Dize-se que umha das eivas mais reconhecíveis do colapso da Galiza é ausência dumha burguesia própria, umha burguesia galega, moderna e nacional. Na procura dessa burguesia que nom é, no passado dezasseis de novembro fum à apresentaçom, na Fundaçom Penzol de Vigo, dumha nova publicaçom sobre os irmaos Ilha Couto; a sua história familiar ilustra bem o colapso dessa burguesia no seu mesmo alvor, umha burguesia que apenas nom chegou à terceira geraçom.
Como tantos, os Ilha Couto, progressaram junto com a generalizada modernizaçom do país entre os séculos XIX e XX, e eles em concreto na singular rolda da prosperidade comercial e industrial da cidade de Vigo. O pai dos Ilha Couto era um labrego sem terras mais, com tento e talento, conseguiu entrar na Guardia Civil e dar aos filhos umha educaçom que, mesmo sem quartos, os pujo em trato com a burguesia industrial e empresarial do momento. Criados em relaçom íntima com a emigraçom americana e nos contatos comerciais cumha Europa que ainda situava o centro do mundo, a história dos Ilha Couto assoma-nos a umha classe meia cosmopolita desde os seus inícios. E também, desde muito novos, atopa-se nesta nova e puxante classe meia umha ambiçom transformadora que excedia o empresarial para abranger o político no sentido mais fondo desta palavra, um projeto vital de serviço público que acadava a sua forma definitiva na constituçom do Estatuto Galego. Mas o ascenso social dos Ilha Couto, a constituiçom nacional da burguesia galega e a normalizaçom do galeguismo foram atravessados pola sublevaçom militar no seu momento fulcral da aprovaçom do Estatuto Galego de 1936. Vidas e projetos vitais foram aniquilados justo no momento da sua plena realizaçom.
Os Ilha Couto, coma outros, sobreviveram à guerra civil e à ditadura graças à sorte, à ajuda de família e amigos, ao ocultamento, e finalmente ao silêncio e à renúncia. Botando mao do seu catolicismo professo, dos seus tratos com a gram burguesia possuidora, à que prestavam ajuda técnica e intelectual, sobreviveram e mesmo no meio do franquismo foram capazes de botar a a andar projetos como a Editorial Galáxia.
O ascenso social dos Ilha Couto, a constituiçom nacional da burguesia galega e a normalizaçom do galeguismo foram atravessados pola sublevaçom militar no seu momento fulcral da aprovaçom do Estatuto Galego de 1936. Vidas e projetos vitais foram aniquilados justo no momento da sua plena realizaçom.
Ao morrer Franco, Xaime Ilha participou junto com outros sobreviventes na fundaçom do Partido Popular Galego –PPG- para representar de novo a burguesia galega, galeguista, nas elecçons de 1977. Canda o PPG reuniram-se nomes de prestígio coma Paz Andrade, Isaac Diaz Pardo, Celso Emílio Ferreiro, Fernandes Albor, Ramom Pinheiro, Zulueta de Haz, etc., um bom feixe de intelectuais, catedráticos, doutores, notários e mesmo advogados do Estado que avaliavam a consistência do projeto político. À assembleia de constituçom do partido acudiram apelidos da burguesia madrilenha, como Ruiz-Giménez ou Gil-Robles, que amossavam reconhecemento do projeto na capital do Estado, e a presença de Pujana do Partido Nacionalista Basco, Cañellas de Unió Democrática de Catalunya e Ruiz Monrabal de Unió Democràtica do País Valencià situavam perfeitamente a posiçom política do PPG: o nacionalismo galego democrático cristao. Porem, as eleiçons baniram o entusiasmo e devolveram-nos à realidade: a burguesia que queriam representar já nom existia na Galiza; o PPG desfijo-se em 1979.
O filósofo Carlos Baliñas Fernández, que participou na fundaçom do PPG, acha ainda hoje que o fracasso nas eleiçons do 1977 ocorreu pola falha de tempo que tiveram para prepará-las e polo privativo uso da televisom do governo de Suárez, que dirigiu os votos cara a UCD. Mas o celeiro de votos que por meio século foi a Galiza para a UCD primeiro, e já logo para os seus sucessores AP e o Partido Popular “de Galicia”, aponta a razons cojunturais mais do que circunstanciais. Porem, tampouco o “secular atraso” social da Galiza e o mantimento das redes caciquis-clientelares som para mim umha resposta satisfatória, pois sem negar o recurso às carretadas de votos e todo tipo de trapalhadas, a hegemonia conservadora da Galiza nom é moi diferente à que topamos na Galiza de Portugal, o País Basco ou a Catalunha, com fundas raízes históricas de feito partilhadas em boa parte do norte peninsular. Abofé, como dixo Marx respeito do sucedido na revolta contra os franceses, também à morte de Franco “o zelo das classes baixas se manifestou na obediência”.
Num feixe de artigos publicados no “New York Daily Tribune” cara 1854, após quase que meio século dos feitos, Marx fazia análise do sistema de juntas populares de 1808 abrolhadas para resistir à invasom francesa. Em toda parte os vizinhos empurravam as classes altas para oporem-se ao invasor francês elegendo como comandantes a nobres e pessoas “de qualidade” da provincia, avaliadas pola Igreja, aqueles que de feito já eram -a dizer de Marx- seus “chefes naturais”. E acho também que à morte de Franco houve um movimento político popularmente empurrado, mas nom revolucionário, do que surgiu o Estado autonómico. Por tanto, e no que atinge a burguesia galega, a questom é por que o povo galego nom achou seus líderes naturais nos nomes históricos do galeguismo como Ilha Couto, e deu o seu voto massivo e constante à direita mais enxerta no próprio Estado espanhol, e ao meu ver a resposta está nuns comentários à margem, como de passada, que o historiador José Luís Pastoriza fiz na sua apresentaçom do epistolário de Ramiro a seu irmao Jaime Ilha Couto. Nalgumha das fotografias que José Luís Pastoriza apresentou dos irmaos Couto destacava, entre os próceres do galeguismo viguês -todos homens-, a senlheira figura feminina de Emilia Docet Rios. E ao salientar o compromisso galeguista dela, foi quando comentou da teimuda oposiçom da família a dar por certo este galeguismo da avoa. Visto em perspetiva, este singular rejeitamento pode parecer surpreendente mas é significativo. Outro personagem das fotografias acompanhando aos irmaos Ilha era Ramom de Valenzuela, tio-avó de Afonso Rueda, ativista de Galicia Bilingüe conhecido por ser hoje presidente da Junta de Galiza. Também para Rueda o avô nacionalista galego é unha referencia incómoda. E este é um sucesso repetido nas linhagens daquela burguesia galeguista. Os herdeiros naturais estam aí, mesmo ocupando posiçons reitoras no país, mas nom só mudaram o seu compromisso galeguista, rejeitam-no frontalmente ao ponto de pretender apagá-lo da História.
No que atinge a burguesia galega, a questom é por que o povo galego nom achou seus líderes naturais nos nomes históricos do galeguismo como Ilha Couto, e deu o seu voto massivo e constante à direita mais enxerta no próprio Estado espanhol
O fracasso do galeguismo burguês teve lugar nas próprias famílias, entre os seus descendentes assimilados do franquismo e foi unha mudança ideológica tanto como sócio-económica. A burguesia pós-franquista pouco tinha já a ver com aquela outra burguesia galega cinquenta anos atrás. Outro comentário à margem de Pastoriza, desta fronte à foto dumha portada da revista “Céltiga”, foi que nengum daqueles editores e escritores era, como ele mesmo, professor universitário. A capacidade criativa daquela burguesia galeguista da primeira metade do século XX refletia o seu carácter empresarial e um médio social marcadamente comercial, industrial, agrarista, civil. Assim, cinquenta anos após atopamos umha burguesia pós-franquista localista, estatizada e fucionária, com uns projetos vitais centrados arredor do serviço ao Estado e à proteçom do Estado, e que via a política como extensom e privilégio da funçom pública em tanto autoridade, já fora sanitária, académica, judicial ou governativa. Ao meu ver, foi esta dupla impostura que apartou ao povo do projeto da PPG. O povo nom deu crédito a um liderado de feito rejeitado polos próprios filhos e netos. Em nimgum caso eram eles os chefes naturais do país, mas nem sequer representavam o mundo burguês saído do franquismo, e seica já nem a eles mesmos. Ao cabo, os promotores do PPG aceitaram a irrealidade do projeto e puseram-lhe fim de contado, acabando os mais deles integrados por essa política institucionalista do PP “de Galicia”, já que nom propriamente galego.
A história política dos últimos 40 anos de autonomismo galego é apenas a história dessa burguesia pós-franquista na que o verniz galeguista se foi esvaecendo num tom culturalista, coma o sépia das fotos velhas, até se converter numha nostálgica estampa da que nom há memória e carece de significado.
Nestes quarenta anos o sistema hegemónico da burguesia autonomista galega virou arredor do Estado pós-franquista e das próprias instituçons criadas no que foi a “abertura” do Esstado franquista, nomeadamente a Junta de Galiza. O Porto de Vigo é um bom exemplo. Desde a sua criaçom, a presidência da Autoridade Portuaria funciona, de facto, coma umha sinecura e plataforma de promoçom política e mesmo coma umha contra-alcaldia da própria Xunta para os seus candidatos ao Concelho da cidade. Mas o paso por estas sinecuras nom só dá visibilidade e voz pública às gerências políticas, também dignifica e qualifica aos candidatos a postos de maior responsabilidade executiva cando o seu grado funcionarial nom é suficiente. Foi o caso de Corina Porro no Porto de Vigo ou o dum Alberto Feijóo colocado como administrador de sucessivas empresas públicas autonómicas e estatais polo seu mentor, o opusino Romay Beccaría, letrado franquista e hoje presidente do Consejo de Estado espanhol. No ronsel da exitosa carreira -já democrática- que levou Beccaría de Santiago a Madrid, e tras acadar a presidência da empresa estatal Correos, Feijóo aterrou de volta na Galiza coa avaliaçom pública de “bom gestor” que o dignificava para a sucessom de Fraga à fronte da Junta. A batalha entre os sectores “da boina”, liderado polo lalinense José Cuinha, e “do birrete”, dirigido desde os sectores populares destacados em Madrid, manifestou também a perda de sentido desses últimos vernizes de culturalismo galeguista na burguesia “de Galicia”, já que nom galega.
O caso de Feijóo amossa bem claro os parâmetros vitais de ordes estratégica e tática nos que se moveu a burguesia autonomista nas últimas décadas: a primeira vêm dada por umha hierarquia –de valores e horizontes- que a subsume como burguesia espanhola “em Galiza”; e a segunda polos jeitos de tramar as relaçons pessoais nos interesses institucionais, mantendo assim a hegemonia da representaçom política. Este tramado de interesses pessoais e institucionais enxerta perfeitamente nos tradicionais tramados familiares e empresariais burgueses, e explica os êxitos táticos do PPdeG para integrar –ou, pola conta, disciplinar- aos “chefes naturais” do país -alcaldes, por exemplo. Quando estes nom saem do próprio tramado político-institucional. A coerência ideológica do sistema emerge do próprio exercício das ordes estratégica e tática, e desviaçons e particularidades som permitidas mentres hierarquias e interesses foram respeitados. Assi as cousas, o sistema demostrou-se tremendamente fiável, porém na minha opiniom a globalizaçom está a pô-lo em causa ao ampliar tanto a jerarquia de valores coma ao dividir os interesses da própria burguesia. E este é o asunto do meu interesse.
Umha das derivas evidentes nas últimas décadas é a especializaçom da burguesia económica e autonómica. Dize-se que desde a última crise e a desapariçom das caixas de aforro, a burguesia do dinheiro e empresarial estám desaparecidas da vida pública e política, e fazer alarde da discreçom semelha estar à moda entre os grandes ricachos da Galiza, blindados de feito à opiniom pública. Na aparência todo está bem; uns ocupam-se de dirigir as instituçons autonómicas e outros de modernizar as empresas e amorear dinheiro, mas há outros sintomas.
Este tramado de interesses pessoais e institucionais enxerta perfeitamente nos tradicionais tramados familiares e empresariais burgueses, e explica os êxitos táticos do PPdeG para integrar –ou, pola conta, disciplinar- aos “chefes naturais” do país -alcaldes, por exemplo.
As patronais galegas levam anos divididas e as asociaçons empresariais de Vigo ou Corunha, como as cámaras de comércio por todas as partes emorecem sem actividade e, de feito, sem utilidade para niguém. A minha impressom é que a burguesia empresarial em Galiza está a sectorizar-se ao tempo que os interesses económicos e vitais dos sectores som cada vez mais divergentes, deixando obsoletas as velhas forma de asociaçom empresarial que as vencelhavam na sua contorna imediata. O processo afeta tanto a gram burguesia como a pequena, que também ocupa nichos específicos nas cadeias de valor que atravessam o planeta, vendendo e comprando em qualquer local do mundo. E ao tempo que esta burguesia empresarial adquire um horizonte global, pom em questom aquele outro horizonte madrileno-espanhol da burguesia autonómica, e o papel de Madrid como intermediário de Bruxelas fai-se cada vez mais irrelevante e insostível no institucional. Os interesses portugueses no corredor atlântico, por exemplo, puxam às instituçons do sul da Galiza e a própria Junta fóra do artelhamento com Madrid. E isto num momento no que as grandes ligas políticas estam a reordenar-se em chave europeia, o que vai puxar também a reconfiguraçom do sistema institucional na Galiza. Os resultados destes processos veremo-los nos vindeiros anos e décadas, mas acho que já merecem ser pensados.