Helena Salgueiro é umha dramaturga e actriz compostelana que participa activamente do mundo da criaçom, a interpretaçom e a performance. Na sua obra aparecem com frequência realidades sociais e políticas do nosso País, caso do feminismo ou das presas e presos independentistas, recriados em livros como “Todas as illas son unha illa”. Nas passadas semanas, a controvérsia acendia-se nas redes pola publicaçom dumha carta aberta onde justificava ter abandonado a obra “Pussy cake”, de Matarile Teatro, aduzindo contradiçons com o seu ideário feminista. Conversamos com ela sobre teatro, compromisso e polémicas na rede.
Como te inicias no mundo do teatro?
Nom o saberia dizer com certeza, deveu tratar-se dum cúmulo de factores; o meu pai é director de teatro, entom muita gente tem assumido que por ser ‘filha de’, eu dalgum modo fago parte disto, adscreve-se-me a isto muito por inércia. Mas na realidade há várias causas, nom apenas o familiar ou a herança. Por exemplo, sempre gostara do teatro isabelino, desde nena… logo derivei para a dança.
Comecei a fazer performance aos dezoito anos. Logo, sendo emigrante, em Edimburgo, inicio-me como profissional; ao longo de toda esta jeira, combino a actuaçom com a publicaçom de obras próprias, que iniciei aos dezasseis anos.
Como pensas que se deve relacionar o teatro com as causas colectivas?
Eu som da ideia de que toda acçom, for ou nom artística, implica umha leitura política… mas nom por isso tenho umha postura brechtiana, no sentido de crer que toda obra tenha que ser pedagogia, ou que tenha que aderir a umha ideologia. Mas como a obra nasce num contexto social e individual, ainda que nom o quigermos, sempre vai ter umha ideologia ou outra.
Na minha obra, aparecem ideias relacionadas com as minhas próprias vivências políticas, nomeadamente o feminismo ou o independentismo.
Influi esta presença das ideias na acolhida social, ou na crítica recebida?
No caso galego, o teatro sempre tivo um elemento político muito forte, ainda que nom fosse o central; houvo umha relaçom muito forte com o galeguismo que vem de atrás; nesse sentido, a presença do político nom deveria condicionar demasiado.
Ora bem, há casos e casos. Na minha obra “Todas as illas son unha illa”, que abordava a questom das presas e presos independentistas, topei-me com que existe umha censura evidente na hora de tratar temas como estes, nomeadamente no mundo da crítica ou da cultura formal.
Logo está o caso de outras ideologias, que nom imos dizer que som hegemónicas, mas que já ganhárom o seu espaço. Falo por exemplo do feminismo. A priori nom há problema com estarem presentes na dramatúrgia, mas logo, se mantemos umha postura que aponta e assinala condutas concretas, é fácil cavar a própria tumba. E isto é assim porque no mundo da crítica nunca se tende a falar de pessoas, senom simplesmente de textos.
Podes explicar a controvérsia da que participaste com a tua carta aberta?
Recentemente, eu fazia parte da equipa dumha companhia que adoita trabalhar sem um guiom e sem um conceito preestabelecido, de modo que o produto final vai-se vendo a medida que o processo avança. Comecei no projecto com certo mal-estar pola visom da equipa, polo mesmo título da obra (“Pussy cake”), e também por certa intuiçom. Vim que era umha obra que utilizava a estética da pornografia doméstica feita por mulheres.
Falei muito disto com o director e com as companheiras, mas eu fum a única em nom estar de acordo com a formulaçom; havia gente que diferia comigo, e outra que simplesmente nom colocava este debate. As conversas fôrom interessantes e ricas, especialmente com as mulheres. Tentei também fazer reflectir ao director, mas cheguei a um ponto sem saída. Concluim que, por muito que se adaptassem certas narrativas, a mesma conceitualizaçom da equipa era errada.
Porque a tua carta gerou tal controvérsia?
Eu na minha carta expliquei porque eu abandonara a obra. O artigo tem um tom acedo e mordaz, mas nom se trata de escárnio, nom, nom é vingativo. Algumhas pessoas falárom de vendetta pessoal, mas nom se trata disso. Eu o que queria amossar era umha simples dissidência, nom dum problema com ninguém. Tampouco nom me meto na decisom que as companheiras tomárom com liberdade, a de participar. Mas estas razons, explicitadas no texto, ignorárom-se, mesmo por parte de algumhas mulheres (cumpre recordar que nom todas as mulheres som feministas). Algumha delas acusou-me de paternalista. Tambem me surpreendeu o silêncio assovalhante de gram parte do tecido profissional, sob uma aparente neutralidade. Eu, intencionadamente, já escolhera como ilustraçom do artigo a gravura do juízo a umha bruxa, porque sabia que algo assim ia acontecer: recebim insultos em público e em mensagens privadas, e mesmo questionamento académico. Em geral nom se assumia a crítica de fundo sobre a obra, todo virava arredor do meu texto, e nom da obra em si. De todos os jeitos, também contei com muito apoio, tanto na esfera pública coma na privada, de profissionais, amizades e companheiras feministas. E, sobre tudo, de gente nova, que é o futuro do teatro do nosso País.
Como sintetizarias a tua crítica à obra?
Trata-se dumha obra que, com a excusa da falta de conceito, representa um olhar masculino e patriarcal, e escuda-se numha equipa de mulheres para fazer “purplewashing”.
Pensas que os debates em redes sociais ajudam a clarificar algumha cousa?
Sabemos que as redes afectam a todo, o nosso cérebro, os movimentos sociais, o lazer… eu acho que tenhem um potencial interessante, contudo, porque conseguem que debates culturais nom fiquem na academia, e que qualquer pessoa aceda a eles; se isto acontecesse nos 90, isto ficaria no clássico dixo-me dixo-me dos bares, e nunca saberíamos de primeira mao o que diz a gente. As redes sociais dam agência a cada vez mais vozes.
Nom por isso devemos esquecer os riscos: escrevemos guiados por um ecrá, em muitas ocasions nem se lê o que se escreve, e o debate cai facilmente no vulgar.