Em 2009, umha cumprida reportagem de Novas da Galiza analisava diversas tentativas de infiltraçom policial no independentismo; eram os anos álgidos da resistência galega, e um importante esforço da inteligência policial tentava minar desde dentro um incipiente fenómeno subversivo. Em passadas semanas, graças ao labor informativo de La Directa, tivemos notícia dum caso de infiltraçom nos movimentos sociais da Catalunha, neste caso em sectores mui diversos, e nom relacionados com a violência política. O caso, e o seu tratamento mediático na imprensa empresarial, volve a deitar luz nas zonas mais obscuras do Estado.

Pesquisa galega

Como podemos ler nas hemerotecas, o trabalho da imprensa de base galega demonstrou dinámicas de interesse, habitualmente silenciadas pola mídia empresarial: numha reportagem de Alberte Marques, baseada em várias entrevistas, demonstrou-se como agentes encubertos dedicavam-se a argalhar falsas entrevistas laborais com moços e moças, por vezes utilizando gabinetes profissionais como tapadeira, nomeadamente nas comarcas de Vigo e Compostela, com a intençom de lhe propor ingressos e “total segurança” enquanto contribuíam a danar desde o interior o movimento independentista. Eram os anos das greves do metal, das mobilizaçons em defesa da Terra de Galiza nom de Vende, ou das sabotagens constantes da resistência galega.

Recolha de informaçom, provocaçons, estratégias de tensionamento interno, alimento de controvérsias inacabáveis na rede, seriam algumhas das tarefas encomendadas a este pequeno contingente, que teria que trabalhar no seio das organizaçons juvenis e políticas, nos centros sociais, ou nos grupos de montanhismo.

O modelo de infiltraçom como estratégia anti-subversiva nom é novo, e foi muito recorrente, quer em democracias formais, quer em ditaduras. À margem do contexto galego e europeu, América Latina foi um grande laboratório no que se provou esta estratégia, como mais tarde reconhecêrom altos mandos da repressom: por exemplo, na Argentina, o chefe da inteligência militar de Videla, Carlos Alberto Martínez, reconhecera: “a verdadeira eficácia da inteligência contra-subversiva nom se derivou das torturas, senom da tarefa extremadamente arriscada de infiltraçom das principais organizaçons subversivas, que a área de inteligência (…) desenvolveu paciente e estoicamente”.

Um novo exemplo na Catalunha

Num outro contexto, quase três lustros depois, sem violência política na Galiza nem no Estado, as práticas de infiltraçom e espionagem continuam. O jornal La Directa revelou como um polícia espanhol, com o nome falso de “Dani”, espiara durante anos os ambientes anarquistas, independentistas e feministas de Barcelona. À gravidade do facto de espiar dinámicas relacionadas com o exercício dos direitos e liberdades, nom relacionadas com nenhuma luita ilegal, soma-se o feito de que o agente recorreu às relaçons íntimas e sexuais para obter informaçom.

O caso motivou protestos e mobilizaçons da rua, e algumhas das activistas acudírom aos julgados para denunciá-lo por ter cometido “abusos sexuais continuados, delitos de tortura ou contra a integridade moral, descobrimento e revelaçom de segredos, e impedimento do exercício de direitos cívicos.” O colectivo Irídia, que ampara as vítimas, argumenta que a infiltraçom vulnerou o consentimento das vítimas, que nunca aceitariam manter relaçons sexuais com o agente.

Banalizaçom na imprensa do Regime

Dado que a infiltraçom se considera parte dos segredos que amparam a “razom de Estado”, a mídia comercial nom soe dar-lhe espaço, pois nom casa com demasiada facilidade na ideia dum Estado de Direito transparente e aberto à fiscalizaçom da cidadania. Porém, nesta ocasiom, e procurando o atractivo do morbo, o grande cabeçalho do Regime na Galiza, La Voz de Galicia, fijo umha incursom neste episódio, recorrendo a um certo humor de mau gosto para aligeirar a gravidade do feito: “A dupla vida de Dani, o infiltrado gigoló”, ilustra o jornal, completando com a frase “O espia que embaucou oito anarquistas com ‘bom rolho’. A notícia apenas recolhe fontes que simpatizam ou admiram o infiltrado (este termo cita-se sempre entre itálicas), e prescinde de dar espaço a qualquer das reacçons sociais que suscitou o episódio de abuso. Se bem outros jornais do Regime, caso de El País, ousárom levar em conta a enorme controvérsia que suscitou o caso, o grande meio galego-espanhol, mais umha vez, aderiu com os esgotos do Estado.

Diz o jornal que o agente infiltrado “converteu-se em anátema do independentismo catalám”, ignorando que o caso motivou o rechaço muito além do soberanismo, e provocou as críticas de entidades diversas. O caso chegou mesmo ao parlamento europeu, por boca de Miguel Urbán (Anticapitalistas), que recordou que “segundo o quadro legal, este tipo de infiltraçons apenas podem levar-se a cabo ao abeiro dumha ordem judicial, em supostos de terrorismo, crime organizado e tráfico de estupefacientes. Ao nom ser nem muito menos esta a situaçom, pode constituir umha vulneraçom flagrante da carta dos direitos fundamentais da UE”.

Relativizando o engano e a mentira (mesmo se esta envolve as relaçons íntimas), o jornalista continua: “para muitos dos seus companheiros da XXXIII promoçom da polícia nacional, que já o idolatram, ele é umha sorte de James Bond. (…) Ambos utilizárom as mulheres e as relaçons sentimentais para obter informaçom. E ambos tenhem um magnetismo inegável. Bond polo glamour, esmóquins e os seus Aston Martin. Hernández porque, todos coincidem (amigos e agora inimigos) exalava um ‘bom rolho’ que resulta magnético, nomeadamente com elas”.

Fora de qualquer reflexom sobre direitos vulnerados, limites na acçom policial ou análise jurídica, para além dumha sucinta mençom à denúncia das activistas contra o infiltrado, a notícia segue a recriar-se nas brincadeiras de mau gosto: “se Bond deslumbrava com os seus vodkas com Martini no Casino de Montecarlo, Dani virou no rei da festa com as suas barbacoas no sobre-ático. Também pola sua facilidade no acesso a certas drogas. La Directa localizou oito mulheres que estivérom com Dani. “Quiçá sejam mais”, explicam responsáveis da segurança do Estado”.