[Na acçom, três copos de cristal em riba da mesa: um com geo, um com auga, outro valeiro]
[“Sometimes making something leads to nothing” de Francys Alys]
[“The sound of ice melting” de Paul Kos]
A matéria é todo aquilo que tem lugar. Que sofre mudanças.
A matéria é energia. A matéria curva o espaço e o tempo. Poderíamos dizer que a matéria modula a nossa realidade palpável, as dimensons. O nosso todo. E pesar de todo, tam difícil de definir. E a pesar disto, tam presente. Tam questionável. Irresistível o ato de afundar no conceito e pensar: que há além da matéria?
A linguagem também tem matéria. A realizaçom da linguagem, esse ser vivo tam abstrato, tam etéreo, tam impreciso, rico e complexo, tem materialidade também. Desde o músculo da língua, às neuronas, o espaço no que flutuam as ondas do som.
A luz também tem matéria, coas partículas elementares chamadas fotons. A realidade material da poesia é a palavra.
E a pesar de todo isto, quando pensamos nesta tríada, a linguagem na luz ou na poesia, intuímos que vai além da matéria ou quiçais tenhem entidade própria à parte dela ou através dela. Que som possíveis por algo mais que átomos e partículas e que existem noutra parte que nom atinge a termos como agora, aqui, depois, no que a matéria semelha encontrar-se ancorada.
Que somos animais de contradiçons Yolanda sabe-o bem. Ela mesma mo dixo numha conversa por telefone onte, ela no aeroporto vindo dum festival de poesia em Finlandia e eu no ómnibus vindo dum ensaio em Ribeira.
E a contradiçom mais essencialista que nos inculcou o heteropatriarcado é a seguinte: ser mulher e nom ser nai.
Neste libro que pudem palpar nas maos há uns dias (antes de poder tocá-lo eu, o editor, ou a mesma autora… o livro já existia antes de materializar-se) vim umha clara alegoria entre a carne e a auga. Nós somos matéria, compostas de auga, átomos de carbono, de células (lembremos que a palavra vem do latím cela)… Já sabemos que a matéria e a energia nom se criam nem se destruem, transformam-se. Ao nascer, ao reproduzirmo-nos e ao morrer, cambiamos de estado matérico. Passamos de ser líquidas, a ser sólidas a ser gasosas. Passamos dos líquidos amnióticos aos fluídos do sexo, da carne reja e brutal à matéria inerte quando morremos. As nossas fibras vem-se continuadas na carne das nossas filhas. Expiramos o último alento.
Assim, no livro vemos esta continuaçom da matéria através da genealogia. Umha genealogia arbórea, que nom necessariamente consanguínea. Yolanda fala das suas avós, fala da sua nai, do seu pai, do seu irmao. Mas também fala, por exemplo, das suas amigas, num poema onde as compara coas poldras (crias de cavalo ou pedras que atravessam um regato).
Umha genealogia interrompida por vontade própria. Ou, melhor que interrompida, deconstruída, ou redirecionada. Igual que mudar, mediante as pedras do leito, a direçom dum rio.
O poemário está divido em três seçons que encarnam os mais conhecidos estados da matéria representados pola auga, e relacionados intimamente co tempo: o primeiro, o estado líquido, entranha o passado (as raízes, os fluídos, a auga da que bebe o crescimento, o baptismo, a auga “rota”); o segundo, o estado sólido (o presente, o que se pode palpar, onde nos devemos assentar, o seguro, o estruturado); o terceiro, o estado gasoso (o futuro, a incerteza, o que nom se vê, o que se escapa das maos ainda que o tentemos apresar, que cria figuras cambiantes expostas à vontade dum sopro, que nom existe pero nom por isso é nada).
Esta terceira parte titulada Nube ou ingrávida, alude a esse estado também de levidade, esse nom-peso, essa magnitude da matéria, jogando na linguagem co conceito físico da gravidade. As que estivérom prenhes suponho que saberám do que falo dumha maneira que eu nom sei. Atlas em realidade tinha de ser umha mulher, e o peso do mundo estar de frente, nom às costas. E que paradoxal é, que dentro de algo que pesa, algo também aboie.
Nesta parte do livro Yolanda fala das suas filhas, fala-lhes a elas e a todas as suas possibilidades. Fala também do momento no que nom acode à cita da maternidade.
[valeirar um saquinho de teia com arroz dentro encol da mesa]
Todas conhecemos essa frase “vai-se-che passar o arroz”. Yolanda deixa que se derrame o arroz criando assim fileiras de planteis de arroz no Japóm. Fala também de quando ela mesma se derrama, “abres-me um colar de diminutos abortos”, que me lembra dende a Lady Macbeth à segunda voz de Three Womem de Sylvia Plath (“Perdo vida trás vida. A terra negra as bebe”), coma se das contas dum rosário se tratasse.
A mística (haverá quem interprete e quem nom que vai em contra da matéria) também está presente em alegorias à moral cristá, que tem a família como baluarte. Também na imaxinaria da mística oriental, no último poema (o deus Jizo de Japóm dos nenos abandonados “Tal vez Jizo e os nenos da auga estean da man a camiñar comigo”).
Outra cousa interessante que me comentou Yolanda foi que antontem caírom no exame das oposiçons para o professorado de literatura galega um poema deste livro e um poema de Feliz Idade, de Olga Novo. Estes dous poemários, dalgumha maneira, longe de ser antónimos (um celebra a maternidade e outro celebra a materialidade) complementam.se, envorcando dialeticamente no discurso as nossas opçons como mulheres livres.
Yolanda também queria desmitificar a figura da nai e terra que tam bem analiza Helena Miguélez-Carbalheira em Galiza, um povo sentimental. A Matria. Yolanda, corrompendo esse conceito já corrupto de por si, arvora o e como umha prótese ligüística e intencional, titulando um dos seus poemas com essa letra.
“A xente devece por multiplicarse.
Eu,
dividiriame”
Também Yolanda, o epítome da poeta galega nómade, me falou da ancoragem que supom um filho, nos sentidos que esta palavra implique, como outra sorte de prótese. Outra questom: ancora-nos mais o passado ou o futuro- as raízes ou as pólas? Por isso, eu interpreto o seu canto como um canto ao presente, por essa Yolanda sólida que escreve cartas às suas hipotéticas ou infinitas filhas (infinitas porque nom acontecérom). Um canto pola matéria que edifica ela por si própria. Umha matéria que se configura a si mesma, e que nom precisa de templos ortodoxos nem estruturas familiares, de casas da infância. Umha mulher que se moldeia, trabalha, acelera, que cria inércia, que resiste, a través da linguagem. Que nom necessita gravidez nem gravidade, nem curvatura nengumha, porque ela, só co verbo e a açom, pode curvar o tempo e o espaço de sobra. Assim é como a linguagem pode ser matéria.
A poesia é todo o que tem lugar.
Apresentaçom lida em Couceiro o 21 de junho