O diário catalám Vilaweb falava há umhas semanas com Damià del Clot, advogado e concelheiro de ERC na localidade de Vilassar de Mar, que vem de editar o livro “Anatomia del Deep State espanyol” (Pòrtic, 2023); polo seu interesse para o público galego, traduzimos para a nossa língua parte da conversa, que debulha os traços desse Estado por trás do Estado, que dirige o combate à dissidência.

Que há no deep state?

Há pessoas das instituiçons e dos aparelhos mais importantes do Estado. Tem cinco dimensons: umha é policial, com responsáveis políticos e capacidade de mando; umha outra é a alta judicatura, que dita sentenças coercitivas, com polícia judicial a agir à margem das leis; existe aliás umha cúpula militar; uns serviços secretos que construem ou destruem provas; e umha burocracia do Estado, como os seus advogados do Estado, os fiscais, os juízes, que nutrem toda a maquinária.

Nom incluis o poder económico?

Existem dous grandes actores políticos que nom som deep state, mas agem de maneira coordenada: uns som os jornalistas de Estado, e uns outros, as grandes fortunas que procedem do franquismo, capazes de dar audiência, de comprar vontades, de financiar, quando os fundos reservados nom chegam…

As entranhas do Estado.

É o duplo Estado. O Estado dual, com umha cara A, e umha cara B. A cara A é o Estado constitucional e a B é aquela que no franquismo ficava a nu porque podia fazer aquilo do que gostasse, mas durante a democracia tivo que baixar aos esgotos, e age quando vê perigar o Estado; quando umha minoria pom em causa a unidade do Estado, quando o princípio de soberania única é posto em causa. O Estado institucional nom dá resposta, porque teria que dá-la de maneira democrática e nom o quer fazer, e activa-se todo este entramado para-legal de militares que ameaçam, polícias que abrem diligências de pesquisas prospectivas, juízes que entram no jogo de tomar medidas cautelares com segredos de sumário, políticos, meios de comunicaçom que elaboram um relato…

E isto vem já do franquismo.

A construçom do Estado profundo vem de antes, mas é no franquismo quando alcança a sua forma mais perfeita. Com o golpe de Estado do 18 de Julho e durante a guerra, cria-se um novo Estado legitimado na violência. A gente tem medo, e o franquismo puido fazer o que quijo durante quarenta anos, em que se criárom umhas famílias, umhas estruturas…os tecnocratas entrárom na direcçom do governo, os catedráticos do Opus Dei criárom umha administraçom pública forte e burocratizada… instituírom umha judicatura muito potente porque sabiam que o estamento judicial tem mais legitimidade do que o militar. Existe umha polícia política muito potente e criam-se um entramado normativo e umhas estruturas judiciais que tenhem um fio condutor até a transiçom para perseguir a dissidência política.

Ainda hoje a lei de segredos oficiais é a franquista.

É, a lei da impunidade. O problema do ordenamento jurídico franquista é que passa umha parte da transiçom a se integrar no ordenamento jurídico constitucional. Na Transiçom muitas das normas fam-se a olhar para trás. Quando se desenhou o direito eleitoral da Transiçom, os tecnocratas do Opus analisárom as eleiçons do 1936, que ganhara a Frente Popular, e achárom que de aplicarem um critério de igualdade puro, iam ganhar as esquerdas. Logo quigérom dar-lhe mais entidade às zonas rurais conservadoras, de maneira que um voto à direita custa menos que um voto à esquerda. Isso nunca se tocou. De maneira que as três quintas partes do Congresso viram numha maioria de bloqueio da direita. É um dos pontos obscuros que a constituiçom tolera.

A constituiçom tem pontos obscuros, silêncios e ángulos mortos, afirmas.

Si, e um é este, o da maioria de bloqueio da que goza a direita. Mas também é a aplicaçom que fixérom os tribunais. Sem irmos mais longe, a manhá do 23-F, o Tribunal Constitucional publicou umha sentença sobre umha questom que aparentemente aparecia ao chou, mas que tinha umha frase demolidora: “autonomia nom é soberania”. Os militares alçárom-se por que lhes enfurecia a legalizaçom do Partido Comunista, mas ainda toleravam menos que se lhe desse autonomia à Catalunha e ao País Basco. Logo aquela sentença ia tracejar a linha, e depois viriam a LOAPA, os pactos autonómicos… aquilo que a Constituiçom queria diferenciar, o golpe de Estado acabou por igualá-lo, e metêrom tudo no mesmo saco.

Impujo-se o Estado profundo.

Fracassou na sua dimensom militar, mas triunfou na judicial; os uniformes militares deixam passo às togas. A gente nom tolera mais um golpe de Estado com sangue, e passam ao golpe de Estado de veludo. Isso, até que chega o golpe de Estado territorial de verdade, o de 2010, com o Estatuto.

Explicas que os poderes do Estado profundo emergêrom após a Transiçom, e virárom mais explícitos graças ao PP.

As elites franquistas tutelárom a Transiçom, mantivérom a lei de segredos oficiais, os serviços secretos franquistas fixérom-se o CESID, logo CNI, o TOP virou Audiência espanhola…aprova-se a Lei de Amnistia, que é a lei de impunidade dos crimes franquistas. E procura-se que a direita sempre tiver a capacidade de poder eleger aqueles órgaos que nom fam parte da democracia directa, como o CGPJ, o Tribunal Constitucional, a possibilidade de reformar a Constituiçom… tudo isso, protegido polas três quintas partes. Os socialistas ganham as eleiçons. E no 1989 Fraga cria um partido para retornar à Moncloa: cambia AP por PP e nomea Aznar para começar um processo de modernizaçom da direita, com campanhas muito duras, com o discurso do governo ilegítimo do PSOE… no 1993 perdem de novo e começa a era da crispaçom…

E ganham as eleiçons de 1996.

Na altura começa a criar-se o partido dual, isto é, um partido que vai ocupar as instituiçons democráticas, mas criando estruturas de corrupçom para se financiar. Podera haver alternativa democrática, mas haverá um sistema de poder à sombra onde sempre vai mandar o PP.

Mas nom é apenas a direita que utiliza o Estado profundo. O PSOE fai-no desde o início. E ambos os partidos fam-no simultaneamente.

Quando o PSOE chega ao poder vê que para se manter precisa este Estado profundo que se criou durante o franquismo, e as prebendas e o quadro legal derivados dele. O PSOE entende que se quer continuar no poder nom pode fazê-lo apenas com as eleiçons, e para proteger as irregularidades que se poidam cometer no exercício do poder precisa o Estado profundo. Vimo-lo nos GAL e nos assuntos de corrupçom vencelhados ao financiamento ilegal do partido. O PSOE recorre aos fundos reservados para financiar a guerra suja contra o terrorismo e as primeiras grandes decisons judiciais como o feche de Egunkaria tenhem umha certa origem na época do PSOE. O GAL é tal bestialidade que quando o PP chega ao governo corrige-o um bocado, mas com mao de ferro. E o deep state ve em Aznar umha pessoa que os situa de novo na época franquista.

Existe umha cultura política de toleráncia com a corrupçom na sociedade espanhola.

Quando o PP começa a criar este partido dual procura recuperar o tempo perdido. Pom os alicerces do que foi a política franquista de extracçom de rendas e patrimonizalizaçom do Estado por parte das elites. As elites franquistas temiam perder os privilégios e o poder durante a Transiçom, as grandes empresas do Estado, os conselhos de administraçom… a política económica que alimentava as grandes famílias do franquismo para nom brigarem entre elas, isso recupera-o o PP.

Servindo-se da maioria do poder, das três quintas partes que bloqueiam tudo.

Para impor a sua gente, os que cumpria proteger quando algum tivesse um problema e tivesse que ser julgado na sala segunda do TS. Quem nomea estes juízes? O CGPJ. E também metêrom a sua gente no Tribunal de Contas.

E existe um corpo de advogados de Estado ao seu serviço.

No tempo de Rajoy, no governo, todos eram advogados do Estado. E criam esta protecçom. O PP é um partido onde há juízes, militares, serviços secretos… tenhem toda esta estrutura que se afunde nos esgotos para defendê-los sempre que cumprir. O Estado profundo protege a razom de Estado, e os privilégios económicos e de poder que tivérom todas estas famílias, actores políticos e estamentos.

*Podes consultar aqui a entrevista completa na sua versom original, realizada por Josep Casulleres.