Resulta mui difícil achegar-nos à verdade histórica quanto à posiçom feminina no movimento messiânico de Jesus. Podemos encontrar opinions para todos os gostos entre os especialistas, desde as que o consideram um feminista radical até as que o sepultam num patriarcalismo judeu ortodoxo. Porém, mesmo estas últimas, reconhecem umha série de anomalias com respeito a outros rabinos da época que cumpre analisar. Assim e todo, é preciso acoutar a validez científica das fontes para nos achegarmos ao personagem real. Por exemplo, dos quatro evagelhos canónicos, o de Joám resulta tam seródio e simbólico que nom podemos considerar dele quase nada histórico frente aos outros. Deste jeito, mália a sua beleza, cumpre desbotarmos os relatos sobre Marta e Maria, as irmás de Lázaro, ou o da salvaçom da adúltera que iam lapidar. Pola contra, as cartas autênticas de Paulo de Tarso fornecem-nos um material gorentosíssimo para conhecer a situaçom das mulheres nas comunidades cristás imediatamente posteriores à cruzifixom, pois fôrom escritas nesse tempo (51-63 d. C.)
Paulo arrasta umha lenda negra radicalmente falsa quanto à sua misoginia. De todas as suas cartas aceitadas no cânone neotestamentário, apenas sete som consideradas autênticas pola crítica científica. Mesmo nestas, a história e a filologia reconhecem umha ediçom posterior e várias interpolaçons. Quiçais a mais evidente e que lhe atribui injustamente a sona de machista é I Coríntios 14:34-35: “permaneçam as mulheres em silêncio nas assembleias, pois nom lhes é permitido falar; antes permaneçam em submissom, como di a Lei.Se quigerem aprender algumha cousa, que perguntem aos seus homens na casa; pois é vergonhoso umha mulher falar na assembleia.” Hoje sabemos que a inseriu umha mao muito ulterior, quando já o cristianismo se institucionalizara, já que aparece em diferentes partes da carta segundo o manuscrito que estudemos, emprega umha linguagem diferente e contradi todo o pensamento paulino considerado verosímil. Outro dos sustentos da confusom som as cartas a Timóteo, verdadeiras emendas das autênticas, escritas por um apparatchik da instituiçom eclesiástica muito depois da morte do apóstolo. Assim, em I Timóteo 2:11-12 lemos: “A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeiçom. Nom permito, porém, que a mulher ensine, nem use de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.” Estas correçons tardias tentam reduzir as mulheres ao posto de inferiorizaçom prévio ao começo do movimento cristao e sinalam precisamente que o que reprimem fora até daquela o habitual.
Significativamente, quanto mais retrocedemos até o Jesus histórico, maior é a consideraçom das mulheres nas comunidades. Algo relativamente doado de entender se compreendermos a evoluçom do cristianismo no século I. A chegada do reino de Deus, umha nova ordem social, subvertia toda a articulaçom prévia a prol da justiça para as assobalhadas e os assobalhados. A morte do líder executado nom detivo essa esperança, ainda a confirmou após as experiências da sua presença viva entre as seguidoras mais leais. A destruçom do templo de Jerusalém polos romanos no ano 70 avivou ainda mais a iminência do fim do mundo velho e enchoupou de escatologia a teologia cristá. Porém, o mundo podre nom terminava de acabar e várias décadas depois, quando se compugérom o evangelho de Joám ou as cartas a Timóteo, cumpriu a adaptaçom às pautas sociais maioritárias no império e a institucionalizaçom desde elas. Destarte, podemos entender como, nos inícios da acçom cristá, Paulo saúdava a Júnia como umha apóstola destacada da comunidade de Éfeso (Romanos, 16:7). Dela dizia-nos que chegou à fé antes ca ele mesmo. Assim, sabéndomos que o de Tarso se converteu ao pouco da cruzifixom, nom é aventurado supor que esta judia de nome romano pudo mesmo conhecer o Jesus histórico. Também nos ilumina outro dado, que foi a sua companheira de prisom canda o marido, Andrónico. Umha mulher que ensinava, que estava disposta a sofrer a repressom e que era reconhecida como apóstola polo próprio Paulo. Igual de chamativa resulta a mençom a outros dous missioneiros, Priscila e Áquila, já que racha a ordem habitual na antiguidade, importantíssima, e coloca a mulher antes que o homem (Romanos, 16:3). Quer dizer, ela era mais relevante na comunidade ca ele. Do Paulo autêntico também conservamos alfaias como Gálatas 3:27-28: “Nom há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos e todas sodes um em Cristo Jesus.” Ou Segunda Coríntios 8: 13-14: “nom digo isto para que os outros tenham alívio e vós opressom, senom para a igualdade (isotēs em grego). Neste tempo presente, a vossa abundância supra a falta dos outros, para que também a sua abundância supra a vossa falta e haja igualdade”
No século I as mulheres eram consideradas pertenças masculinas, mecanismos de reproduçom para garantir a perduraçom da propriedade na descendência. Na sociedade judia nom podiam aprender a ler nem ser instruídas na Torah. De facto, nem sequer partilhavam espaço na sinagoga cos homens e negavam-lhes a entrada nos lugares sagrados reservados para os machos no templo de Jerusalém. Tampouco podiam ser testemunhas num juizo. Eles podiam-se divorciar, elas nom. A desigualdade atingia tais níveis que algumhas escolas rabínicas legitimavam que o homem as abandonasse se queimavam a comida três vezes por desleixo ou simplesmente se os esposos gostavam mais doutra. Nom podiam dirigir-se a homens se nom era através do marido ou do pai e nom saíam sem companha. A única perspectiva vital constituía-a o matrimónio ou a prostituiçom. Ao enviuvarem convertiam-se nos seres mais desamparados da sociedade, pois só herdavam os varons, e eram prostituídas, mendigavam ou morriam de inaniçom. Quando tinham a regra consideravam-se impuras e nom podiam tocar nem ser tocadas. No mundo grego a sua posiçom rebaixava-se ainda mais, no romano ascendia ligeiramente. Porém, decote, as amantes e concubinas de toda classe eram obrigadas a abortar para evitar os filhos bravos e morriam na tentativa. A idade para casá-las estava entre os doze e os dezasseis anos, mais alá já eram consideradas solteironas. As poucas vezes que mulheres alheias à oligarquia eram citadas sempre acontecia detrás e/ou em vínculo com um homem.
Por isso os textos cristaos constituem umha verdadeira anomalia. Nengum outro rabino do século I se rodeava de grupos de mulheres como Jesus nem estas eram nomeadas por si mesmas como Maria Madalena ou Susana: “andava de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e os doze iam com ele, canda algumhas mulheres que foram curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da que saíram sete demos; Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, e Susana, e muitas outras que o serviam cos seus bens” (Lucas 8:1-3). Este grupo de mulheres capitaneado pola Madalena será o que fique a presenciar a execuçom do líder enquanto os doze fugiam para Galileia, espaventados após a detençom em Getsemani. Também elas haviam seguir os enterradores do Sinédrio de longe para ajejar onde colocavam o cadáver do nazoreo segundo Marcos, o mais antigo e fiável texto neste senso. De facto, som elas, nos quatro evangelhos, as que experimentam por primeira vez que o messias nom morrera, que vivia entre a comunidade de seguidores. Velaí porque o Papa Francisco lhe outorgou o título de apóstola dos apóstolos a Maria Madalena em 2016. Numha sociedade que impunha matrimónio forçado, mendicância ou prostituiçom, a via da entrega célibe ao reino de Deus que já estava aqui constituía umha verdadeira liberaçom. Neste sentido, resulta altamente curioso que o machismo cegasse o racionalismo de tal jeito que a ninguém se lhe ocorresse que pudesse ser o grupo de mulheres quem roubasse o cadáver cruzificado para justificar a ressurreiçom e continuar a alternativa que estavam a construir em relativa igualdade. Especulaçom sobre a experiência anastásica tam absurda ou aceitável como as que afirmam que elas tivérom visons antes que os homens pola febleza mental da sua feminidade. Sim, reputados peritos racionalistas defendem isto alicerçando-o nos seus atributos masculinos à vista de todas. De facto, Mateu tivo que inventar que havia umha guarda de soldados diante da cova random para executados por sediçom (segundo Marcos e Feitos dos Apóstolos) em retruque ao ruxe-ruxe, que ele mesmo recolhe, de que os discípulos roubaram o corpo. Mas que discípulos? Só ficaram as mulheres. Este dado, permanente mália as variaçons do relato da tomba valeira, assinala a sua verosimilitude. A ninguém se lhe ocorreria inventar um prodígio que só presenciassem mulheres naquele mundo tam afastado do nosso.
Outra questom interessante quanto à mensagem jesuánica original é a do divórcio. Jesus proíbiu o divórcio da sua época, quer dizer, que o homem pudesse abandonar a mulher à fame e à miséria segundo lhe petar (Marcos 10: 2-12). Para o justificar apelou ao primeiro Génesis frente ao segundo. Sim, há dous. O primeiro e mais antigo di que Deus nos criou ao mesmo tempo e em igualdade: “Criou Deus o ser humano à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (Génesis 1: 27). Pola contra, o segundo Génesis, escrito após o exílio em Babilónia, naturaliza a subalternizaçom das mulheres, é a história de Adám e Eva calcada da mitologia messopotámica.
O tabu do sangue menstrual proscrevia o contacto coas mulheres durante a regra, como anotamos acima. Porém, no relato da hemorroísa, presente nos três evangelhos sinópticos, umha mulher que sofria fortes hemorragias vaginais, menorragia, toca a Jesus aproveitando a multitude para ser curada. Ele decata-se e, no canto de rifar-lhe e condená-la segundo a norma judia, gaba-a e sanda-a. O milagre serve para rachar a proibiçom ilustrando-a através do feito extraordinário. Do mesmo modo, em Lucas 7, um fariseu convida a jantar a Jesus no entanto umha pecadora, de súpeto, entra e “começou a regar-lhe os pés com bágoas, e enxugava-lhos cos cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés, e ungia-o co ungüento.” O fariseu rosma: “Se este homem fosse profeta, saberia quem nele está tocando e que tipo de mulher é: umha pecadora“. Jesus, cacha-o e responde-lhe: “os muitos pecados dela fôrom-lhe perdoados, porque que ela amou muito. Mas aquele a quem pouco foi perdoado, pouco ama”. Nos outros três evangelhos a história aparece mudada, a unçom semelha mais um ritual messiânico prévio à entrada como rei em Jerusalém e é realizado pola mulher para escândalo dos apóstolos. Em Mateu 21:31 Jesus acrescenta ainda mais esta linha ao espetar-lhes aos sacerdotes do templo de Jerusalém que as prostituídas ham ver o reino de Deus antes ca eles.
O messianismo jesuánico começou como um movimento revolucionário continuador do de Joám Baptista e espalhou-se por todo o império graças ao imenso labor reformulador e militante de Paulo de Tarso. Dumha primeira fase assemblearista e igualitária, acabou por institucionalizar-se e adoptar o sentido comum imperial, misógino, ao ver frustradas as expectativas apocalípticas que alimentara a destruçom do Templo de Jerusalém no 70 d.C. A dia de hoje, que a igreja católica continue a proibir o sacerdócio feminino carece totalmente de base histórica e implica o triunfo desse arredamento da mensagem original do Jesus real e do apóstolo Paulo. Igual de absurdo que manter a proibiçom do divórcio ou do aborto, medidas engenhadas para a proteçom das mulheres no cristianismo primitivo e hoje empregadas para coutar a sua liberdade. Este processo de estoupido, frustraçom, institucionalizaçom e acomodamento reitara-se na história dos movimentos revolucionários quando as mudanças nom dam chegado. Poderíamos dizer que o cristianismo constitui um arquétipo desse devalar para todos eles. Também por essa razom cumpre estudarmo-lo detidamente. A isso havemos dedicar o vindouro e derradeiro artigo desta série.
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