Pouco antes do passado Natal estreou-se o filme galego O corpo aberto, baseado no abraiante relato de X.L. Méndez Ferrín Lobosandaus de seu livro Arraianos. Dirigido por Ángeles Huerta e com música nada menos que de Mercedes Peón, passou sem pena nem gloria pola carteleira. De jeito que nom me foi possível vê-la afiuzando em que um filme baseado numha jóia da literatura galega do melhor escritor galego vivo, bem ia durar todas as festas. Mais, passado o balume de filmes comerciais de ínfima qualidade com que nos enfeitam nas férias, cuidei que voltaria aos cinemas. Ainda estou a aguardar.
Mas o mais misterioso -falando dum relato cheio de intriga e mistério- é o silêncio generalizado sobre este feito. Fartei de escuitar nas redes moreias de comentários a prol e em contra do filme As bestas, questionando a visom colonial que amostra sobre a que dérom em chamar a Galiza profunda. Nom vou opinar sobre a recriaçom dese desgraçado acontecimento real porque nom vim o filme senom só o documental. Porém, resulta surpendente que ninguém diga nada sobre um filme baseado num relato como Lobosandaus, nom só dumha qualidade literária senlheira senom polo tema tratado, o corpo aberto. Só reparando neste tema de tanta valia antropológica para a cultura galega e atlántica ou céltica em geral, este filme deveria estar longo tempo em carteleira e ser publicitado e apoiado por todas as instituiçons culturais do país. Teria de estar-se a debater nos centros de ensino, centros culturais e bibliotecas de toda Galiza.
Conta-me meu irmao o mitólogo, Xan Teixeiro, que é tam importante esta crença galega nos corpos abertos que o versado na civilizaçom celta e o ciclo artúrico, Jean Markale, autor de aquel Contos e lendas dos países celtas de Toxosoutos, andou pesquisando nisto por terras do Ortegal, pois que o mesmo que na Raia, onde se centra o relato de Ferrím, também se conservava esta crença.
Algumhas pessoas confundem o corpo aberto coa metempsicose, a crença na transmigraçom das ânimas, comúm a todos os povos celtas, onde se situam as entradas ao além e onde os mortos embarcam como acontece no santuário de Santo André de Teixido, na Capelada. Mas o corpo aberto é a capacidade de se meter em um ou em vários corpos a um tempo por vontade da pessoa, acontecimento que adoitava ocorrer quando se abriam as portas entre os mundos, eis Samaim, Beltaine…e parece que mormente polo Sam martinho. No conto ferriniano, o poder diabólico de Obdúlia sobre da sua cunhada Dorinda acontece em novembro. E o mesmo dia de Natal aparecera enforcado numha cerdeira o Turelo para se livrar de ter o capador Nicásio dentro do corpo, capador que já se metera também no corpo de Obdúlia. Como vemos, os corpos abrem-se quando as portas entre os mundos.
Markale nom encontrou esta crença em nengum outro dos países celtas, o que fai que ainda seja mais necessário recolhê-la, estudá-la e transmiti-la.
Contava-me Ferrín um dia da transcendência do ciclo artúrico por terras de Cedeira. Cuido que também Markale saberia disto pois tem escrito sobre Lançarote do Lago e a cavaleiria arturiana, o rei Artur, a fada Morgana, Perceval… Também Ferrín engaiolou co Perceval e o conto do Grial de Chrétiem de Troyes e agasalhou-nos aquele Percival e outras historias, aquela fantasia simbólica de insetos desacougantes e personagens arturianas stuando-se na vanguarda literária dos 50 com esta sua primeira novela.
Porém, por que este esquecimento fílmico nos meios culturais do país? Por que ninguém fala de O corpo aberto? Porque Lobosandaus si trata da Galiza profunda, das nossas fundas raizames num mundo globalizado que bailanacriva.
Venha por mim, senhor tio.