Traduzimos para o galego um fragmento da interessante entrevista que o jornalista Andreu Barnils realizou para o portal catalám com Rafael Poch, e que oferece chaves imprescindíveis para compreender o momento actual da guerra na Ucrânia. Poch foi correspondente na Rússia entre os anos 1988 e 2002, é professor de relaçons internacionais na UNED, e vem de publicar o livro “Ucrania, la guerra que lo cambió todo” (Revista Contexto SL).
Como valora a rebeliom de Prigojin?
Trata-se dumha crise garrafal, fundamental. Que um grupo armado (além disso, privado), em plena guerra, organize umha marcha a Moscova porque o seu amo se considera prejudicado pola manobra que o havia integrar no Ministério de Defesa e inicie umha guerra particular dentro dumha guerra muito delicada, isso é umha catástrofe sem paliativos. Os amigos da Rússia no mundo perguntarám-se: que é esta “república bananeira”? E os inimigos dirám: aproveitaremo-lo para quentar a situaçom ainda mais. Agora som fracos e, portanto, o cenário da mudança do regime é factível.
Mas, ainda que se tratou dumha crise gravíssima, a administraçom da mesma por parte de Putin nom foi má. Porque em pouco mais de 24 horas cambiou umha marcha a Moscova, que ameaçava com ser um banho de sangue, por um acordo. Um acordo curioso, cujos termos nom conhecemos bem, mas que se saldou praticamente sem sangue. Os Wagner derrubárom um helicóptero e um aviom. Quer dizer, que ainda sendo um processo muito negativo, diríamos que se administrou de maneira correcta, boa.
Após a rebeliom, enfraquece Putin?
Tenho mentado aqui o nosso 23-F, no que o Borbom, inspirador da manobra, viu como esta saía mal, mas ao cabo resultou que ele era o salvador da democracia, mesmo estando na origem de aquilo todo. Isto é, as cousas dam muitas reviravoltas.
Como definiria Prigojin?
É um “homem de negócios de sucesso”, entre aspas, que procede do lumpem, com a mentalidade correspondente. E do ponto de vista da razom de Estado russa, esta rebeliom é umha traiçom claríssima. Ele é todo isso a um tempo. E um homem inteligente que salvou o seu negócio.
(…)
Ajude-me a intepretar o peso real que tinha a milícia Wagner. Qual era exactamente?
Eu acho que na batalha de Bakhmut, quando se quebrou a segunda linha de defesa da Ucrânia, foram efectivos e importantes, pugérom muitos mortos, muita carne na grelha. Mas foram efectivos. Para Putin, Wagner era muito interessante, desde que permite que, em troca de chamar aos moços russos ao alistamento, utilizar a uns homens que cobram umha fortuna, ou que saem da prisom recebendo dinheiro e perdom. E se esta gente morre nom é tam grave socialmente. Putin administra isto, do seu ponto de vista, com habilidade. Eis o papel de Wagner. Militarmente, se som bons ou nom tanto? Isso nom o sei. Nom sei se som melhores do que a infantaria da marinha. Nom tenho nem ideia.
Prigojin fijo umhas críticas brutais sobre os erros militares dos russos, ou dizendo que o motivo da guerra nom era a expansom da OTAN, com diz Putin.
Impressionante. Isso fai parte do descalabro russo. For verdade ou nom, o que diz Prigojin fulmina-o tudo. Todos os piares da argumentaçom russa que justifica a sua guerra. Todos, um trás de outro. Um Estado nom pode chegar à situaçom em que um líder militar diz isso em plena guerra, é incrível, inadmissível. É prova da grande metedura de zoca de Putin. Também há um problema com Kadírov, que qualquer dia lhe pode virar em contra. Eis umha cita de Maquiavelo n’O Príncipe”, de 1532: “o príncipe, este príncipe cujo poder depende de tropas mercenárias, nunca vai estar tranquilo. Estas tropas som, por definiçom, desunidas, ambiciosas, sem disciplina, infiéis e inseguras.” Putin fijo esta aposta. Semelha que a corrigiu agora. Nacionaliza estas empresas de mercenários. Dito isto, quero recordar umha cifra: na guerra do Iraque havia 100.000 mercenários americanos, que até mesmo vigilavam a embaixada americana em Bagdad. E algumhas vezes houvo tiroteios entre eles e os soldados, tinham-se umha mania bestial. Pois bem, isto que passou na Rússia é muito mais que aquilo. E se se compara com a revolta com os cornos de búfalo (o ataque ao Congresso dos USA) fai rir.
Os USA, logo depois do incidente, retirárom as acusaçons sobre Prigojin. Lá acusam-no de ter estado por trás das campanhas de desestabilizaçom das eleiçons americanas. Porque fam este gesto?
É lógico. Os inimigos dos meus enemigos som os meus amigos. Nom há mistério nenhum. Fixérom isso mesmo com Bin Laden.
Conclusons erradas. Diz você que Ocidente pode tirar conclusons erradas deste incidente. Quais som?
Que a mudança de regime na Rússia é umha causa que lhes dá a razom. Que o regime é fraco, e portanto temos que pressionar um bocado mais para excitar este tipo de contradiçons. Isso é umha tolaria.
Por que?
Porque a Rússia é umha potência nuclear. E nom se pode jogar a desestabilizar potências nucleares. Nem a Rússia, nem a Índia, nem o Paquistám, nem Israel. É muito perigoso. O factor nuclear deve de estar no centro de qualquer reflexom política. E segundo, porque o resultado dumha desestabilizaçom deste tipo é incerto. Na Rússia há muita gente pior do que Putin, embora Ocidente representara Putin como o máximo mal possível. Mas antes disso todo, existe o plantejamento doentio desta guerra, o principal erro. Durante a guerra fria havia o consenso de que nom se podia provocar ao adversário dentro da sua zona de influência. Isso remata em 1992, com a doutrina dos neocons, de Wolfowitz. O que temos agora é o resultado deste objectivo louco dos USA: tentar provocar e submeter umha superpotência nuclear. E fazê-lo numha regiom estrategicamente importante, e com o procedimento de armar e dirigir contra ela um terceiro país. Isso fijo-se nos últimos trinta anos. Os documentos dos USA reflectem-no. O mais recente, o da Rand Corporation, do ano 2019. Chama-se Overextending and Unbalancing Russia” (pdf).
Durante a guerra fria havia o consenso de que nom se podia provocar ao adversário dentro da sua zona de influência. Isso remata em 1992, com a doutrina dos neocons, de Wolfowitz.
Desestabilizar a Rússia na sua zona de influência mais vital. Isso nom tem nada a ver com o direito internacional, senom com a dialéctica das potências nucleares. Temos umha geraçom de neocons parvos de todo em Washington. Falo de Nuland, de Sullivan e de Blinken (no caso de Blinken, tem um nível de bolseiro), que esqueceram isto todo e vivem na constelaçom do documento de Wolfowitz, do ano 1992. E os europeus estám na zona da inópia.
Argumente-me do perigo nuclear. Por que é um erro a ideia de Ocidente de que a ameaça nuclear dos russos nom tem nem pés nem cabeça, e que nom há perigo?
Porque os protagonistas o afirmam. Há mais dum ano, o boletim dos cientistas atómicos, que é umha publicaçom criada no 1947 por Albert Einstein, que agrupa gente muito respeitável, fijo um inquérito entre políticos e militares americanos sobre se este conflito na Ucraína implicava um risco de enfrentamento nuclear. Esta gente, se nom recordo mal, num 70% levava em conta a sério esta possibilidade. Também cumpre lembrar as consideraçons de Biden e Putin neste ámbito. Biden, em março do ano passado, dixo que nom se podia fornecer de avions nem de tanques à Ucrânia, porque isso era, literalmente, a Terceira Guerra Mundial. Pois agora entregam-se tanques e avions, cometem-se atentados pessoais em Moscova, pequenos atentados contra o Kremlin, umha invasom da regiom russa de Belgorod… e nom nos enganemos, esta guerra que lançou a Rússia apresentou-se como umha barbaridade absoluta. É-o, si, mas ainda poderia ser bem pior. Poderia ser umha guerra como a do Iraque, com milheiros de mísseis que arrassem toda umha cidade nas primeiras horas. E se isso nom se fijo nom é por falta de capacidade, senom porque, no que a Ucrânia diz respeito, em Rússia vê-se como umha liorta entre parentes. A Rússia nom quer destruir a Ucrânia (ainda que o fai), senom que quer umha guerra de baixa intensidade. Ocidente quer provocar e que passe a ser umha guerra mais forte. (…)
Biden, em março do ano passado, dixo que nom se podia fornecer de avions nem de tanques à Ucrânia, porque isso era, literalmente, a Terceira Guerra Mundial. Pois agora entregam-se tanques e avions, cometem-se atentados pessoais em Moscova, pequenos atentados contra o Kremlin, umha invasom da regiom russa de Belgorod…
Há umha cousa que diz o coronel suíço Jacques Baud, muito bem focada: do jeito em que se compreende um conflito, desprende-se a sua soluçom. E na Europa nom se percebe a tripla dimensom desta guerra. Nom se percebe, e portanto estamos condenados a umha má soluçom. Em troca da tripla causa da guerra temos a narrativa de que se trata do capricho dum dirigente autocrático russo, um tolo, o mal absoluto. E assi nom imos a nengures.
Os russos, a elite russa, tinha nos anos noventa a ilusom de ser considerada em pé de igualdade com os seus companheiros ocidentais para fazer a rapina de recursos que caracteriza o capitalismo. Os ocidentais deixárom claro que os russos apenas podiam ser uns subalternos em esta operaçom. Poderiam ser umha burguesia compradora intermediária e é fornecedora de matéria prima. Nom mais do que isso. E isso nom é a ambiçom nacional da elite russa. Eles nom querem ser a gasolineira de Ocidente, senom um primus inter pares. Tratados de igual a igual na mesa dos grandes delinquentes.
Explique a tripla dimensom, por favor.
Primeiro temos a estratégia dos USA na Europa, com a sua reiterada ignoráncia e rejeiçom aos interesses russos. De partida pretendeu-se fazer umha segurança europeia sem a Rússia, e depois contra a Rússia. A última etapa disto é o ingresso da Ucrânia na OTAN, independentemente de Kíiv fazer parte da aliança. O alvo desta estratégia é empecer a integraçom eurasiática (animada pola China com participaçom da Rússia), que deixaria os USA fora da massa continental europeia. A segunda dimensom é a negativa da Rússia a aceitá-lo. Por que dim que nom? Porque eles, os russos, a elite russa, tinha nos anos noventa a ilusom de ser considerada em pé de igualdade com os seus companheiros ocidentais para fazer a rapina de recursos que caracteriza o capitalismo. Os ocidentais deixárom claro que os russos apenas podiam ser uns subalternos em esta operaçom. Poderiam ser umha burguesia compradora intermediária e é fornecedora de matéria prima. Nom mais do que isso. E isso nom é a ambiçom nacional da elite russa. Eles nom querem ser a gasolineira de Ocidente, senom um primus inter pares. Tratados de igual a igual na mesa dos grandes delinquentes.
E a terceira dimensom?
O nom reconhecimento por parte do governo de Kíiv no inverno de 2014 (que saiu da revolta e golpe de Estado, que tinha elementos de ambas as cousas) da diversidade identitária interna dos ucranianos nas suas regions. E o nom reconhecimento provocou revoltas civis e armadas no sul e leste do país. E a anexom russa da Crimea. Se isso todo, a invasom russa do 2022 teria sido difícil, se nom impossível. As três causas relacionam-se, cumpre observá-las e cumpre compreendê-las. Do modo em que percebamos isto todo, desprenderá-se a soluçom. Desde que Ocidente nom reconhece isto tudo, temos umha saída bem complicada.
Esta guerra é horrível. Deixa umha geraçom de fanados, de viúvas, de ressentimento e um ódio horroroso. Nom tem justificaçom nenhumha. É do ponto de vista da humanidade, agora enfrentada ao risco do aquecimento global, umha perda de tempo. É umha guerra absurda, e responsabilidade de todos. Eu defendo, e estou em minoria, que a principal responsabilidade é ocidental. Num 70%. Mas existe um 30% de responsabilidade dos russos e da elite ucraniana
Quais som os efeitos da revolta de Prigojin na guerra?
A primeira cousa que fijo Putin quando começou a revolta foi chamar a todos e cada um dos líderes militares da frente de guerra. Um por um. E di-lhe: aconteça o que acontecer, nom afrouxeis nem vos distraiades. Isto vou-no arranjar eu. E funcionou. Nom houvo nenhum avanço ucraniano. Que acontece na guerra? Muito claro. A Ucrânia perde a guerra. A contraofensiva nom funciona. Nom há nada mais incerto que umha guerra. As cousas podem dar voltas. Na nossa primeira entrevista dixem que a invasom russa da Ucrânia era impensável. Quero dizer que nos enganamos todos. Mas os dados que temos na mesa dizem que a contraofensiva, em inferioridade numérica, sem aviaçom, e com umha inferioridade flagrante em artilharia, está fadada ao fracasso. Os russos tenhem três linhas defensivas fortificadas. Diante disso, campos minados. Os ucranianos avançaram umhas quantas milhas, si, sobre corpos de soldados, mortos nos campos de minas. Estám-se a queimar. A estratégia militar russa é desgastar esta energia ucraniana. Acho, e é umha hipótese, que isto que vimos com Prigojin, veremo-lo na Ucrânia. Quando membros do exército ucraniano comecem a dizer: isto nom funciona, que acontece, senhor presidente Zelensky? Aqui morremos como coelhos…que vai acontecer com os generais? O general Valeri Zalujni nom estava dacordo com a defesa a ultrança de Bakhmut. E agora desapareceu da cena. A guerra perde-a a Ucrânia, cumpre chegar a um acordo, mas o que acontece é que Zelenski nom pode ser o protagonista. Dirám-lhe: se renunciamos a isto, a aquilo, por que morreram centos de milhares de ucranianos? Esta guerra é horrível. Deixa umha geraçom de fanados, de viúvas, de ressentimento e um ódio horroroso. Nom tem justificaçom nenhumha. É do ponto de vista da humanidade, agora enfrentada ao risco do aquecimento global, umha perda de tempo. É umha guerra absurda, e responsabilidade de todos. Eu defendo, e estou em minoria, que a principal responsabilidade é ocidental. Num 70%. Mas existe um 30% de responsabilidade dos russos e da elite ucraniana, por nom reconhecer a sua pluralidade interna.
* Traduçom do Galiza Livre. Podes ler a entrevista completa publicada em Vilaweb em versom original aqui.