Redacçom / Nestes dias sinistros para a Galiza, contactamos com Júlio Soares, um dos muitos bombeiros e bombeiras florestais que combate sobre o terreno a desfeita incendiária. Além de conhecido militante no independentismo, Júlio é delegado sindical da CIG no seu sector, e desde o Distrito 1 (Eume, Trasancos e Ortegal) foi deslocado às zonas quentes do lume do leste do país, primeiro à Póvoa de Brolhom, e logo a Cervantes. Conversamos com ele sobre o cóctel incontrolável de mudança climática, desprezo político do rural, e carência de meios no sector da extinçom.

O vosso Distrito cobre de Pontedeume a Manhom, incluindo Monfero ou Moeche no interior. Que fazeis nas comarcas do Courel ou os Ancares?

Em circunstáncias extremas como estas, mobilizamo-nos; juntárom-se condiçons extremas, como esta vaga de calor enquadrada na mudança climática, umha seca com poucos precedentes (se bem estes fenómenos som cada vez mais frequentes), e ainda por riba, umhas trevoadas com grande aparelho eléctrico que fixérom todo mais incontrolável.

Em que sentido?

Pois que dum dia para outro topamo-nos com dúzias de focos de lume espalhados polo território, temos que ir atender os focos mais grandes, e os aparentemente pequenos, vam medrando e cobram umha dimensom terrível.

Que vos encontrastes?

Nos primeiros dias, fomos destinados a quatro lumes em Saa, na Póvoa de Brolhom, num grande complexo incendiário que já arrasou por volta de 4000 has. Ali estivemos a defender a aldeia de Covadela, tentando que nom ardesse. Durante um tempo, mantivemo-nos à espera, porque os lumes alcançam umha virulência que em certos momentos a acçom humana nada pode com eles.

Em Cervantes, sofocamos o lume na Serra de Pando e em Porcis; para que nos fagamos umha ideia da gravidade, um vizinho dixo-nos que a uns centos de metros estava já o cúmio de Pena Rúbia. Ainda nom estám de todo perimetrados, mas neste caso falamos de dous incêndios que se achegam às 300 ha atingidas.

A que se deve essa incapacidade para o controlo do lume?

Som os chamados incêndios de sexta geraçom, produto da mudança climática. Criam as suas próprias condiçons meteorológicas, os seus ventos, por vezes as suas trovoadas; e nesse caso, apenas resta aguardar a que as condiçons se fagam mais propícias. Obviamente, existe também um problema de falta de pessoal que a CIG denuncia constantemente.

Podias desenvolver este ponto?

Apesar de haver umha retórica oficial de ‘combate o lume’, e todas essas cousas que ouvimos polos meios, a carência de pessoal é notável; no meu Distrito, por exemplo, tem havido numerosas baixas que nom se reponhem, o que deriva num serviço mais precário e saturado. Nota-se também, por exemplo, nas quendas de trabalho. Nom podemos fazer mais de doze horas, mas é habitual superar esta faixa horária. E logo, imaginemo-nos as condiçons nas que se trabalha, por exemplo nos dias das vagas de calor. Porque assim que um sai do abafo da zona cercana ao lume, continua no abafo das temperaturas extremas ao corpo humano, com o risco de desidrataçom e fatiga extrema.

Cada vez som mais frequentes as imagens de aldeias arrasadas, na Galiza, mas também em Portugal ou Espanha. A que se deve isto?

É consequência dumha política florestal com responsáveis, nom há dúvida. No caso dos incêndios urbanos, como por exemplo nos que em 2017 entrárom em Vigo, nom há dúvida que as casas, as construçons, vam ao monte. Mas no rural galego, é o monte o que quase entra nas casas: o arvorado, as silveiras, as toxeiras. E por que? Porque se abandonou o rural, e obviamente isto é produto de decisons políticas. Fala-se das milhares de brigadistas precisas para sofocar os lumes, mas que acontece, se desaparecêrom as milhares de vizinhas que mantinham limpos os caminhos, que faziam produtivas as terras acarom das casas? Se antes, em condiçons climáticas digamos normais isto era fulcral, agora, em condiçons de cada vez maior perigo, isto fai-se mais perigoso, estamos a ver as consequências.