O Galiza Livre continua a lembrar as experiências de autoorganizaçom e luita do nosso povo viajando até a comarca do Condado para falarmos, da mao de Lorena Pinheiro, da história da Assembleia de Mulheres do Condado (AMC). Feminismo combativo e de rua a abrir fendas na opressom.
Fala-nos um bocado de como foi a criaçom da AMC.
A Assembleia de Mulheres do Condado nasceu em 2003 vinculada à chegada da organizaçom independentista Nós-Unidade Popular e o partido Primeira Linha. Nom foi algo que se falara diretamente nem se recolhera na ata fundacional mas, ao fim, as companheiras impulsoras estavam no partido comunista e acabavam-se percebendo as linhas de atuaçom e as estratégias políticas à hora de propor umha ou outra atividade. Os princípios de AMC partiam dos mesmos que a organizaçom independentista com respeito à questom nacional, de classe e da normativa linguística. Isto foi assim do começo até a súa disoluçom em 2013.
“Os princípios de AMC partiam dos mesmos que a organizaçom independentista com respeito à questom nacional, de classe e da normativa linguística”
Existia um trabalho feminista prévio no Condado ou foi umha organizaçom pioneira?
O nascimento de AMC supujo a chegada ao Condado do primeiro coletivo feminista assim que, sim, podemos considerar-nos pioneiras nesse eido.
Que é o que mais destacarias do percurso da AMC?
Nom é doado reduzir o percurso de AMC a algo concreto. AMC supujo a chegada de um coletivo feminista radical a umha vila caracterizada pola sua tradiçom franquista viva ainda entre a classe política, a vizinhança, nos nomes das ruas, todo isto coroado na presença do busto de Franco na Praça Maior.
A AMC chegou para pôr todo de pernas para o ar. Destacaria a bravura, a rebeldia. Éramos indomáveis. Foi um coletivo de rua, de base e de classe. Visibilizamos a opressom das mulheres enchendo os muros da vila de mensagens mui potentes, figemos campanhas nas que facilitávamos os nossos telefones para mulheres que precisaram apoio ante situaçons de violência machista, denunciamos com nome e apelidos um violador que terminou levando-nos a juízo (e perdeu) por direito ao honor. Na rua estávamos em cada assassinato, fazendo performance para visibilizar a exploraçom dos cuidados reprodutivos. Na rua estavamos mostrando que a heteronorma nom era natural. A rua era o nosso campo de batalha.
“Na rua estávamos em cada assassinato, fazendo performance para visibilizar a exploraçom dos cuidados reprodutivos. Na rua estavamos mostrando que a heteronorma nom era natural. A rua era o nosso campo de batalha.”
Como foi recebida a vossa atividade a nível social?
Nom podo dizer que bem. Incomodávamos. Pensai que a Lei estatal de Igualdade é de 2007 e o nosso discurso era mui radical para o conjunto da populaçom. Nas concentraçons estávamos poucas mais que as integrandes do coletivo. Quando fazíamos campanhas e queríamos deixar cartazes contra a violência machista em bares ou discotecas nom sempre fôrom bem recebidos. Em muitas ocasions também tivemos que fazer fronte a mofas e insultos nas nossas açons. Mas por outro lado, sempre houvo pessoas com consciência feminista que acolhêrom as nossas atividades mui bem. Professorado dos IES, associaçons desportivas, culturais, anticapitalistas. Também negócios particulares como as livreiras que nos acolhiam para organizar os certames literários, mulheres a título individual que se interessavam pola nossa atividade ainda que nom chegaram a fazer parte da Assembleia de Mulheres. Ficamos com essas, com as que fôrom força e motivo para continuar.
E a nível institucional, como foi a relaçom com os Concelhos da comarca?
Para nós as instituiçons locais eram estruturas patriarcais e antifeministas. Nunca se interessárom polo nosso trabalho e nos 10 anos de percorrido, só contra o final, começárom a convidar-nos a juntanças. Antes nom existíamos nem interessava a nossa existência.
A vossa era umha organizaçom comarcal, por que nom optastes por trabalhar desde umha organizaçom de carácter nacional? Que avantagens e limitaçons tivo o facto de partirdes do ámbito local?
O objetivo era o trabalho a nível local, com perspetiva global, claro, mas o nível local acho que é desde onde se deve intervir. No dia a dia, na tua realidade local, com a vizinhança, com as problemáticas e necessidades da tua comunidade. Nunca consideramos formar parte de umha organizaçom nacional porque de algumha maneira já formávamos parte; o movimento feminista galego era algo assim como essa organizaçom de que falas. Formamos parte de assembleias e açons com perspetiva nacional, tivemos presença nas manifestaçons nacionais do 8 de março ou 25 de novembro. Nom estávamos isoladas e também sentimos a solidariedade do movimento feminista quando se precisou como, por exemplo, na mobilizaçom que levamos a cabo desde Ponte Areias até as Neves para denunciar a agressom machista sofrida por umha vizinha desse concelho ante o Pleno municipal. Umha caravana de carros percorreu a estrada que une estes dous municípios com bandeiras lilás chegadas de diferentes pontos da Galiza.
Acho que vantagens todas e limitaçons nengumhas.
Durante a vossa existência o feminismo ainda nom atingira a massividade destes últimos anos, era um movimento de minorias e menos central no discurso e na luita social e política. Achas que um trabalho como o vosso, muito menos espetacular e quiçá mais ingrato, ajudou a que o boom posterior fosse possível?
Sem duvidá-lo. Acho que tampouco é algo exclusivo de AMC. Após a chegada, errada ou nom, de Nós-UP ao Condado, dessa rebeldia nascêrom outras e desde aí, com as suas divisons também se multiplicárom os locais sociais, as organizaçons políticas e as sementes de vencer. Ponte Areias é um povo rebelde, o fascismo obriga a sê-lo. De facto estám de volta nas instituiçons, veremos como respostamos a este retrocesso social e político.
Na atualidade já nom existe nem o local social Baiuca Vermelha nem o CSA O Fresco, nem o Ateneo Libertario Lume Negro, nem AMC nem o Círculo Feminista, nem As Brétemas… mas quando é preciso, quando algo ou alguém atenta contra a dignidade de umha pessoa (foi o caso de umha agressom homófoba) ou um povo (foi o caso da visita de VOX) todas estamos aí. Desorganizadas, certo, mas seguimos sentindo que somos um povo com a força das riadas que todos os anos voltam a nos visitar e sempre estám aí.
Para finalizarmos, como avalias aquela experiência? Que ensinanças tirarias dela?
Mui positiva. Acho que podo falar em nome de todas as que formamos parte de AMC se afirmo que nom seríamos as mesmas sem termos vivido a experiência de organizarmo-nos baixo o guarda-chuva do feminismo durante a década de 2003-2013. Ensinou-nos a conhecermo-nos a nós mesmas, a reconhecermo-nos sujeitos de direitos, a perceber as discriminaçons também nas organizaçons mixtas e pelejar de jeito interno para acadar os mesmos direitos que os companheiros. A ganhar em segurança e autoestima, a reconhecermo-nos vulneráveis para vindicar o direito a nom termos medo, a sermos donas das nossas vidas e sobretodo a sentirmo-nos parte de um movimento que nasceu para derrubar o que a todas, de um jeito ou doutro, com maior ou menor virulência, nos afoga e em muitos casos, chega a matar. Quiçá peco de optimista mas o Patriarcado tem os dias contados, e a AMC contribuiu para o seu fim.