dar conta das diferentes opressões, ainda que, num princípio, poda parecer que as referidas opressões nom partilham a mesma luta.
Lembre-se que, na sua etapa inicial, o ecofeminismo foi rejeitado das teorias feministas por nom considerar a relaçom género-mulher. Autoras como Val Plumwood (2003: 41-43) diziam que as relações binárias como homem/mulher escondem muito mais que umha relaçom dicotómica nas suas estruturas e, ademais, costumam estar debaixo do jugo de cinco elementos dominados pola Mastery Identity: 1) retrocessos (negaçons e conflitos irresolúveis); 2) exclusões radicais; 3) incorporações (opositivas); 4) instrumentalismo e 5) estereotipaçom/homegenizaçom. Porém, como dizia, a visibilizaçom nom é suficiente, precisam-se de mecanismos de açom, como o da escuta ativa, que fagam emergir esses silêncios. Portanto, também é a nossa responsabilidade criar esses espaços onde pôr a dialogar as diferenças para poder superar os pensamentos excludentes e dicotómicos.
Paloma: Penso que, como seres racionais que somos, devemos viver numha constante autocrítica e autoreflexom acerca dos nossos alicerces ideológicos. Somente desta maneira conseguiremos acompanhar o ritmo da sociedade líquida onde vivemos onde desde unhas realidades que dávamos por assentes surgem outras identidades que ponhem em causa esses mesmos fundamentos. Creio que é necessário dar espaço à causa transfeminista porque é o seu espaço, simplesmente. Cuido que a polarizaçom e dor dos conflitos dos últimos tempos provenhem dumha despersonalizaçom da causa transfeminista, dum debate teórico que nom se achega às pessoas e o nosso espaço quer ajudar a equilibrar isto. Todas as experiências som válidas e nom podemos comparar violências ou opressões.
Por outro lado, também é um espaço seguro onde colocar dúvidas e aprender, sem que a dúvida seja um ataque pessoal a nengumha identidade em concreto, mas umha pergunta sincera elaborada a partir dumha experiência muito diferente que também sofreu opressões sistémicas por causa dumha realidade material que condiciona toda a nossa vida e relações.