A resposta, seja qual for, vai além de um simples sim ou não e precisa dar sentido à própria questão. Por isso, quando interpelada no Congreso Recoñecemento Internacional de Galiza organizado por Via Galega, o 16 de setembro de 2023, a economista María do Carmo García Negro foi tão rotunda quanto radical na resposta: ‘Sim, é a economía dos galegos’. Dito isto, imediatamente García Negro diferenciou uma economia real das pessoas de outra ficcionalizada pelas estatísticas que localizam arbitrariamente as atividades económicas das grandes empresas multinacionais, pondo em questão, por exemplo, a utidade de umas contas de importações e exportações galegas condicionadas de facto pelos processos industriais globais de Repsol em Arteijo ou Stellantis em Vigo. Além dos salários que deixam estas empresas, disse, pouco importa para a economia real dos galegos quanto valor é atribuído aos fluxos que a Repsol ou a Stellantis fazem passar pelas suas factorias. Embora contundente, a resposta de García Negro também não encerra a questão. Pois logo, a que estado fica reducida essa economia galega das pessoas? Não existe uma economia galega das empresas?

Decerto, não é dificil achar evidências de que a actividade empresarial é alhiea à ideia da Galiza mesmo nas médias e pequenas empresas, na práctica quotidiana dos negócios quanto nos seús projectos empresariais. Uma revisão dos portais web das 135 empresas do Clúster de Automoción de Galicia CEAGA, na Avda. Citroën da Zona Franca em Vigo, fez a impresão de um setor que foge da geografia humana para uma nova geografia dos negócios globais. O conceito de glocal fez aquí todo o sentido. Muitas das mais grandes multinacionais sediadas em Vigo semelham agochar nos seus sites corporativos a gestão francesa, alemã ou americana, apresentando-se simplesmente como empresas globais com sedes espalhadas por todo o planeta, uma prática que até as microempresas imitam. A virtualidade da rede, que iguala grandes e pequenas empresas em similares formatos web facilita muito esta projeção distorcida, mas não é pura ficção. As empresas não dependem do mercado nacional, mas de conseguir as acreditações e reconhecemento das cadeias globais, tendo aqueles a produção é deslocalizada. E é por isso que as empresas de CEAGA mal mencionam os mercados nacionais nos seus websites, e as súas relações empresariais também não seguem estas hierarquias geopolíticas. Não e incomum encontrar empresas com apenas vinte empregados com escritórios comerciais ou pequenas delegações e outras oficinas em países distantes, algo impensável hoje em outros sectores e extraordinário há umas poucas décadas em qualquer sector. Neste ambiente, muitas novas empresas nascen já posicionadas numa estratégia internacional de negócios e crescimento, amiúde dirigidas por ex-gestores com experência nessas redes globais.

Embora a CEAGA declare como objectivo institucional situar o Sector Automocão de Galiza numa posição de liderança competitiva e sustentável a nível global no horizonte 2025, contribuindo para o progresso e a qualidade de vida no nosso entorno, para seus associados a Galiza semelha irrelevante como entorno próprio ou de progresso sustentável. Apesar de Galicia ou gallego/a aparecer na denominação legal e comercial em 16 das 135 empresas, aquelas que fazem menção expressa da súa nacionalidade localizam-se sistemáticamente em España/Spain ou apressentam-se direitamente como espanholas. Não existe qualquer caso comparável com a Corporación Mondragón (presente na CEAGA através de uma filial), auto-situada no País Basco e com uma versão do seu site em eusquera. Claro que esta é uma questão política em tanto a identidade galega entra em colisão com a espanhola que estas empresas podem adoptar sem custe, mas também tem relação com as perspectivas económicas que, curiosamente, valorizam muito positivamente situação de proximidade á Vigo, destacada por vezes como uma vantagem competitiva polo porto, o aeroporto, ou mesmo como localização industrial e de negócios. Há consciência Vigo ser um valor económico e de marca, talvez mais evidente em sectores como a pesca ou a construção naval. Um outro repaso dos sites das empresas vencedoras dos prémios ARDÁN de excelência empresarial que a Zona Franca de Vigo concedeu durante os últimos anos confirma esta avaliação da cidade como marca de identidade por parte das empresas, mais também que por vezes a valorização pode atingir Galiza ou mesmo o uso do galego, nomeadamente em sectores como a alimentação, o turismo ou as indústrias culturais. Em conclusão, do ponto de vista das empresas, a Galiza teria valorações económicas sectoriais mais ou menos positivas, mas que hoje semelhan ser perto de zero em sectores chave como o do automóvel.

Portanto, reformulando a pergunta inicial, existe uma economía Galega ou há apenas realidades sectoriais, parciais? Para dar uma resposta sequera aproximada a essa questão, uma resposta colectiva parecia o mais apropriado. Nas dúas semanas anteriores ás férias de Natal de 2023, 497 economistas docentes e investigadores das três universidades galegas receberam por e-mail uma breve quesitação sobre a existencia da economia galega; 52 respostaram a volta de correio. As perguntas são reproduzidas a seguir:

1.- A ‘economía galega’ é:

a) um artefacto criado pela necessidade de cotar o objecto de estudo económico a uma geografia
b) uma realidade autônoma com desenvolvimento próprio e diferenciado dentro da economia espanhola/mundial
c) outra (por favor, dizer qual…)

2.- O ‘sistema empresarial galego’ é:

a) um artefacto criado pela realidade institucional, administrativa e regulatória da Xunta de Galiza, a organização autonómica do Estado, etc.
b) uma realidade que reflecte umas condicões materiais-produtivas próprias
c) uma comunidade sócio-empresarial que relaciona e unifica os interesses dos diferentes sectores económicos
d) outra (por favor, dizer qual…)

3.- O ‘mercado galego’ é:

a) não existe realmente tal coisa
b) uma realidade definida por uns hábitos de consumo
c) uma realidade definida por umas canais de distribução e venda
d) outra (por favor, dizer qual…)

Imagem: Figura enquisa. Gráfico Oscar Pazos

Das 52 respostas, houve duas em branco e outra incompleta. E das 48 combinações possíveis de respostas ás três perguntas, só 18 foram foram elegidas, sumando as combinações bbb+bbc o 43% das eleções.É dizer, embora a participação no inquérito tenha sido discreta, houve uma concentração de voto suficiente para acreditar alguma representatividade. E o que essas respostas nos dizem é que 7 de 49 economistas consideraram a economia galega ou o sistema empresarial galego serem artefactos, ou seja, ficções criadas pelas administrações públicas ou como objectos de estudo dos acadêmicos, face a 29 e 35 que as acharam realidades. E também 8 economistas consideraram não existir propriamente um mercado galego face a 30 que sim o consideram uma realidade, quer definido por hábitos de consumo quer pelo sistema de distribuição. E apenas 3 economistas selecionaram a combinação aaa, que desacredita em qualquer realidade autónoma da economia, o sistema empresarial e o mercado em Galiza face a 24 que acharam certo todas elas existir por si própias. E quanto as respostas particulares que os economistas achegaram e que supõen por volta de um quarto do total, quase todas misturam ou matizam as respostas oferecidas na quesitação, relativilizando a possibilidade de uma independência econômica forte, mas aceitando diferenças e autonomia substanciais. Em média, foram os economistas das áreas de História e Instituições Económicas e Economia Aplicada quem mais optaram por aportar respostas própias, enquanto aqueles outros das áreas de Organização de Empresas e Comercialização escolheram menos essa possibilidade.

Em conclusão, o inquérito aponta que a comunidade académica galega inclina-se por reconhecer uma realidade econômica autónoma para Galiza, embora esta autonomia seja problemática, mesmo contraditória. Se calhar, o caso dessas 135 empresas do automóvel sediadas física e economicamente em torno da Stellantis em Vigo, autonominadas espanholas, internacionais ou globais e apenas galegas, tão distintas em tamanho, organização, etc., mas agrupadas num cluster organizado sob o horizonte da Galiza, seja indicativo de tais problemáticas e contradições.

E a questão última para a qual tudo isto é importante nesta investigação da Galiza pós-colapso é, precissamente, para avaliarmos as possibilidades da economia empresarial galega, se calhar diferenciada e autónoma, para substituir aquela outra economia agrária que ruiu no passado século como cerne da sociedade galega, de uma Galiza rural e camponesa tantas vezes identificada como o meio material no que se criou e reproduziu a nação galega, que deu forma a aldea e a cultura aldeã. Pode a economia empresarial globalizada contribuir para a supervivência da Galiza pos-agrária ou implica novos passos na homogeneização, na aculturação, no desarraigamento? Pôde ser o êxito economico remédio a um definitivo fracasso nacional? São esses recorrentes chamamentos e arbítrios em procura de uma Galiza-dinamarquesa, ou de uma Galiza-novo-holandesa, ou de uma Galifórnia, caminhos de uma modernização redentora para a decadência da pátria ou cantos de sereia de uma convergência desnaturalizadora?