Eu somente a observava através da janela, quase como um voyeur. É certo que nom a observava só a ela, se nom também ao resto de pessoas presas que passeavam naquele momento polo pátio do módulo chamado conflitivo e de homens. Nesse momento eu nom conhecera outro tipo de módulos que os de isolamento e esse chamado de respeito no que me obrigáram a permanecer (podendo desobedecer, claro, mas isso implicara a volta umha vez trás de outra para isolamento). No módulo de respeito havia também algumha outra mulher trans, como aquela Luísa da que falei em outro artigo neste portal.
Eu nom sei se Ela, aquela mulher do módulo conflitivo, tinha sido Aurélio antes, ou se nom era exatamente Ela. Bem podia ter sido, somente por como se comportava no pátio ante algum conflito. Mantinha o seu sítio, nom temia ninguém. E esse nom fora o primeiro dia.
Ainda sem saber se os feitos fórom exatamente os que seguem, e também sabendo que devera ser a própria protagonista quem contasse a sua história, transcrevo para o espaço contrainformativo galego essa história tam contada no boca a boca talegueiro. Dita história tem umha base bem real, e seguramente tenha diversas bases reais, tendo-se repetido algo assi seguramente nom há muitos meses nalgumha prisom do Estado espanhol. Ficam para outra ocasiom outras reflexons pessoais do impacto que isto gerou em mim, e outras reflexons em torno a todo quanto atinge a construçom social passada e presente da própria identidade de género.
Aurélio era um tipo forte. Ademais de trabalhador da construçom, era atracador de bancos. Nom somente atracava bancos, também atracava joalheiros, nessa espiral de adrenalina de acçom e fugidas constantes. Já tinha pernoitado alguns meses nalgumha prisom. Nas prisons era conhecido e respeitado; firme com os carcereiros e também, quando fazia falta, com os demais presos. Solidário em certa medida, e generoso de forma ajustada com as pessoas migrantes e sem recursos.
Um dia, como ele bem sabia remataria por acontecer, caiu preso de novo. Desta vez, para umha estadia bem longa. Tinha chocado com algum agente da autoridade que tinha saído malferido, o que foi consequência automática de fortes malheiras em comissarias e posterior juízo com condenom assegurado.
Eu nom sei realmente se Ela fora Aurélio antes, nem sei exatamente se a história de Aurélio fora real na sua totalidade. Sei que é umha das muitas histórias com base real, dum fera pessoa presa, barbuda e musculada, que um dia toma umha decisom de forma completa. Um dia no que decide, pincho em mao, baixar ao pátio portando um vestido de cores chamativas, e berrando aos quatro ventos que ninguém a ousasse chamar polo nome de Aurélio, que desde esse momento e para sempre chamava-se Beatriz.