Na atualidade quase ninguém no mundo académico nom confessional duvida da existência do Jesus histórico. Cumpre nom confundi-lo co Cristo da fé, umha elaboraçom dos seus seguidores após a execuçom na cruz, que embafa qualquer pesquisa da materialidade do primeiro. Mas quem era este fugidio personagem da Palestina do século I?
Entre o ano 30 e o 36 da nossa Era foi ajustiçado polo império romano da maneira reservada para os sediciosos, o que hoje o novo império chamaria terroristas. A cruz era o castigo para os rebeldes contra a autoridade romana, nom se puniam assim ladrons ou assassinos comuns, apenas insurgentes sem cidadania romana. No espeto onde os penduravam chantavam um título coa acusaçom que os conduzira a tam terrível final. A de Yeshua bar Yoseph, segundo os evangelhos, estava escrita em arameu, latim e grego e deixava claro o motivo da condena: “Jesus o nazir, rei dos judeus”. O nazirato era um voto religioso de extrema entrega a Yahvé polo que o crente renunciava a vários prazeres e ostentaçons mundanos. A sua consagraçom manifestava-se em deixar medrar o cabelo e a barba. No evangelho de Marcos aparece muito mais nazoreo, nazir, que nazareno, da ainda inexistente cidade de Nazareth. Do mesmo jeito, proclamar-se rei dos Judeus implicava naquela altura independizar Galileia e Judeia, partes da província de Síria, da autoridade imperial.
Canda este crucificado pendurárom outros dous rebeldes. As crucifixons múltiplas na primeira metade dos anos 30 nom eram tam frequentes como pudermos pensar. Entre o levantamento de Judas de Gamala, no ano 6 da nossa Era, e a destruçom do templo de Jerusalem a maos de Tito no ano 70, transcorrera em Palestina um período de relativa paz. Que acontecera para que o prefeito Pôncio Pilatos achasse delito de laesa maiestas o perpetrado por aqueles três indivíduos?
Os evangelhos som fontes apologéticas, panfletos escritos para o engrandecimento de Jesus desde os olhos da fé no Cristo, nom crónicas históricas. Assim mesmo, a nova que o escritor Flávio Josefo nos fornece nas Antiguidades Judias sobre o nosso personagem foi claramente interpolada por umha mao cristá nas cópias posteriores do texto que nos chegárom. Nengum académico nom confessional duvida disso hoje em dia. Do mesmo jeito, do que conservamos dos Annales de Tácito, curiosamente faltam os anos que nos interessam. Por isso o labor da crítica histórica moderna consiste em extrair do Novo Testamento a informaçom verosímil daquele galileu executado.
Porém, o evangelho mais antigo, o de Marcos, foi escrito ao pouco do esmagamento da rebeliom judia do ano 70. Por todo o império estoupara um anti-semitismo profundo, semelhante ao anti-islamismo posterior aos atentados do 11-S deste século. Acima, o texto ia dirigido a um público precisamente romano como umha apologia do cristianismo. Ainda para mais, todo o que conservamos no cánone bíblico neotestamentário é paulino, quer dizer influído pola teologia de Paulo de Tarso. Este judeu helenizado espiritualizou e pacificou a narrativa messiánica do movimento jesuánico com neoplatonismo ao tempo que a universalizou para além dos limites do povo de Israel. Contodo, mália a dulcificaçom e manipulaçom aberta dos textos evangélicos, resistírom pontos reveladores mantidos pola tradiçom que herdaram. Os mais plausíveis som aqueles que precisamente entram em contradiçom co credo paulino e que, mesmo assim, tivérom que ser inseridos na narraçom pola sua continuidade nas comunidades cristás primitivas.
Neste senso, o próprio itinerário de Jesus como taumaturgo e predicador por Galileia revela umha esquiva permanente das cidades mais povoadas, assim como um cruze contínuo de fronteiras. Os evangelistas sinópticos sinalam, por riba, a perseguiçom da polícia de Herodes Antipas, o etnarca ao serviço de Roma que governava Galileia. No evangelho abundam os ocultamentos em casas, as fugidas em barca polo lago de Genesaret e as escapadas ào terreio deserto, bortar-se ao monte.
Pola mesma, entrar em Jerusalém nas festas, a cavalo dum burrinho, como interpretava o povo judeu que havia chegar o messias segundo a profecia de Zacarias, entre berros dos seus seguidores chamando-lhe rei, di muito. Deseguido, internar-se no Templo de Jerusalém, gerido por sacerdotes colaboracionistas do poder imperial, e desencadear um tumulto expulsando os mercaderes do pátio dos gentis e os seu animais. Aliás, na festa grande da religiom judia em que a cidade se ateigava de peregrinos a celebrarem a liberaçom dos hebreus da escravitude egípcia, o Pessach, a Páscoa. Vamos, como montá-la no nosso Dia da Patría penetrando violentamente na catedral para empecer a oferenda régia espanhola e deixando mortos no rebúmbio. Sim, mortos…
Os evangelistas separam os distúrbios no templo da condena a morte. Porém, brilha um fio no evangelho de Marcos que sobressai trás a tentativa de manipulaçom. Quando Marcos escreve, é sabedor de que nos registos da administraçom imperial constam os feitos e a causa judicial que levárom a Jesus e a outros dous rebeldes judeus à cruz. Cumpria-lhe adaptar a imagem do Cristo pacífico e espiritual aos acontecimentos reais, imutáveis para a documentaçom oficial. Mais ainda em tempo de ódio ao separatismo judeu. Assim, o assalto ao templo dissocia-se da revolta na cidade que a sucedeu e cria-se um pandote, um personagem co mesmo nome que é o verdadeiro culpável frente ao Jesus inocente, Barrabás. O nome di-o todo. Nas cópias mais antigas do evangelho de Marcos, Barrabás também se chama Jesus, Jesus Barrabás. Mas que quer dizer o apelido? Filho de Abbá, papai em arameu. Abbá é umha expressom única em Jesus para se referir a Deus, nengum outro rabbi da época a utilizou. De feito, o rezo d’O Nosso Pai começa em arameu coa palavra Abbá. Quer dizer, Jesus Barrabás significa “Jesus o filho do pai”. Dele, o evangelho de Marcos afirma em 15,7: “Nesse tempo, um homem chamado Jesus Barrabás estava preso junto cos rebeldes que cometeram um assassinato na revolta.” Porém, nom se nos fala nesse evangelho de nengumha revolta anterior. Ou presupom-se que o público leitor já a conhece ou foi eliminada do texto original a posteriori. O que resulta evidente é que os outros dous condenados à cruz fôrom detidos nessa inssurreiçom. A maneira de nomeá-los é lestai em grego. Este termo nom se deve traduzir como ladrom, senom como bandido. É justo a mesma palavra que o historiador Flávio Josefo empregou na mesma altura para se referir aos rebeldes hebreus armados no seu livro das Antiguidades Judias.
O evangelho de Lucas, escrito como mínimo mais dumha década depois do de Marcos e seguindo a este, achega um pequeno dado mais do tumulto. Em Lucas 13:4 lemos: “Daquela, chegárom algumhas pessoas levando notícias a Jesus sobre os galileus que Pilatos matara misturando o seu sangue co dos sacrifícios.” A crítica atual vincula o feito coa revolta da que fala Marcos e situa-a na Páscoa, o momento habitual para os levantamentos anti-romanos. Reparemos em que os mortos eram galileus, como o grupo de seguidores co que Jesus entrara na cidade a aclamá-lo, e que as mortes se produzírom no mesmo templo, onde se celebravam os sacrifícios de animais na Páscoa.
Lucas, que escreve mais longe da vaga de anti-semitismo que Marcos, deixa sair ainda mais mostras de violência defensiva na missom de Jesus. Na última ceia, enquanto os soldados, decerto, os andavam a procurar por umha cidade que triplicava a sua populaçom habitual na Páscoa, Jesus di em Lc 22:36-37: “Agora, porém, quem tiver bolsa, deve colhê-la, como também umha sacola; e quem nom tiver espada, venda o manto para comprar umha. Pois eu digo-vos: é preciso que se cumpra em mim a palavra da Escritura: ‘Ele foi incluído entre os fora-da-lei’. E o que foi dito sobre mim, vai-se realizar.” Poderia-se entender como umha expressom simbólica, mas no versículo seguinte os apóstolos respondem e fica bastante clara a realidade da cena: “Senhor, aqui estám duas espadas.” Jesus sentencia: “Som avondas!” Abofé que umha delas foi a que brandiu Pedro para confrontar a detençom no Monte das Oliveiras pouco depois. Pola sua banda, o evangelho de Mateu também fala de espadas, em Mt 10, 34 Jesus afirma: “Nom vim trazer a paz, senom a espada”.
Desde a altura do século XXI poderíamos cuidar que a sociedade romana era muito mais violenta do que a nossa e que resultava habitual portar espadas. É certo que os comerciantes e viageiros podiam levar dagas e cuitelos para se proteger dos assaltantes. Porém, a palavra empregada por Lucas em grego, máchaira, fai referência ao gladius romano, a arma militar por excelência na altura. A forja desta espada e a sua adquisiçom resultava cara e difícil, pois estava proibido o seu emprego e possessom por quem carecesse de cidadania. Continuando a analogia, poderíamos enxergar a vanguarda do grupo que a armou o Dia da Pátria na catedral agochado trás a desfeita e com duas pistolas Glock 19 de 9mms.
A detençom noturna em Getsemani, no Monte das Oliveiras situado fora das muralhas da cidade, ao carom, tampouco é casual. Na Páscoa os peregrinos acampavam nos arredores de Jerusalém num mar de tendas que faziam mui difícil a localizaçom duns fugidos. Aliás, O Monte das Oliveiras é o espaço por onde se aguardava que aparecesse o messias prometido. Ainda hoje, neste lugar de Palestina, podemos encontrar tombas judias de diferentes períodos pertencentes a fieis dessa religiom que quigérom ser os primeiros em ressuscitar na data esperada. Mas que se desprende do que nos contam os evangelistas? Judas, um dos seguidores, viu todo perdido e delatou o grupo oculto às autoridades em troca da sua vida. Guiou-nos entre a massa até a localizaçom dos insurgentes. O evangelho de Marcos, o mais antigo, nom fala de que se lhe pagasse rem pola delaçom do seu líder. A operaçom tivo lugar de noite porque, como testemunham os próprios evangelhos, de dia implicaria um massacre entre as greias de peregrinos que defenderiam os perseguidos. No momento da redada produzírom-se enfrentamentos armados com feridos e, ao cabo, o cabeça entregou-se para facilitar a fugida do grupo. Todos o abandonárom e escapárom para Galileia estarrecidos e completamente destruídos pola derrota salvo as mulheres, com menos risco de sofrer a repressom imperial. Após umha vista rápida, Pilato condenou a Jesus e dous dos seus seguidores, capturados em plena revolta ou na redada posterior, a mors agravatta. Tinha pressa porque se achegava o sábado de Páscoa, o mais santo, e nom podia haver cadáveres colgando às portas da cidade.
Hoje sabemos que nunca existiu costume de ceivar um preso na Páscoa e que jamais um prefeito co perfil que Flávio Josefo lhe traça a Pilato faria isso com um rebelde político como o imaginário Barrabás. O evangelista Marcos inventou essa história duplicando a Jesus para exculpá-lo das acusaçons de insurgência que o levárom à morte e, assemade, incriminar o povo judeu na sua execuçom. O prefeito romano lava as maos e os judeus clamam para que mate o réu inocente e ceive um rebelde armado. Resulta evidente que, assim, o público romano ao que Marcos dirigiu o evangelho havia digerir muito melhor a boa nova que identificando o filho de Deus com um revolucionário como os que o império derrotara no ano 70. Amais, deste jeito, absolvia a Roma da morte do messias e somava-se ao ódio anti-judeu que campava polo império quando escreveu. Abofé que, na breve documentaçom hoje perdida daquela vista judicial, o nome que apareceria havia ser o de Jesus filho do Pai identificado coa mesma pessoa que Jesus o Nazoreo, o nazir. Um revolucionário galileu do século I, um tempo em que, como dixo Marx, a ideologia era teologia.
Bibliografia
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