-”Chove caralho chove”!
-”Chove na casa do pobre” – resposta umha senhora.
Chove, si. E sabemos que a precariedade, em sociedades como as que se atopam no continente europeu, nom atinge somente ao plano material. De feito, o material empanha ou serve de detonante muitas vezes para que outras precariedades, como a afetiva ou a da saúde mental, saltem e tomem a primeira linha nas nossas vidas. Sem deixar-nos levar por um relativismo que separe questons como poder, meios de produçom e consumo da precariedade existencial, sim é certo às vezes que entre os elementos que configuram a disposiçom para a felicidade do ser humano e de grupos humanos inteiros, o material pode ocupar um lugar mais ou menos secundário. Por exemplo, com o valor em alça dum tipo de moeda ou de bilhete, o uso desta pode ter força para controlar os atos humanos mais que qualquer património centenário, e ao esta desvaliar-se, tornar-se umha situaçom bem distinta. O mesmo acontece à contrária, com inumeráveis exemplos históricos que tenhem que ver com a religiom, os ritos, ou a política nos que, nom somente se transcendeu o dinheiro como valor de cámbio se nom mesmo a propriedade ou o valor da “vida individual” mesma.
Que chove, e que há humidade em qualquer piso dumha cidade galega, é umha obviedade. Se um tratasse de alugar um quarto para viver, veria que as manchas ocupariam grande parte da sua parede. A renda a gastar mensalmente nom baixaria, com muita sorte, dos 200 euros mensais (faturas aparte). Fora do quarto, tocaria conviver, por exemplo, com pessoas trabalhando online no salom, em habitáculos minúsculos, escuitando o ruido das vizinhas todo o tempo, ou convivendo com outras 4, 5 ou 6 pessoas em espaços de apenas 70 metros quadrados.
Que chove, e que para chegar à aldeia sem ter um carro próprio, chove por riba de qualquer pessoa que nom porte um guarda-chuvas, é também umha obviedade. Ainda portando guarda-chuvas, há chover igual por riba, porque o vento nom ajuda a que a água nom cale nos osos. Que o carro individual é antiecológico é tam certo como a percentagem de pessoas pobres que nom tenhem carro porque nom o podem manter. De igual maneira que é mais fácil chegar a Madrid em transporte público (chovendo) que a centos de pontos do nosso país, topando-nos na parte que nos topemos dele.
Mas quando chove, também há algo que nos fai espavilar. Que nos chova por riba fai-nos também conscientes do que acontece ao nosso corpo, de que a natureza forma parte do que somos; lembra-nos também umha parte de prudéncia e umha parte de valentia necessárias para o dia a dia, e nom impediu nunca, no nosso País, tomar as ruas e enché-las de lume.