A finais do século XIX, o jornal monolíngue e anticaciquil ‘O Tio Marcos d’a Portela’ sentenciava rigorosamente que ‘os galegos somos a causa dos males que sofremos. A má erva cresce que ravea’ (…) As cuitas que sofre o nosso povo estám sostidas pola negligência, o descuido e as discórdias dos próprios campesinos’. Três décadas mais tarde, o seu epígono ‘O Tio Pepe’, editado na Fonsagrada, e ligado ao agrarismo organizado, amaldiçoava o rechaço dos labregos à ciência e aos adiantos, e chamava a fazer um ‘apostolado’ de notáveis para tirar as nossas aldeias do atraso: ‘passárom geraçons e mais geraçons sem que a ciência entrasse alumando os cerebros; estamos a escuras (…) Nos povos onde nom entrou a conviçom que leva a ciência, há que começar, como começam os chefes dum exército que querem entrar numha praça inimiga, fazendo caminhos’. Nessa mesma sequência histórica, e em textos mais bem informais do galeguismo (sobretodo na correspondência) transparece-se umha e outra vez o distanciamento, quando nom desprezo, por umha maioria social que nem escuita nem entende.
As críticas à Galiza mais conhecidas, porém, som as formuladas desde Espanha, e normalmente mancam-nos e ofendem-nos; nascem na Idade Moderna, e com umha continuidade notável, chegam até hoje nos formatos modernos do monólogo de humor, a série ou o cinema. O arredismo, de facto, debutou em América nos anos 20 e 30 actuando violentamente contra as encenaçons teatrais que ridiculizavam o galego (e especialmente a galega, retratada como criada interesseira e burda). Mas porque nos ofendem? Por ser críticas? Nom, senom por serem retratos elaborados desde a comodidade e o desconhecimento, e por apresentarem imagens parciais que actuam desonestamente pretendendo caracterizar a todo um povo.
As críticas externas justificadamente nos molestam, mas que sensaçom nos provocam as críticas internas? Este fenómeno já nos situa numha incomodidade maior. A irritaçom de minorias ante a passividade de massas é um dos motivos clássicos de parte da esquerda, e podemos conceder-lhe certa motivaçom psicológica a esta modalidade de discurso que tanto praticou o galeguismo, nomeadamente nas suas classes médias. Se algo nos importa ou, ainda mais, se nos vai a vida nisso, é natural irritar-se quando os resultados nom som os apetecidos; se a Galiza nom nos importasse, obviamente nom nos irritaríamos com ela. ‘Nom é Galiza, nom, é umha ferida, aberta como rosa de cem folhas’, escrevera o poeta Avilés de Taramancos para expressar esta relaçom de amor e dor com o país.
Feitas estas precisons, porém, um sério perigo ajeja. Perceber furiosamente inércias, conservadorismos e rotinas no país que defendemos pode levar facilmente a desconsiderar as inércias, os conservadorismos e as rotinas nos próprios movimentos e pessoas conscienciadas; detectar vacilaçons e covardias na parte mais passiva da sociedade facilmente pode levar a crer que nós, colectivamente, nunca vacilamos e nunca nos acovardamos, e a auto-representar-nos, numha espécie de delírio, como legions de heróis que vivem nas alturas; e assinalar comportamentos irracionais nas massas (como a adesom a elites, caciques e tiranias) actua a vezes para esquecer os comportamentos irracionais nos movimentos (como o nosso gosto reiterado pola querelha e a guerra civil molecular, ou o nosso empacho de discursos fantasiosos).
A irritaçom com o país virará compreensom, e seguramente maior achegamento, se o foco implacável da luz crítica a aplicamos, prioritariamente, aos nossos movimentos e, individualmente, à consciência de cada um e cada umha, com a maior da atençom e o maior dos silêncios. Se queremos avançar, fagamos esta operaçom incómoda. Nom tenhamos medo a olhar as sombras, pois estas só encolhem quando as esculcamos com valentia e decisom.