Por primeira vez desde que existem registros, parte do sul da Europa poderia alcançar os 40º em pleno mês da abril; Galiza, como é costumeiro, receberá umha influência relativamente suavizada da ‘língua de fogo’ que sobe da África, mas a situaçom é igualmente preocupante e pom em risco a produçom de alimentos. A vaga de calor, que apontoa a situaçom de seca em muitas comarcas do País, leva aos produtores e produtoras a pedir medidas governamentais, e aos sectores mais conscientes a ensaiar novos modelos agrários.
Segundo Juan Taboada, climatólogo galego que divulga as suas análises na imprensa empresarial, a Galiza já vive de cheio numha nova realidade meteorológica, como o conjunto do hemisfério norte. A chamada corrente em chorro deixou de se mover de oeste a leste, e passou a deslocar-se de norte a sul e de sul a norte, como consequência da menor diferença de temperatura entre o Equador e o Polo Norte.
Ainda que o fenómeno poderia semelhar umha curiosidade para cientistas, o conjunto da populaçom estamos a viver umha nova realidade que vai atingir todos e cada um dos aspectos da nossa existência: o consumo de alimentos, os deslocamentos, os preços, a saúde, e mesmo a organizaçom do lazer, pois os velhos parámetros climáticos esvaem.
O novo patrom vem a gerar um tempo extremo que, entre outras cousas, fai mais forte a influência do conhecido anticiclom das Açores, que aumenta a frequência das secas. E se bem ocasionalmente desce ar do norte que provoca efémeras nevaradas imprevistas, mais frequente é a ascensom de massas quentíssimas de ar africano, como a que nos visita esta semana. Ourense, a capital do calor na Galiza, superará os 30 graos muito possivelmente, e o conjunto do território galego andará em temperaturas próprias de agosto.
Gadeiros e labregas, na corda bamba
Quanto menos desde 2012, a Galiza enfrenta periodicamente jeiras de seca prolongada que ponhem na corda bamba o já golpeado sector agrário; já em 2017, o Sindicato Labrego Galego lançara umha iniciativa para exigir a implicaçom da Junta neste novo cenário de risco, e denunciar as medidas da Junta como “insuficientes e decepcionantes”, segundo recolhia a publicaçom Campo Galego. Isabel Vilalba, dirigente do sindicato, apontara já na altura a necessidade de “planos de choque reais” numha nova realidade em que as secas se podem prolongar por cinco, seis ou mais meses, fenómeno inaudito na Galiza. Vilalba apontara que as medidas da Junta evitavam ir à raiz do problema, pois, enquanto financiavam bebedoiros, negavam-se a organizar “as necessárias captaçons de água”. O SLG pedira também a exençom de quotizaçons à Segurança Social dos sectores mais atingidos pola seca, nomeadamente nas comarcas ourensás.
De agosto a abril, ameaça
Se bem as chuvas invernais provocárom um certo alívio nas barragens e nos prados, gadeiras e gadeiros estám a pensar já num cenário como o de agosto de 2022, ponto álgido da passada seca estival. Há escassos meses, muitos proprietários de exploraçons, nomeadamente no sul, renunciárom a levar as vacas ao pasto e tivérom que conseguir forragens extra, o que aumentou ainda os gastos em tempos de inflaçom.
O mundo rural galego é sem dúvida o sector da nossa sociedade mais ciente do problema que paira sobre todas as nossas cabeças, e é sabedor duns riscos que o mundo urbano, mormente, desconsidera, dada a sua confiança no fornecimento de alimentos baratos e cultivados a milheiros de quilômetros. É por isso que, a carom das reinvidicaçons aos governos, aparece também a questom das boas práticas.
Boas práticas
Na web Campo Galego, o especialista Xoán Pouliquen sublinhava que afrontar esta situaçom extrema passa por “boas práticas de pastoreio. Um pasto com um manejo adequado pode aturar entre 15 dias e 3 semanas mais”.
Os gadeiros e gadeiras mais conscientes pensam já em medidas como fraccionar o pasto, controlar a entrada de animais, ou regenerar os terrenos”. Pouliquén também aponta que a Galiza deve pensar já em incorporar espécies erváceas diversificadas, e apropriadas a situaçons de estrês hídrico.
Na mesma linha inovadora, recuperando velhos elementos que se provárom funcionais, se pronunciava a gadeira e colaboradora deste portal, Maria Osório. Nas suas redes sociais, tem reflectido sobre a necessidade de recuperar antigos sistemas de rego tradicionais, que a industrializaçom agrária deixou em desuso. A relativamente recente memória de outros usos, enquadrados numha visom mais prudente e autossuficiente, permitiria, segundo Osório, enfrentar esta tarefa, que as secas fam urgente.
Novos paradigmas no sector hortícola
Nom apenas a Galiza das pradeiras e da produçom cárnica e leiteira vive com desacougo o que está a acontecer. Também o sector da horta, for dedicado ao comércio ou à autossubsistência, está a enfrentar a sua reformulaçom. Num país em que boa parte da populaçom é ainda hoje proprietária de parcelas, as pequenas produtoras perguntam-se se vai ser possível manter a produçom. Ausência de água nos meses antano húmidos, vagas de calor a destempo e giadas serôdias som evidências já que constringem ao máximo a produçom galega.
Nas coordenadas do clássico clima temperao (o que conhecíamos tipicamente como atlántico-mediterráneo, no que se incluía a Galiza), o especialista em agroecologia Markos Gamboa, assessor de muitos pequenos projetos na Península e na Europa, chamava a atençom sobre a urgência das medidas a tomar, que passam mais, ao seu juízo, pola acçom colectiva que polo chamado aos governos. Neste fio didáctico da sua conta de twitter explicava alguns traços da nova situaçom, e dava chaves para adaptar-se a ela de modo criativo.