Recebo a carta dum amigo da minha aldeia. Ele está emigrado em Francia. É um dos 80.000 jovens que abandonou o país desde 2008. Diz-me ele: “ti preso longe da terra, eu emigrado, os dous temos um pequeno ponto em comum: compartimos essa espera, de passar a porta da casa, da lareira…” Prossegue, dando-me fôlegos: “eu fecho os olhos e tento imaginar-me que caminho polo monte do Picom, que meto os pés no rio e que está tam frio coma sempre, ou a erva na carvalheira do Constante, porque a imaginaçom é mui grande e ninguém a pode proibir.
Outro amigo, antigo companheiro de trabalho, afincando na Terra ele, envia-me junto coas suas saudaçons umha esperpêntica cópia da sua petiçom de admisom num programa de bacharelato. Apresentada esta, fora de praço, numha folha de caderno escrita a mao e cheia de gralhas. Diz, literalmente: “cumpridos os 25 anos de idade, proveniente dumha família totalmente desestruturada, cum trabalho sem absolutamente nenhuma possibilidade de futuro nem realizaçom pessoal, atopando-me num estado de desesperaçom e no que os expertos qualificam de exclusom social solicito…”
Ambos dirigem-se a mim, num gesto de solidariedade e apoio mútuo, mas eu penso que falam também para si, reflexivamente, buscando em si mesmos um caminho e umha resposta.
Como este pequeno artigo, essas cartas contenhem dentro de si muitas perguntas e o mesmo berro-ouveio de Irmandade e Força. Pois emigrado, precarizado e preso, os três compartimos a mesma arela: viver dignos e livres na nossa Terra.
Ao cair a tarde
a águia sobrevoa este céu
e deixa trás de sim umha ferida
é a través dela que nos miramos aos olhos
as irmás
e soam umhas guitarras eléctricas coma lóstregos:
“Que chegue a hora da fúria,
a ira pode ser poder
Sabias que podes utilizá-lo?”
The Clash
“Quando me perguntam pola minha identidade nas esquinas eu abro e mostro-lhes a minha ferida”
Higri Izgqren