A história do processo de independência é, também, a história da evoluçom da desobediência civil em Catalunya, que nesta última década estivo marcada polo cenário dum choque que começa com campanhas de reivindicaçom cidadá com a consigna de “Nom quero pagar” e culmina no referendum do Primeiro de Outubro. No “Manual de desobediência civil” (Saldonar Edicions, 2019), os ativistas Mark e Paul Engler abordam a prática da resistência nom-violenta desde um ponto de vista teórico, sistematizando-o com umha dezena de exemplos de vários contextos geográficos e temporais. Falam da desobediência civil, e da importância que tem no caso catalám, com motivo da presença dos irmaos Engler a Barcelona, onde fôrom convidados polo Institut Internacional per a l’Acció Noviolenta (Novact).

—A polarizaçom é um conceito do que os políticos sempre fogem, mas vós dizedes que é essencial para o êxito dos movimentos sociais.

—Mark Engler [M. E.]: Os políticos e o público geral vem a polarizaçom de forma negativa. Mas para os movimentos sociais a polarizaçom é absolutamente crucial, porque obriga à gente a tomar posiçom. O jornalista Ezra Klein, por exemplo, diz no seu livro mais recente que o contrário da polarizaçom nom é a unidade, como se acostuma dizer, mas a supressom dos problemas sócio-políticos. Em ausência de polarizaçom, aqueles problemas continuam a ser importantes, evidentemente, mas simplesmente deixa-se de falar deles.

—Paul Engler [P. E.]: Os políticos e o público habitua pensar que a polarizaçom é destrutiva, que para resolver os problemas é necessária a unidade. Creem que a unidade tam só se pode conseguir a câmbio de rebaixar a tensom. Mas se olhas para as grandes vitórias dos movimentos sociais no curso da história, verás que a grande maioria chegárom logo de anos de atiçar a polarizaçom, e nom de procurar a conciliaçom.

—Explicam-nos que o motor das transformaçons nom som os políticos, mas a opiniom pública. Mas agora reconhece-se que o que a sociedade entende como violência, como represom, depende de fatores sociais e culturais.

—P. E.: A nós nom nos interessa a desobediência civil polo seu valor moral, mas polo seu valor estratégico. A maioria da gente, e boa parte dos ativistas, nom tenhem um marco conceptual para avaliar se umha acçom de protesto é efetiva ou nom, e por isso se costuma levar o debate ao terreio da moral, arredor da questom de se umha acçom concreta é moralmente justificada ou nom. Mas para que umha acçom seja efetiva deve ser polarizante, e polo tanto controvertida. Por isso é importante que os movimentos sociais procurem este equilíbrio, que procurem umha acçom que seja controvertida mas que atraia à gente. Isso também é um critério que muda dum país a outro: nos Estados Unidos, por exemplo, sabem bem em que ponto começa a haver vandalismo num protesto, e a gente dá as costas a isso. Mas em América Latina, por exemplo, o vandalismo contra a propriedade é considerado parte natural dum protesto, e nom é particularmente polarizador. Assim que o contexto cultural importa. Mas insisto: é importante centrar-se na questom de qual é o efeito dumha acçom, nom se está justificada ou nom.

—Mas isso é supor que a opiniom pública simpatiza de entrada coas vítimas da repressom. Penso agora no estado espanhol, onde a persecuçom do independentismo nom semelha ter mudado substancialmente a opiniom pública sobre o movimento.

—M. E.: Há teóricas da resistência civil, como agora Gene Sharp, que nos dim que apelar à consciência do teu oponente sempre é positivo, mas nom estritamente necessário. O objetivo de movimentos como agora o independentismo nom é convencer o oponente, mas marginá-lo e deslegitimá-lo. Esta “conversom moral” é mui importante na nom-violência de Gandhi, mas nom tanto na no- violência estratégica que nós defendemos. Na nom-violência estratégica, a chave é fazer visível a violência que sustenta o status quo. Chama-se o “paradoxo da opressom”. Muitos estados creem que a repressom é umha forma efetiva de aplastar a dissidência e evitar que a gente se organize, mas acostuma acontecer que a repressom remata tendo justamente o efeito contrário: a gente vê cenas de violência, indigna-se e decide mobilizar-se. Agora, isso nom acontece sempre: às vezes, desafortunadamente, a repressom é efetiva, sobretudo em regimes ditatoriais que assassinam e aprisionam dissidentes com impunidade. Por isso convém mirar de antecipar-se à reaçom do estado à hora de protestarmos, e preparar-nos pola possibilidade da repressom. Nom é umha tarefa singela.

—A nível pessoal, a repressom sempre é catastrófica. Mas vós dizedes que é indispensável para o êxito dum movimento.

—P. E.: Acho que é injusto dizer que os movimentos sociais procurem a repressom ativamente, mas si é certo que um movimento social é efetivo quando se antecipa à repressom do estado, quando prevê as consequências da repressom: é o paradoxo da repressom do que falávamos antes. À hora de examinar o crescimento dum movimento, centramo-nos em três fatores chave: o sacrifício, a disrupçom e a capacidade de escalada. Se protesto baixo o sol do meu jardim nom lhe importará a ninguém, mas se me organizo com mais pessoas e protestamos no meio da rua ou ocupamos a oficina dum político, por exemplo, a reivindicaçom será mais difícil de ser ignorada, e será mais singelo chamar a atençom do público. Aqui é onde entra em jogo a ideia do sacrifício: se o público percebe um sacrifício será mais empático coa tua causa e mais propenso a polarizar-se no teu favor. Isso pode acontecer sem a intervençom do estado –com umha greve de fame, por exemplo–, mas a repressom estatal evidentemente acelera este processo. Se indagarmos na história de muitos movimentos sociais, veremos que van começar a colher voo quando o estado interviu para reprimi-los.

—M. E.: Na literatura sobre desobediência civil existe o conceito de “aikido político”, que consiste em aproveitar a energia do oponente na sua contra. Isso é umha cousa que vemos umha vez e outra no caso dos movimentos sociais: a repressom do estado, particularmente si é cruenta, tem um efeito bumerangue que ajuda a dar suporte público à causa. É por isso que a nom-violência é tam importante: ajuda a “proteger” os movimentos porque quando chega a hora da repressom a gente tem simpatizado. Se o movimento foi violento, pola contra, amiúde a percepçom do público é que a repressom do estado está justificada.

—Som necessárias pessoas mártires?

—P. E.: Nom sei se se pode afirmar, estritamente falando, que as mártires sejam necessárias para o êxito dum movimento. Mas é um feito que a história da desobediência civil está cheia de mártires. É aquilo da famosa frase de Gandhi que diz –e parafraseio– umha naçom nunca nasceu sem o sangue dos seus mártires. O sacrifício da gente que morre pola causa é, certamente, umha das grandes forças que propulsa um movimento e ajuda-o a ganhar-se o apoio do público. Se um movimento colhe a suficiente força, é difícil que careza de mártires. Gene Sharp, o teórico da desobediência civil, diz –e eu comparto-o– que é ingénuo pensar que na luita nom-violenta nom haverá mortes. Está claro que haverá mortes, e estas mortes podem ser umha fonte de poder e força para o movimento.

—M. E.: Com isto nom queremos dizer que os movimentos sociais tenham que incitar à repressom e o martírio, está claro. Mas um movimento maduro deve ser consciente que a repressom e as mártires som um risco da luita e deve ajustar as suas acçons a esta possibilidade.

—Expliquei que os movimentos sociais avançam ciclicamente: há momentos de alta atividade, que nom costumam durar mais dum par de meses, e momentos de baixa atividade, que podem alongar-se anos.

—P. E.: O público e os meios amiúdo nom entendem que os movimentos sociais nom avancem linearmente, que há momentos de alta atividade e momentos de baixa atividade. Isso é mui importante de entender, porque os movimentos muitas vezes medram a partir de eventos concretos que fam que as reivindicaçons entrem no imaginário público. Quando acontece isso, pode semelhar brevemente que o movimento é imparável, mas inevitavelmente chega um ponto no que começa a decair e a gente pensa que o movimento fracassou.

—M. E.: Numha situaçom como essa, é singelo sucumbir ao cinismo. Mas se estudas a história da luita social, verás que os movimentos em realidade avançam ciclicamente, e que costumam medrar graças a situaçons externas que fam que a gente saia à rua e se desencadeie um pico de atividade. Mas é nestes interlúdios entre períodos de atividade alta e períodos de atividade baixa que os movimentos conseguem o apoio passivo do público, que é crucial para o êxito da causa. No curto prazo nom é voz, isto. Mas é importantíssimo. Nós estimamos que os movimentos sociais necessitam umha meia duns quinze anos, mais ou menos, para solidificar as suas reivindicaçons no imaginário coletivo.

—Semelha que o independentismo está nestes momentos nesta segunda fase…

—M. E.: Antes de nada, devo dizer que eu simpatizo muito com todas as ativistas que se sentem cansadas de luitar sem resultados aparentes. É difícil. Eu entendo que houver independentistas que se poidam sentir abatidas porque o movimento nom avança. Mas se estudas a história dos movimentos de todo o mundo, observarás que isso –momentos de grande atividade, seguidos de momentos de baixa atividade– aconteceu umha vez trás outra. Para mim, descobrir isso vai significar umha injecçom de autoestima mui importante. Há um gráfico de Bill Moyer, outro teórico da desobediência civil, que explica precisamente este processo de altos e baixos que experimentam os movimentos sociais. Este gráfico traslada muita esperança às ativistas, porque elas vem, por dizê-lo cruamente, que nom todo está perdido. Sempre dixem que pôr a ênfase nos resultados imediatos impede às ativistas ver os câmbios que conseguírom. Mas convém observar como transformárom a sociedade, como conseguírom construir estruturas organizativas enormes que transformárom a consciência da gente.

Evoluçom das expectativas dos diversos setores de um movimento social ao longo do tempo segundo o teórico Bill Moyer. Amarelo corresponde aos reformistas, verde escuro aos radicais, verde claro ao público e laranja aos organizadores. Fonte: Commons Library.

—Também dizedes que convém integrar estes picos de atividade na estrutura e a organizaçom do movimento. Penso no caso do Tsunami Democràtic, um aparelho de mobilizaçom formidável que o independentismo deixou perder.

—P. E.: Este é o grande dilema dum movimento: como criar as estruturas que permitam absorver, a longo prazo, toda a gente que sai à rua nos momentos de grande mobilizaçom? As mobilizaçons de massas, por definiçom, som fenómenos temporais, e porém nom podem substituir o trabalho organizativo de base que sustenta um movimento. O Tsunami Democràtic foi incrivelmente efetivo à hora de estimular a mobilizaçom, mas nom podemos aguardar que faga mais do que podia fazer. Mas na contra de fazer esta análise, tendemos a pensar que foi um fracasso porque logo dos protestos do outono de 2019 caiu em desuso. Creio que convém fazer umha mirada mais ampla: naquele momento, o Tsunami era a melhor opçom para fazer medrar a mobilizaçom e manter o impulso do movimento independentista? Muitas vezes, os movimentos necessitam canais de mobilizaçom temporais, como agora o Tsunami Democràtic, que sejam capazes de continuar fazer medrar a tensom quando outras organizaçons nom podem.

—M. E.: Voltemos ao exemplo da cancelaçom da dívida estudantil nos Estados Unidos. Há muita gente do movimento que viu a cancelaçom como umha derrota, porque Biden decidiu cancelar 10.000 dólares por pessoa e nom pagar toda a dívida, como reclamavam muitas ativistas. Sim, os 10.000 dólares som umha concesom, mas, seja como for, falamos de muito dinheiro, é umha quantidade que pode afetar mui positivamente a vida da gente. Quando se aprova umha medida como esta, todos os políticos vam tratar de sacar rédito –os que estavamo a favor e os que nom, como agora o próprio presidente Biden. Mas que tomáram esta medida é consequência de anos e anos de presom, de luita social e política. A gente muitas vezes esquece isto, porque muita gente costuma ter umha visom monolítica da política, que atribui os câmbios às responsáveis de aprová-los. Mas é deste jeito.

—Som céticos sobre a importância das líderes nos movimentos sociais?

—M. E.: Nós nom estamos em contra das dirigentes. Necessitemos dirigentes, e está claro que nom todo mundo pode ser líder. Mas si que somos mui críticos com a liderança carismática ou centralizada. Um movimento nom pode depender dumhas poucas dirigentes, porque diante da repressom do estado som susceptíveis de rematar cedendo, por exemplo, pola pressom. Eu nom tenho o suficiente conhecimento para opinar sobre o caso específico do independentismo, mas si lembraria que um movimento que depende em excesso dos seus líderes é um movimento vulnerável. É importante que os movimentos nom perpetuem esta mitologia monolítica que identifica a causa cum cara visível ou com umhas poucas.

—Todos os movimentos dos que falades no “Manual de desobediência civil” tenhem algo em comum: vam ser luitas longas e árduas; de anos, mesmo décadas.

—M. E.: A gente, e ao final todas as ativistas, muitas vezes examinam os êxitos dum movimento com umha escala temporal mui curta: fas umha acçom, e espera-se que imediatamente consigas aquilo que demandas. Mas as reivindicaçons sociais e políticas muitas vezes tardam muito tempo em fazer-se realidade. O independentismo é um exemplo disto que explico. A questom nom é se as táticas que se levárom adiante fôrom efetivas, num sentido imediato. A questom é se essas táticas ajudárom a fazer medrar o movimento, se fortalecérom as organizaçons e ajudárom a ter mais recursos. E eu diria que a resposta é que sim.

* Entrevista realizada por Blai Avià i Nóvoa para Vilaweb.cat. Traduçom do Galiza Livre.