Nas apresentaçons d’O libro negro da lingua galega, Carlos Callón explica que, a pesar das 750 páginas do volume, realmente nom é mais do que uma antologia dos inumeráveis casos de perseguiçom que sofreu o idioma. Impressiona o rigor com que estám tratados cada uma das epígrafes onde se detalham diferentes tipos de violência perpetrada ao longo de quinhentos anos. Também é preciso salientar o alento de justiça que atravessa a pescuda. O autor demonstra a enorme capacidade de resistência e reinvençom do povo galego. O libro negro da lingua galega erige-se como um memorial do que nunca deveu acontecer. Com certeza, um contundente alegado contra o mito da desapariçom natural da língua.
A polémica de Betanços
Numa seguinte ediçom poderia incorporar-se a polémica que suscitou a intervençom de Lugris Freire em Betanços no 6 de outubro de 1907 no comício inaugural de Solidariedade Galega. Este ato constituiu um salto no processo de normalizaçom, pois está considerado o primeiro discurso político em galego. Chama a atençom o primeiro parágrafo:
“Quero-vos falar na língua galega, primeiramente, porque deste jeito me entenderedes melhor, e depois porque um boletim da Corunha, que para escárnio e vergonha do bom sentido leva o nome santo da nossa terra, dixo que se hoje se vos parolava em galego, na fala que aprendemos das nossas maes, na fala querendosa em que vós namorastes as companheiras da vossa vida e dos vossos infortúnios, maes carinhosas dos vossos filhos, enterraria-se no ridículo a propaganda de redençom, de verdadeira liberdade, que alvoreja para esta terra”.
Cal é este “boletim da Corunha” que considera “ridículo” empregar a nossa língua? Com toda probabilidade um jornal chamado Tierra gallega que ataca de maneira obsessiva a militância solidária. No primeiro ano d’A Nossa Terra, aparecem reiteradas referências deste assédio. Por exemplo, Souto Ramos, jornalista de Tierra gallega, tenta desprezar Lugris Freire qualificando-o de “incansable dependiente”, como se exercer este ofício fosse um insulto. Ou com a escusa da publicaçom dum soneto de Cánovas, este mesmo diário galegófobo e de orientaçom republicana desdenha a literatura galega: “Garrulas y amaneradas poesías regionales, de exquisita trivialidad unas, hondamente plebeyas otras, prosaicas las más, inspiradas muy pocas, y todas ellas a modo de estertor más o menos armónico y concertado de una cosa que se va, que se cae, que se pierde, que desaparece…”
Lugris nom fica calado. Ao ano seguinte, após participar na multitudinária homenagem póstuma realizada a Curros no Teatro Circo da Corunha, redige um artigo intitulado “Lamáchegas”. Nesse texto questiona o cinismo da gente que se lembrava agora do grande vate do Rexurdimento, os mesmos: “Que se fartárom de injuriar a fala galega, os que aldrajarom os enxebres chamando-lhes retrógados, os que um dia e outro dia nom tivérom mais que apreciaçons imbéceis para a literatura regional; os mantidos de todas as castas, que até a véspera do célebre esmendrelhante e esmendrelhado mitim nom conheciam um só verso do grande poeta”.
Felizmente, Lugris vai perseverar nesta prática ousada e precursora. Num comício organizado em Carral pola sociedade agrária “O amparo dos pobres”, A Nosa Terra publica a crónica de Pablo de Andrade onde este jornalista reconhece que: “Hubo para mi la novedad de que uno de los solidarios dirigió la palabra en gallego. Fue la primera vez que yo oí una oración en la lengua nativa, y declaro que es un medio excelente para propagar la idea redentora entre nuestra población rural, sobre todo si el orador maneja el gallego con la perfección y soltura con que lo hace el amigo Asieumedre, muy conocido de los lectores de la revista”.
Asieumedre era o pseudónimo mais conhecido de Lugris Freire. Ele foi o primeiro e quem deu o exemplo, depois dele outros solidários também vam empregar o galego na oratória. A imprensa da época recolhe intervençons do corunhês Juan Beltrán ou do ferrolám Rodrigo Sanz. Na comarca de Vigo, Jacinto Crespo, como representante do Directorio Antiforal de Teis, também se caracteriza por arengar no nosso idioma.
No número 1 de Solidarismo gallego: órgano quincenal de la Junta coruñesa de la Solidaridad Gallega de dezembro de 1907, aparece uma reflexom de Lugris: “Podemos afirmar las ventajas de la propaganda oral en lengua gallega, la cual tiene hondas raíces en el corazón de nuestros campesinos y es medio eficaz para despertar en ellos firme convicción”.
Para além de propaganda oral, também vam realizar propaganda escrita e distribuem milhares de cópias do Catecismo solidario (1907). Um breve opúsculo de quinze páginas que principia em galego e conclui com a traduçom ao castelhano. Após a publicaçom deste texto, A Nosa Terra denuncia que um “rotativo” questiona de novo a validez da língua para a transmissom do pensamento emancipador. O porta-voz do supremacismo castelhano ousa afirmar: “La gaita gallega no tiene sones guerreros y sería una estupidez pretender transformar la muiñeira en El segadors”. Porem, o jornal agrarista replica que já a gaita escocesa acompanhou os highlanders em Waterloo e também a galega conduziu ao heroísmo na invassom francesa, daquela ainda tam próxima. Lembremos o “Hino da guerra de indepêndencia composto para o Batalhom de Literários” de 1808. Tanto oral como escrita, a língua incomoda. Para alguns emprega-la sempre é estúpido e ridículo.
Lugris e a redençom da Terra
Este compromisso com o idioma vinha de há muito tempo. Lugris participa na Academia Galega, na Escola Regional de Declamaçom e antes na Liga Galega. Juntamente com Eugénio Carré e Salvador Golpe, fai parte da comissom que redige na nossa língua os estatutos da organizaçom patriótica fundada em 1897. O artigo 3 significa um grande avanço na história da Galiza: “Ainda que a Liga tenha por idioma social o galego, poderá fazer uso nas suas discussons, atas e escritos, indistintamente o galego ou o castelhano”. No fundo, implicava a primeira tentativa real de coerência entre teoria galeguista e praxe idiomática: o galego como língua oficial. A Liga aginha vai reclamar para a Galiza a mesma autonomia política do que Cuba e Porto Rico. Numa conferência pronunciada no Circo de Artesaos da Corunha em 1907, Lugris afirma: “Cuba y Filipinas se han perdido felizmente para España”. Mais uma vez situa-se anos luz dos imperialistas fracassados.
Em novembro de 1898, no banquete em honra ao sacerdote galeguista Francisco Suárez Salgado, os assistentes tomavam o seguinte acordo ao entrarem no salom: “Que o castelhano ficava proscrito e que só se falasse em galego, condiçom que todos aplaudírom”. Entre os comensais estavam Murguía, Pondal, Martínez Salazar, Florencio Vaamonde, Eugénio Carré, Galo Salinas ou Lugris. Com timidez e teimosia, estavam a reverter a dominaçom lingüística.
Entre outras iniciativas, a Liga vai erigir o monumento aos Mártires de Carral. Ali, em abril 1899, na colocaçom da primeira pedra, Lugris partilha a sua inquebrantável conviçom com um discurso no nosso idioma. Para eles, os heróis da Revoluçom Galega de 1846 morreram ao grito: “Nom queremos ser mais que galegos”.
Em 1903 a Escola Regional de Declamaçom representa com grande sucesso A ponte. Lugris, com este drama, inicia a temática social do teatro galego. Aliás, por primeira vez, consegue conectar com o público, apesar dum contexto nada favorável: “Se equivocaron de medio a medio los escépticos tontos que con un mohín de desprecio en los labios y un vacío muy grande en la mollera se sonreían al solo anuncio del estreno de una obra regional”. Assim descreve o crítico de La Voz de Galicia o ambiente prévio à estreia e que contrasta com a boa acolhida duma obra tam valente pola língua e como polo tema.
N’A ponte, Antón encarna o prototipo do militante combativo e anticaciquil. Este personagem explica assim a honesta solidariedade dum fidalgo: “Tam amigo é dos labregos e sempre fala coma nós, porque di que na fala galega ainda nom se figérom falcatruadas, nem se escrevérom as notificaçons de embargos nem se estendérom os recibos das contribuçons”. Castelao retomará esta mesma setença numa estampa do Álbum Nós.
Em 1908 as três correntes do agrarismo (anarquistas, antiforistas e solidários) convergem em Monforte. Sessenta e uma sociedades componesas encetam o ciclo das grandes assembleias agrárias onde se elabora um verdadeiro “programa de governo” que defenderá o movimento nacionalista.
Na primeira delas, assume a presidência José Moreno Belho, pai do futuro Comandante Moreno. Num momento do debate, o libertário corunhês afirma: “Senhores, devo dizer-vos, respondendo ao íntimo do meu pensamento, que ainda que as minhas ideias som mui avançadas, sempre quixem mais a Galiza do que ao resto da humanidade. As primeiras palavras que aprendim da minha mae, fórom nessa fala galega. Nela sei explicar melhor que em castelhano os meus pensamentos: eu som galego e desde agora vou falar-vos na nossa fala”. Segundo relata Galicia: revista semanal ilustrada: “Os aplausos fórom ensurdecedores. Todos postos de pé berrárom ‘Viva Galiza!’ e nos olhos de muitos assembleistas brilhárom as bágoas, filhas duma funda e mal contida emoçom. Desde aquele instante todos se sentírom assovalhados por um grande amor. Todos falárom em galego, todos, os do campo e os da vila, reconhecérom-se galegos”. Esta mesma anedota vai parafraseá-la Rodrigo Sanz sete anos despois numa síntese sobre a história destes congressos publicada no número quatro da revista Estudios Gallegos.
O idioma em que se desenvolvem as assembleias de Monforte também admira ao correspondente de La Voz de Galicia. Nestas jornadas ouviu “expresarse muy castizamente en nuestra lengua a hombres que valen mucho”. Até daquela era uma prática exclusiva de Lugris. Na crónica escrita em castelhano reproduze uma pequena intervençom literal no nosso idioma: “Pido a palavra. Sabedes dabondo meus queridos irmaos…” Eis a palavra “irmao” como uma alvorada de glória. O sentimento de irmandade começa a espalhar-se.