‘Somos um povo de artistas’ tem virado já expressom comum que nos define e que em grande medida nos orgulha. Foi popularizada por Xurxo Souto, ele mesmo um artista que soubo fazer de ponte como nengum outro entre a Galiza rural e a Galiza das cidades dos 90, reconciliando através do rock bravu milhares de moços e moças daquela altura, maiormente de classe obreira, com as aldeias dos seus pais ou das suas avoas, e enveredando a muitos para o compromisso nacional.

Arte, na sua acepçom mais comum da actualidade, associa-se com criatividade, engenho e inspiraçom, também com certa informalidade, laxitude e carácter espontáneo. Como tal, casaria mal com as condiçons planificadoras, disciplinárias e pragmáticas próprias da política, que o leninismo elevou a ciência da organizaçom. É por isso que o independentismo apontou com dedo crítico sempre as querências ‘demasiado artísticas’ do galeguismo, aquilo que três geraçons antes da nossa, um fato de patriotas assinalárom acusatoriamente como ‘culturalismo’. Mas a crítica nom é apenas revolucionária ou utópica. Desde o puro utilitarismo da economia, o presidente do Foro Peinador, que luita pola galeguizaçom do mundo empresarial, recordava que na imprensa maioritária, a nossa língua nutria as páginas de cultura dos suplementos dominicais, enquanto estava totalmente ausente da secçom de informaçom financeira. Ganhamos no sentimento, parecia dizer o autor, mas perdemos no terreno decisivo que determina as vidas das pessoas e as suas decisons de sobrevivência e progresso.

Certamente existe esta cissom. Ora bem, esta é agravada de manejarmos umha linguagem binária que reforça um mundo empobrecido de campos estancos. Os romanos tomárom a sua palavra ‘ars’ da grega ‘techné’. Mas para ambos os povos, que nom divorciavam ciências de letras, nem estética de utilitarismo, os termos nom davam conta de umha actividade exclusivamente gratuita, baseada na fruiçom, senom dumha destreza criativa, propriamente humana, diferenciada da procedente do mundo natural, e produto dumha relaçom íntima entre um mestre e um discípulo. Da arte nasciam as esculturas ou os quadros, mas também os artefactos tecnológicos, e daí o duplo sentido com o que ainda utilizamos a palavra ‘engenho’ (criatividade, e, a um tempo, aparelho técnico).

Grandes obras do pensamento universal incluem por isso no seu título (na traduçom a línguas romances, ou na versom original) a palavra ‘arte’, no sentido global e enxalçatório: “A arte da guerra”, o clássico taoísta do enfrentamento, assinado por Sun Tzu há mais de dous mil anos; “Oráculo manual ou arte da prudência”, o tratado do jesuíta Baltasar Gracián sobre os mecanismos do poder e a influência social; e, já perto de nós, “A arte de amar” ou “A arte de escuitar”, com a que Erich Fromm, psiquiatra de esquerdas, pretendia pôr a dialogar marxismo e humanismo nos anos sombrios da Guerra Fria.

Somos um povo de artistas? Por quantidade de talento, pulo criativo e incidência social de escritores, músicas ou artistas plásticos, sem dúvida, sem todos os quais nom existiria hoje o nosso feito nacional. Por capacidade para fusionar intuiçom e pragmatismo, ideias e matérias, utopia e realizaçons práticas, a nossa resposta nom pode ser tam rotunda. Iremo-lo vendo em próximas semanas.