Um dia qualquer mancas um pé, algo tam comum como fraturar o quinto metatarso e vives em carne própria a falácia do individualismo. Já o sabias, claro, mas agora cada segundo, tic tac, despe-te da tua inutilidade, dessa incapacidade de andar dous passos fazendo equilíbrios (abençoado tai chi) para ir ao escusado só. Ti, que como decrescentista, sabes que todos necessitamos de todos e que nalgum momento das nossas vidas o imos experimentar, mália isso sentes-te culpável de necessitar os demais, incluso os teus demais. Herdança produtivista intergeracional.
Por outra banda, umha fratura, mesmo nom grave, fai-che ver mais claramente o esfarelamento do sistema público de saúde. Marchas de urgencias com um informe esqueto, umhas receitas de analgésicos e anti-inflamatórios e um conselho de que te auto-injectes eparina na barriga para evitar trombos. Tal como aquela parodia de Mr. Beem da auto-medicina. Da tua conta correm os gastos em muletas, sapato de descarga parcial, fisioterapia…ou, de nom ter pecúnio, encomendar-se à virgem de Lourdes ou de Chamorro. Nom é desídia dos sanitários senom mercantilizaçom do sistema de saúde, desinvestimento e deriva dos quartos públicos cara a medicina privada, essa que só certo nível de ingressos permite pagar. Essa que se desentende de ti quando tens algo grave ou nom rendível.
Mas todo tem as duas facianas. Nom poder salvar as escaleiras e carecer de ascensor confina-te a um encarceramento delongado. Sorte se nom vives só e tens quem che achegue a comida e os cuidados. Porque vivemos numha sociedade em que umha parte da cidadania vive soa, é idosa ou com algumha dependência. Numha sociedade onde nom temos um serviço público ou comunitário de cuidados. Umha sociedade em que umha pessoa que padecer qualquer doença degenerativa ou um accidente que a fai depender dumha cadeira de rodas é forçada a viver fechada de por vida num edifício-rateira sem romper ainda no século XXI as barreiras arquitetónicas.
O concelho de Ferrol, com umha populaçom avelhentada, seria ideal para pôr em marcha um programa sério e comunitário de economia feminista que resolva o conflito capital-vida e, de resultas, fixe trabalho local em cooperativas de cuidados. Emerger toda essa economia invisibilizada que terma das costas das mulheres, mormente. Das mulheres desta banda do planeta e agora, coa liberaçom da mulher, também das mulheres migrantes que se vem forçadas a abandonar os seus para cuidar os nossos em condiçons de precariado perpétuo quando nom de ilegalidade.
Quando umha mancadura reduz a tua velocidade, fai-te temporalmente sedentária e os teus movimentos vam ao ritmo do caracol, surge essa reflexom acougada que tínhamos no mundo pré-virtual que nos trai a capacidade relacional de ideias e vivências. E umha pergunta teimuda ressoa nas nossas tempas, por que os meios recolhem o feminismo da igualdade e com essa mínima aspiraçom a quebrar o teito de cristal e ficar só na paridade? Por que ser feminista se limita a querer igualar o mundo patriarcal competitivo, individualista e excluínte dos homes? Quando umha política realmente feminista consistiria, pola contra, em invertir os valores de crescimento e competitividade, de desigualdade e saqueio territorial?
Um dia qualqur mancas um pé e decatas-te de que ninguém sobrevive no individualismo. Decatas-te de que somos seres sociais, como muito individuos (im dividuus, nom divisíveis) eis que o nosso corpo nom se pode dividir, que se nos cortam pola metade morreremos, cousa que nom lhe pasa a umha planta. Dás-te de conta de que umha árvore se asemelha muito mais a umha colónia de abelhas ou de formigas do que a um animal isolado. Porque, como dim Stefano Mancuso e Alessandra Viola no livro Sensibilidade e inteligência no mundo vegetal, as plantas, mália ser tam antigas, som excepcionalmente modernas porque empregam propriedades emergentes, típicas dos superorganismos ou as inteligências de enxámio, baseadas nas conexons em grupo em que se assentam moitas das tecnologias surgidas coa apariçom de Internet. Trata-se daquelas propriedades que as entidades individuais desenvolvem só em virtude do funcionamento unitário do conjunto. Nengum dos seus componentes as possui de jeito autónomo, como acontece coas abelhas e as formigas, que unindo-se em colónias desenvolvem umha inteligência coletiva que ultrapassa a das partes individuais que a constituem.
Pode que a nossa perda da vida comunitária, varrida polo neoliberalismo, e esse conceito de progresso esquecido dos limites biofísicos do planeta, nos empeça reconhecer o mundo vegetal como um organismo social tam sofisticado e evoluído coma nós. A isto contribui a diferença de escada temporal. As plantas movem-se tam de vagar que a nossa olhada nom o percebe e pode que por isso e polo nosso isolamento da natureza, cuidemos que som seres inanimados, objetos ao nosso dispor para mercantilizar. Mas as plantas espalham-se por todo o território graças aos insetos e aves que agem como o seu correio postal. Paradoxalmente, somos dependentes delas. Elas geram a energia que nós malgastamos em inutilidades (madeira, carbom, petróleo e demais fósseis) polo que som o sustém da nossa civilizaçom. Produzem o oxígeno e absorvem o CO2 e substâncias contaminantes, moderando o clima. Quiçais por isso os banhos de bosque reduzem o nosso estrés e melhoram o nosso estado de ánimo, acurtando o tempo de sanaçom das doenças. Se amanhá desaparecerem as plantas da Terra, a vida humana sobreviveria uns meses acaso. Se nós desaparecermos, as plantas reapropriariam-se do território e em arredor dum século nom ficaria pegada da nossa milenária civilizaçom que nom ficasse soterrada no verde. Elas aprendem-nos a humildade e nós respondemos cos incêndios provocados.
Um dos principais ensinos do ecofeminismo é valorar essa obrigada dependência intra e inter espécies, esse delicado equilíbrio ecosistémico que mantém a vida no planeta e que nos preme a recuperar a gestom comunitária e racional do território. O seu reto é hoje mudar a escala de valores da sociedade e educarmo-nos na consciência dumha inteligência sensível. Potenciar a nossa sensibilidade, trabalhar os cinco sentidos a fundo e devagar desde crianças na humilde sabedoria de reconhecer que carecemos dos outros quinze sentidos mais que as plantas tenhem pois elas, sendo bem mais sensíveis ca nós, som quem de sentir e calcular a gravidade, os campos electromagnéticos, a humidade e analisar avondosos gradientes químicos. Amais de se orientar, falar entre elas, com outros animais ou mesmo reconhecer os seus familiares.
Assim que quando tiverdes que ficar aqui plantados coma mim, embora for um bocado de tempo, nom o tenhades a menos.