Maré negra do Prestige, vaga incendiária e, neste 2024, poluiçom de micro-plásticos. Ante reiteradas catástrofes ambientais que evidenciam a negligência do Estado espanhol na Galiza, vagas de voluntariado suplem as carências oficiais e demonstram umha importante capacidade de auto-organizaçom popular. Falamos com várias das pessoas que, de Trasancos ao Salnês, se envolvêrom nesta semana no trabalho nas praias e comprovárom a pé de obra a magnitude do acontecido.

“Deveria-se abordar o problema de fundo”

Maria López Morado é do norte, mora em Trasancos, e está vinculada ao mar por razons profissionais e emocionais. Engenheira naval e oceánica na Universidade da Corunha, tem como umha das suas actividades o monitoreo e limpeza de lixo no mar, tarefa que compartilha na conta de Instagram. Pola sua dedicaçom, foi das primeiras pessoas que tivo notícia dos pellets nessa área da Galiza: “normalmente vou em solitário ou em família às praias, delimito um metro quadrado, e tomo mostras com umha peneira e um caldeiro, para ver que densidades de lixo há. Foi assim como me encontrei com os pellets.”

O primeiro que Maria destaca é que resulta difícil ainda dar umha magnitude do dano: “quigem diferenciar nas minhas mostras que lixo pertence a este vertido, e qual a outro. Como este labor de monitoreo rigoroso nom se realiza, os pellets vam-se espalhar mais, e custará-nos muito ter umha ideia do que aconteceu realmente. O alcanço do meu trabalho é limitado, claro, porque eu apenas trabalhei numhas poucas praias, como Sam Jurjo ou Santa Comba.”

Ante a alarma popular que ecoárom as redes e o baleiro governamental, o voluntariado foi mui espontáneo em Trasancos: “houvo associaçons organizadas que lançárom iniciativas, como Limpocean, ou Betula; como se partia da falta de informaçom, aproveitou-se o mapa de vertidos que ofereceu Noia Limpa nas suas redes”. A dessídia ou descoordinaçom institucional é outra das realidades chocantes que Maria nos transmite: “por dar um exemplo, na praia de Sam Jurjo topamos um cartaz de protecçom civil que indicava quais som as normas para a recolhida, mas na verdade nem existem os contentores separados nem identificados, com o que se nos dam umhas regras de funcionamento, mas nom meios para o solventar. Logo, vimos pessoal da Xunta recolhendo com umha pá, mas nom monitoreando, o que confirma isso que dizia da falta de conhecimento real do que aconteceu.”

Para Maria, existe um problema de gestom política e administrativa da crise, mas a questom tem ainda maior calado: “o tema de fundo, ao meu ver, é o fluxo contínuo de mercadorias e materiais do outro lado do mundo, que é o que está por trás dos vertidos reiterados e da perda de contentores. As soluçons devem ser preventivas, e nom correctivas. E se nom damos superado este fluxo contínuo de mercadorias, quanto menos teríamos que ter regulamentos nacionais para os gerir, já que nom existem os internacionais. Porque estamos a afrontar um grande problema global que tem impactos locais.”

Na praia de Sam Jurjo topamos um cartaz de protecçom civil que indicava quais som as normas para a recolhida, mas na verdade nem existem os contentores separados nem identificados, com o que se nos dam umhas regras de funcionamento, mas nom meios para o solventar.

Imagem: Maria López Morado.Ferrol

“É um orgulho ver tanta gente trabalhando unida”

Como tantos centos de pessoas mobilizadas estes dias nas praias, Annika Álvarez é umha amante da natureza sem umha particular adscriçom partidária ou organizativa. Natural de Cambados e auxiliar de veterinária, tivo notícia polo acontecido através das redes sociais, que suplírom o enorme baleiro deixado pola mídia oficial: “recebim um video do que acontecera pola zona de Noia, fiquei impactada com as imagens, e no dia seguinte, contactei com o meu grupo de amigos. Dixem-lhe que tínhamos que fazer algumha cousa”.

Annika pretendia saber quais eram os protocolos do voluntariado nos primeiros dias do ano, mas a desinformaçom provocava que o trabalho se desenvolvesse espontaneamente e com os meios que melhor dispunha cada quem: “contactei com Noia Limpa para saber como funcionava o voluntariado, e dixérom-me que nom haviamui perfilado, que era segundo ia xurdindo. Assi que, em poucas horas, já estávamos argalhando, com ajuda dum carpinteiro, fixemos umha peneira.” A diferença de há duas décadas, nos dias da crise do Prestige, neste 2024 as novas tecnologias jogam um papel capital: “fixemos um grupo de watsapp inicial com umha rapaza da Ilha de Arousa que atopamos na limpeza, chamamos-lhe ‘Limpeza de praias’. Começamos cinco pessoas, e às poucas horas eram cem. A partir de entom, a cousa multiplicou-se, e o grupo dividiu-se por concelhos e em subgrupos, atendendo necessidades técnicas: “gente da associaçom Fridays for Freedom começou entom a administrar um espaço online que tem desde subgrupos de debates até secçons diferenciadas por áreas geográficas, mesmo atendendo a gente que vem de fora a colaborar.”

Para Annika, a experiência nom pode ser mais gratificante: “ver trabalhando unida tanta gente, com organizaçons meio ambientais, técnicas, pessoas anónimas, sem esperar ninguém nada para benefício pessoal, é mui impressionante.” As comparaçons com a crise da maré negra resultam obrigadas, e neste ponto Annika é clara: “eu quando foi o Prestige tinha 12 anos, e apesar de que a rapaziada nom tinha permitido limpar, fum e colaborei, e a imagem ficou-me muito gravada. Si, há certos paralelismos.” Annika, porém, nom quer ser simplista: “claro que nom é estritamente comparável, a curto prazo nom vemos aves morrendo, as praias cobertas de negro, mas a longo prazo isto tem uns efeitos que imos notar; e há muito de responsabilidade de todos, um sistema que transporta plásticos de aqui a alô, estamos metidos num consumismo desaforado e velaí as consequências.”

Fixemos um grupo de watsapp inicial com umha rapaza da Ilha de Arousa que atopamos na limpeza, chamamos-lhe ‘Limpeza de praias’. Começamos cinco pessoas, e às poucas horas eram cem. A partir de entom, a cousa multiplicou-se, e o grupo dividiu-se por concelhos e em subgrupos, atendendo necessidades técnicas

No que diz respeito às responsabilidades políticas, Annika nom está abraiada: “nom levei surpresa nenhuma, nom som gente que responda, nem numha catástrofe nem noutra, e aliás estám afeitos a ocultar informaçom; eu nom esperava outra cousa deles, e se estivesse outro partido político, nom me atrevo a dizer que nom ia passar outra cousa semelhante.”

Imagem: Annika Álvarez. Cambados

“Tivemos que argalhar a nossa própria ferramenta para limparmos em condiçons”

Maria Candamo vive e trabalha ao pé do mar, e na praia de Area Maior, em Louro, tivo que assistir a um dos momentos mais impactantes desta crise, quando as linhas da maré se ateigavam de pellets, e as bolinhas de plástico se mesturavam com o material orgánico. Formada em Desenho de Moda, descobriu umha nova forma de combater a invasom de lixo nos océanos, e como @lixo.atelier oferece em instagram peças artesás que nascem de reciclar material de refugalho.

A sua presença na limpeza nom é, portanto, nada novo, mas isto tivo para ela outra dimensom: “enteirei-me do acontecido, como tanta gente, graças a Noia Limpa”; tam aginha como puidem, armei-me na casa com luvas, coadores e peneiras, mas era desesperante. Area Maior e Ancoradoiro estavam inçadas de pellets, e os temporais deste inverno faziam com que as bolinhas se enterassem na area, ou se colassem ao material orgánico; e claro, a limpeza era complicadíssima, porque deves deixar o material orgánico, como o argaço e as cunchas, no seu sítio.” Começou o labor de limpeza por conta própria, com umha amiga, mas a precariedade da situaçom fijo com que aguzasse o engenho: “a meu irmao ocorreu-se-lhe um invento, umha caixa com dous níveis, que arriba retém apenas a matéria orgánica grande, e no segundo retém apenas os pellets. A partir daí, fixemos várias caixas destas, o que facilitou muito o labor.”

O voluntariado em Louro, que começou com grupos de sete ou oito pessoas, passou logo a mais de cem. “O primeiro pessoal da Xunta que acodiu ali tinha menos meios que nós, andavam fazendo como que recolhiam com uns grandes capachos. Logo até aparecêrom por ali cargos públicos da Xunta, o que já foi de chiste.” A juízo de Maria, a negligência política foi a nota dominante, mas esta aponta a um problema enorme: “fazendo o meu trabalho de elaboraçom artesá dou-me de conta até que ponto temos um problema grande de resíduos, o lixo que bota o mar é infinito, e leva chegando anos e anos.”

A meu irmao ocorreu-se-lhe um invento, umha caixa com dous níveis, que arriba retém apenas a matéria orgánica grande, e no segundo retém apenas os pellets. A partir daí, fixemos várias caixas destas, o que facilitou muito o labor

Imagem: Maria Candamo. Louro

“Tam importante como o número de voluntárias, é a sua coordinaçom e organizaçom”

Antia Alberto Maneiro é ambientóloga de formaçom e concelheira de meio ambiente em Ribeira, governada polo nacionalismo desde as últimas eleiçons municipais. O primeiro que destaca é o conhecimento imediato que o seu concelho tivo do risco ambiental: “já o dia 13 de dezembro topamos sacos na praia de Corrubedo, e ali se deslocárom membros de Urbaser e da equipa municipal de emergências. Ainda que se tratava de sacos inteiros, e nom havia pellets soltos, tínhamos a ideia de que podia ser parte de algo mais grande”. Nenhuma administraçom oficial os informou seguindo protocolos e si, em troca, um particular: “actuamos pola chamada dum agente meio ambiental, que nos informou de que um barco perdera a sua cárrega. Mas nom foi até uns dias depois, e graças às redes sociais começamos a saber de mais zonas, nomeadamente de Muros, onde os sacos estavam abertos e os pellets inçavam a areia.” Os plásticos espalhados nom demorárom em
chegar a esta zona de Arousa, “especialmente no que chamamos pontos mortos, que som essas áreas em que por morfologia e marés, se acumula material de deposiçom”.

Ante a falta de protocolos claros por parte de instáncias superiores, continua Antia, o concelho tentou coordinar os esforços do voluntariado espontáneo com as instáncias municipais: “como o fim de semana de Reis chegaram mais sacos, e polas redes sociais se multiplicavam as convocatórias de limpeza, o concelho procurou mediar e organizar: “convocamos umha limpeza com Greenpeace no concelho e tentamos dar-lhe certa formalidade, porque se bem é preciso que assista gente de fora, cumpre coordinaçom para fazer mais efectivo o trabalho, mais tendo em conta que é um labor muito incerto, porque dum dia a outro, em funçom do clima e as marés, o vertido move-se de sítio. Suprendeu-nos que quando chegamos vimos ali as brigadas de Tragsa, sem que a nós ninguém nos avisasse. É mais, contactou antes connosco a asseguradora do barco, Ardentia, que a própria Xunta.”

Cumpre coordinaçom para fazer mais efectivo o trabalho, mais tendo em conta que é um labor muito incerto, porque dum dia a outro, em funçom do clima e as marés, o vertido move-se de sítio

Para Antia, na zona respira-se umha mestura de enfado e desconfiança com as autoridades autonómicas: “ninguém nos avisou de nada, há essa sensaçom, e se nom fosse polas redes sociais, nom saberíamos o que aconteceu.” Ao mesmo tempo, numha zona que vive da pesca, tem-se medo de que a alarma social gerada polos micro-plásticos produza umha queda das vendas de peixe. “Nós, neste particular nom queremos fazer prediçom. Estamos pendentes de análises que nos digam que efeitos pode ter isto todo, a ciência tem que ter a última palavra. Queremos ser cautas, sem alarmismo e também sem irresponsabilidade.” Como em todas as crises, ante da desfeita também se podem tirar liçons para o futuro: “a gente que participou da recolhida viu a enorme cantidade de plásticos que se amoreiam nas praias, nom apenas deste vertido. E isto pode servir para sensibilizar, e para potenciar que, nas nossas visitas aos areais, nos dediquemos à recolhida.”

Imagem: Antia Alberto Maneiro. Ribeira