“Éramos, somos e seguiremos a ser povo”. Dessa convicçom e dessa vontade nascia em 2003 o CS A Revolta, que abria as portas do seu primeiro local na rua Real do Casco Velho viguês um 4 de março. Celebram agora, pois, o XX Aniversário de um dos centros sociais mais veteranos do país e do Galiza Livre aproveitamos a ocasiom para falarmos com Júlio Saiáns e Diego Santim, dous militantes do centro social em diferentes momentos do mesmo, sobre o caminho percorrido pola Revolta nestas duas décadas de história e sobre o presente e o futuro do projeto.

Começamos falando dos inícios da Revolta, e Júlio destaca como um dos motivos da sua criaçom “a necessidade de um espaço próprio por parte de um grupo de moços e moças, vinculado em boa medida ao independentismo juvenil”. “Na altura”, conta-nos, “existiam em Vigo vários locais e umha okupa partilhados por diferentes coletivos, mas o espaço ficava pequeno e existia essa necessidade de um espaço próprio que fosse ponto de encontro”. Diego salienta que entre o grupo promotor “havia gente mais política, mas também mocidade ligada ao ambiente do futebol e pessoas com um perfil mais cultural” e ressalta o papel de militantes como Esther Marinho ou Roberto Fialhega “Teto” no impulso inicial da Revolta. Segundo nos conta Júlio, “o mais difícil foi encontrar o local por causa da pressom urbanística existente na rua Real”, umha rua do Caso Velho de Vigo “que se queria converter em zona de serviços e estava abandonada”, polo que um dos objetivos do centro social foi “dinamizar o entorno, apostando por colaborar com a associaçom de vizinhas/os”.

Neste sentido a recuperaçom do entruido popular viguês através da figura do Merdeiro jogou um papel destacado, convertendo-se numha das principais aportaçons da Revolta nestes primeiros vinte anos de vida e, tal e como nos explica Júlio, um dos impulsores da sua recuperaçom, “umha maneira de adaptar-nos ao entorno, inserir-nos na vida social e cultural e dinamizar um bairro que estava descuidado, depauperado”. Ele mesmo lembra-nos como foi o processo: “na biblioteca do centro social havia um recorte de imprensa assinado por Xerardo Fernández Santomé que falava de umha figura de entruido num contexto urbano, o do Berbês de Vigo. Pugemo-nos a investigar um pouco e demos com Xerardo; no primeiro ano figemos umha palestra com ele, preparamos a ediçom de um trabalhinho de recuperaçom que tinha feito e publicamo-lo junto com a Associaçom de Vizinhas/os Casco Velho. Ao seguinte ano contatamos com Pancho Lapeña e com ele trabalhamos o tema da imagem do Merdeiro. Figemos as carautas e os trajes e organizamos a primeira saída com cinco Merdeiros”.

Atualmente o trabalho relacionado com o Merdeiro realiza-o umha associaçom etnográfica, umha entidade com vida própria em que participa gente da Revolta, mas nom só. Isto, para Diego, é um exemplo de outra das aportaçons da Revolta como “base de apoio e ponto de encontro que serviu para que outros projetos surgissem ou medrassem”. Reforçando o seu argumento, destaca também que “a assembleia de mulheres da Revolta nos anos 2005 e 2006 era potente, com muitas mulheres a participar. Essa base ajudou a que depois surgissem outros coletivos feministas em Vigo”.

Aprofundando na questom das aportaçons do centro social, Júlio destaca também a defesa da língua e o espalhamento do reintegracionismo, e lembra “a organizaçom  de um ciclo de cinema totalmente legendado em galego-português graças ao trabalho de um militante”. Importante foi também, na sua visom, “o papel da Revolta para ajudar a nuclear luitas como a dos recheios em Bouças e no porto de Vigo, a de Monteferro, em Teis com a ETEA e até em Cangas com Massó. Esse trabalho deu lugar a umha entidade como A Ria Nom se Vende”.

Vinte anos dam para muito trabalho, mas também para os maus momentos que todo projeto duradoiro tem que enfrentar. Para a gente da Revolta, um desses maus momentos foi ter que padecer a repressom espanhola contra o arredismo. E é que o Centro Social foi objetivo da repressom, sendo registado pola polícia e criminalizado mediaticamente, no contexto de duas operaçons do Estado contra o independentismo galego, em 2005 e 2011. A respeito disto, tanto Diego como Júlio coincidem em que no primeiro caso (a Operaçom Castinheiras) “a inserçom da Revolta no bairro notou-se, a resposta da vizinhança foi boa e o centro social nom se ressentiu nem socialmente nem internamente”. Para Diego, na altura estudante de liceu, aquele episódio supujo, de facto, “o meu primeiro contato com a Revolta”, estimulado pola solidariedade ante a repressom. E apesar de que após a operaçom policial de 2011 a Revolta também apostou por tirar para adiante, em opiniom de Diego sim que se notou algumha consequência mais negativa: “foi mais complicado porque a nível interno se notou a falta de gente como Teto (militante detido naquela operaçom e ainda em prisom). Também houvo gente, ainda que nom sei os motivos, que deixou de passar polo centro social. Foi umha situaçom mais difícil de superar; mesmo depois tivemos que mudar a sede para um local mais pequeno, mais doado de gerir e com um aluguer mais barato, umha decisom difícil mas que foi umha boa jogada porque nos permitiu continuar”. De todos os jeitos, para este ativista a Revolta sempre estivo à altura e “respostamos aos golpes repressivos, organizamos atos de recebimento e mantivemos as fotos das presas e presos no local”.

Também o fecho forçado do local durante a pandemia da COVID-19 pujo à Revolta, como aos demais centros sociais do país, numha situaçom difícil pola perda de ingressos que fijo perigar a viabilidade económica do projeto. “Foi bastante duro”, opina Diego, “as pessoas seguiam com vontade mas havia que afrontar a economia. Pugemo-nos as pilhas para regularizar o pagamento das quotas e garantir uns ingressos mensais fixos, o que nos permitiu voltar a abrir e ir recuperando. Outra cousa complicada foi, em ocasions, gerir o uso das máscaras no local”. Júlio já nom fazia parte da Revolta nessa altura, mas salienta ainda que “se tirou do trabalho no passado e de toda a rede social criada para conseguir sair do passo”. Na sua reflexom, também chama a atençom para “o aumento do individualismo: há vinte anos a necessidade de um ponto de encontro para as pessoas como os centros sociais era vista mais claramente”. Umha mudança na sociedade que para ele, porém, “fai ainda mais necessários os centros sociais”.

Já com anos de experiência ao lombo, os dous militantes da Revolta analisam também a situaçom atual do movimento dos centros sociais. Júlio Saiáns coincide com quem opinam que o movimento está numha etapa de consolidaçom e madurez: “acho que muitos resistem o passo de tempo e, ainda que alguns fecham, abrem outros, porque a gente vê que a ideia é boa”. Na visom de Diego Santim, “o boom foi na segunda metade da década de 2000, quando se abrírom centros sociais em vilas medianas e pequenas. Em Vigo chegou a haver 5 ou 6 ao mesmo tempo. Há uns anos via-o pior, hoje acho que o movimento está melhor, estabilizado, com centros sociais ativos; o modelo ainda vale como ponto de encontro e lugar para trabalhar com liberdade”.

Esse passo do tempo também nos situa num contexto diferente ao daquele 2003, tanto no referido à situaçom do arredismo como a nível económico após a crise iniciada em 2008, e a nível social com a chegada, por exemplo, de umhas daquela inexistentes redes sociais e da tendência a um ativismo nas redes em troca de umha militáncia de rua. Para Júlio, no contexto em que se abriu A Revolta “havia um fervor social que se reflexava na atividade, como no caso da luita do metal de Vigo. Hoje há umha desmobilizaçom social que afeta”. Aliás, acha que “as redes sociais, com o acesso à informaçom num clique, mudárom as cousas, antes recebíamos a informaçom e debatíamos nos centros sociais, agora quase há umha forma de militar nom presencial; cumpre dar-lhe umha volta à forma de funcionar porque as redes som algo que está aí”. Em relaçom com isto, Diego di-nos que “no centro social tentamos adaptar-nos” mas, fazendo autocrítica, considera que “nom aproveitamos as redes todo o bem que poderíamos, usamo-las como usávamos os cartazes antes, mas temos que ser quem de chegar aí porque é onde está a mocidade”. Em palavras de Júlio todo isto, porém, reforça a necessidade de reivindicar “o contacto humano, o estarmos juntos e juntas”.

Acabamos a entrevista perguntando qual pode ser o futuro da Revolta. Saiáns, que participou no colóquio organizado dentro dos atos polo XX aniversário, opina que a atual “é umha fase de resistência e de adaptaçom a um novo local, algo diferente mas com possibilidades” polo que “há que ver que se é capaz de fazer”. Santim, pola sua parte, incide num dos problemas a longo prazo de todos os centros sociais: “boto em falta relevo geracional, há pouca mocidade. Agora a situaçom é de estabilidade mas o futuro é incerto se seguimos sendo a mesma gente a que tira do carro”. O que sim assinala é um objetivo que nasce do sentimento e da solidariedade: “o que é seguro é que resistiremos até o Teto sair da prisom, é algo que lhe devemos; e a partir de aí já se verá”.