Escutávamos violência ao pé das casas.
Também na própria, conhecemos a violência. Como algo intrínseco a nós, mamamos dela também na escola de primária, com aquele quarto escuro que eu nunca pisei em demasia, mas si algum amigo meu da infáncia passava mais tempo ali que na própria aula.
Conhecemos a violência também na escola da vila, quando petavam as nossas cabeças umhas contra outras por burlar-nos um pouco do professor. Apenas eu ai levei. Ao contrário, o profe agarrara a minha mao umha vez para dar umha boa hóstia ao companheiro que tinha ao lado.
Os nossos pais foram alcoólicos boa parte deles. Bateram nas nossas maes, como mínimo, e bateram em nós também em maior ou menor medida. Nós rematáramos por rebotar-nos. Medramos, como bons jovens, rebotando-nos. Alguns, voltando a falar um idioma que nom nos era falado.
A guarda civil petava na porta das nossas casas, mas nom pola violência contra as nossas maes, que era praticamente ignorada. Petava para ameaçar e para meter medo ante umha incipiente militáncia juvenil, ou ante atos de rebeldia desorganizada. Sabíamos que os nossos pais medraram no franquismo e que coincidiam cos guardas civis nessas tabernas de homens com calendários do Real Madrid e mulheres despidas.
No rural “Dios castigava sem pao e sem pedra”, mentres na cidade as drogas várias eram a nova religiom que nos aguardava.
Levávamos violência nas veias, e mediante a violência resolvíamos os conflitos. Pelejas com punhos e pedras entre nós, educaçom sexual castrante ou rapinhante. Éramos, em parte, carne de canhom.
Livramo-nos da mili polos pelos, quando já a ideia de insubmissom rondava polas nossas adolescentes cabecinhas. Ademais da violência política do Estado, conhecemos a violência política nas manifestaçons contra a LOU, e contra a Guerra no Iraque, como umha forma de contrapoder e expresom que pensávamos nos libertaria. A violência de Euskadi Eta Askatasuna como algo lonjano que entendíamos em parte. Nada era simples, todo pode ser manipulado, e o poder jogaria sempre com qualquer expressom de dissidência. Liamos bastante.
Vivemos a repressom, em maior ou menor medida, quem continuamos polo caminho da militáncia. Vivemos as noites em cabouços cheios de merda, em celas cheias de merda, cantamos a coro La polla Records em furgons quando nos detinham coletivamente por okupaçons como as da Sala Iago. Vimos como muitas das cousas que defendíamos, como certos direitos sociais ou a crítica à turistificaçom que ninguém secundava eram incorporados nos princípios da política formal, na que algum pijo que conhecemos na sua êpoca universitária rematou. Todo aquilo e mais, e ainda nascêramos arredor do ano 1984.
No trabalho, sempre assumimos umha forte parte de violência intrínseca a ele. Nom aguardávamos outra cousa, como bons simpatizantes do marxismo. Nom se palpava por nenhures aquele sonho de viver do que gosto, trabalhar a gosto. Trabalho era tajo, curro, apandar, baixar o lombo, ponher copas a eito, carretar cemento, colher esterco, apanhar nas patacas. É e segue sendo o que havia, salvo quem pilhou cacho. Sabíamos que o desemprego era também umha forma de violência.
Sem embargo, a violência ambiental era algo que sabíamos, mas nom palpávamos a mudança climática. A violência sobre as nossas identidades sexuais ou de género nom existia, porque nom nos comíamos a olha sobre isso. A violência machista e capacitista que exercemos os que somos vistos como homens, era maior do que imaginávamos visto em perspectiva. Nom fazia falta pisar o cárcere, como nos tocou a algumhes. Inevitavelmente éramos e somos produto de distintos tipos de violência.