Numha longa conversa com este portal, um representante do CPIG analisa polo miúdo a trajectória histórica das presas e presos independentistas galegos em cadeias espanholas, agora que se cumprem duas décadas desde que umha representaçom galega participara no País Basco na chamada “Conferência Internacional arredor da repressão e os/as repressaliados/as políticos/as”. As vicissitudes daquele encontro, que estabelecera o 17 de abril como Dia Internacional do Preso/a Político, som a primeira parte desta entrevista, que também aborda a evoluçom da repressom dentro e fora das prisons, as relaçons com as presas e presos sociais, ou a nova dinámica do CPIG.

A quase duas décadas daquele histórico encontro de ex-prisioneiros e retaliadas em Donosti, que nos podes dizer do evento, ao que tu particularmente assistiche, como militante na rua que já tivera umha experiência na prisom?

Em Abril de 2004, Ceivar foi convidado à Conferência Internacional arredor da repressão e os/as repressaliados/as políticos/as organizando em Donosti desde o âmbito político da esquerda abertzale pelo movimento anti-repressivo e de solidariedade com os/as presos/as políticos/as.

A este Congresso foram convidadas e assistiram organizações e pessoas de cinco continentes implicados/as na luita anti-repressiva, na assistência, apoio e solidariedade com os/as presos/as políticos/as e um bom número de ex-presos/as políticos/as de numerosos países de todo o mundo. Nessa fim de semana de Abril convivimos galegos/as, catalães, bascos/as, corsos, bretões, irlandeses… ,

A delegação de Ceivar estava composta por três pessoas: João Peres, como representante do organismo anti-repressivo e Arias Curto e Garcia Matos em qualidade de ex-presos políticos independentistas.

O primeiro que gostaría de destacar foi o enorme esforço dos/as organizadores/as para levar a bom termo um Congresso destas características, com tantas pessoas implicadas de tantos países. O nível organizativo foi ótimo, um exemplo de bom fazer.

Qual foi a dinámica interna do encontro?

Com o objetivo de incentivar o debate e o intercâmbio de ideias e experiências estabeleceram-se várias comissões de trabalho, cada uma adicada a uma temática concreta. Todos/as os/as assistentes deviam estar adscritos/as a alguma comissão de trabalho. Os debates em cada comissão levavam-se a cabo co serviço de tradução simultâneo, o que permitiu uma ágil comunicação entre pessoas de distintos países com idiomas diferentes.

Cada comissão de trabalho elaborou um pequeno resumo-conclusão dos debates havidos em cada uma, e todas essas propostas da resolução passaram o último dia a um pleno onde foram lidas ante todos/as os/as assistentes ao Congresso, abrindo-se um último debate plenário sobre todos os temas abordados ao longo do encontro. O Congresso rematou com a leitura de umas conclusões finais.

Os temas giraram arredor das situações de repressão política exercida pelos estados em diferentes contextos políticos, sociais e culturais, sobre as estratégias político-represivas, as experiências militantes ante a tortura, o exílio e o cárcere, os processos de negociação e resolução de conflitos… etc.

Que recordas do encontro na sua dimensom mais humana?

Mais relevante ainda foi o poder partilhar, durante vários dias, experiências e vicissitudes humanas, conhecer e achegar-nos a conflitos muito diversos da mão dos seus protagonistas directos, sem intermediários nem distorsões. Ali estava um ativista tamil, um dos veteranos ex-presos da Fracção do Exército Vermelho alemão ou uma ativista norte-americana que nos fez ver a todos/as que Norteamérica era algo mais que MacDonalds, o Pentágono e obesos descerebrados. Saharauis, chilenos, corsos, sudafricanos, irlandeses, bretões… aproximaram-nos os seus cenários de luita e repressão. Da mão dos irlandeses conhecemos a enorme importância que eles lhes davam à assistência aos prisioneiros do IRA quando saíam do cárcere trás o processo de paz em Irlanda do Norte, porque possivelmente um dos momentos mais críticos para um/a prisioneiro/a político/a é a saída do cárcere trás longas condenas de prisão. Neste quebra-mar rompem muitas das ondas de um mar de fundo invisível cheio de sentimentos encontrados, espectativas de todo tipo, contas pendentes, futuro incerto, novas realidades… que necessitam de comunidades pacientes e acolhedoras.

Como colofão daquele Congresso e da mão de um povo exemplar, combativo e internacionalista, aprovou-se uma resolução final e acordou-se instaurar em nome da liberdade da terra e dos Povos o 17 de Abril como Dia Internacional dos/as Presos/as Políticos/as.

Tem-se dado o caso, na já longa história de luita política dentro das prisons do Estado espanhol, dumha coordenaçom de presos e presas de distintas naçons e organizaçons?

Nos cárceres espanhóis nunca se deu uma organização a nível de Estado entre os distintos coletivos de presos/as políticos/as, muito menos ainda a nível europeu. Houve coordenações e plantejamentos conjuntos de luita em cárceres concretos como resposta a problemáticas de repressão concretas ou em torno a reinvindicações específicas.

Por exemplo, a finais de 1988, em Alcalá-Meco os presos/as do EGPGC somárom-se a uma campanha de luita dos presos de ETA, participando com eles num “plante” coletivo (e o posterior isolamento em celas), mas com uma tábua reivindicativa própria. Nos anos de dispersão em muitos cárceres, ali onde tenhem coincidido presos políticos de diferentes organizações tenhem-se levado a cabo protestas conjuntas, mas quase sempre relativamente restringidas a situações concretas.

O habitual foi que cada coletivo de presos políticos estabelecesse a sua própria dinámica nos cárceres em função dos parámetros político-ideológicos do movimento mais amplo do que formam parte, das diretrizes das suas próprias organizações armadas, da posição de força do seu movimento político em relação ao Estado, da capacidade de pressão nos cárceres e de questões mais subtis de tipo ideológico relativo ao próprio fenómeno carcerário em si mesmo.

É certo que o sistema carcerário tem posto por acima da mesa problemas e desafios comuns a todos os prisioneiros políticos, mas as estratégias de cada coletivo acabaram impondo-se quase sempre sobre considerações exclusivas do âmbito penitenciário. Dois exemplos muito conhecidos. Nos anos 90 era obrigatório fazer os recontos de pé no fundo da cela, se nom te dobravas a esta lei marcial eras sancionado, quando não castigado fisicamente. Cada coletivo de prisioneiros abordou-no ao seu jeito, mesmo dentro de cada coletivo as vezes diferiam as respostas que se davam em cada cárcere, atendendo à rigorosidade ou laxitude com que cada prisão implementava medidas disciplinarias.

Que nos podes dizer do começo da dinámica da dispersom penitenciária, que viveche como militante galego preso na altura?

A medidos de 1989 o estado instaurou a política de dispersão de presos políticos da mão daquele Ministro de Justiça Enrique Mujica (1988-1991), que foi ademais um claro defensor das penas de prisão para os insubmissos. Esta medida afetou mais ou menos por igual a presos de ETA, dos GRAPO, do EGPGC (e posteriormente aos da resistência galega) e de Terra Lliure. Cada coletivo pelejou contra esta medida repressiva em função das suas próprias necessidades, capacidades e estratégias politico-militares. Os presos dos GRAPO e PC(R) acabaram por iniciar uma duríssima greve de fome para reivindicar o reagrupamento de todo o coletivo num mesmo cárcere. Finalmente nom o conseguiram. Os presos bascos levaram a cabo diferentes medidas de luita, acabando por priorizar que polo menos em cada cárcere ou modulo nunca houvesse um preso basco sem um companheiro. Fora-no conseguindo em muitos cárceres.

Os presos de EG conseguiram o seu reagrupamento num mesmo módulo de Alcalá-Meco, depois de três jornadas dispersados por distintos módulos deste centro, desobedecendo as normas de regime interno e submetidos a diversos tipos de agresons. Conseguiram manter a reagrupação durante algo mais de dois anos. Alguns presos de Terra Lliure (na altura divididos) abriram um processo de negociação com o Estado, com ERC de intermediário e todos os seus presos acabaram sendo levados a cárceres da Catalunya ao ser-lhes transferidas a esta comunidade autónoma as competências penitenciárias já desde 1984.

O sistema carcerário é todo um universo em que as medidas repressivas não sempre se modulam do mesmo jeito nem com a mesma intensidade. Cada centro penitenciário é um pequeno ecossistema que acaba estabelecendo dinámicas relativamente próprias, que afectam a vida no seu interior de diferentes maneiras. É mais asequível incidir e reorientar a política repressiva numa prisão que mudar todo o aparelho repressivo do estado, que só é possível através dum processo revolucionário abrangente. Por esta razão, o cárcere como unidade básica de gestão do sistema repressivo acabou impondo-se quase sempre como o “marco” de abordagem das dinámicas internas dos coletivos de presos e baixo este marco sim se tenhem dado frutíferas conjunções de forças entre presos políticos pertencentes a diferentes coletivos.