Há uns poucos meses, o escritor Fernando Aramburu afirmava num conhecido meio: ‘Estamos à beira da catástrofe, e nós seguimos com a guerra civil e Catalunha’. Aramburu é um literato de grandes vendas enormemente conhecido, porque além dos seus méritos literários, plasmou em forma de novela as ideias que o poder espanhol tem elaborado como propaganda para o conflito basco. Esta boa relaçom com o Estado e os seus meios de apoio deu-lhe ao intelectual um espaço mediático que poucos tenhem, e as suas reflexons, mais do que artísticas, som quase sempre políticas. Nesta ocasiom, aproveitava para alertar do extremo risco que corre a humanidade pola crise ambiental, contraponhendo um problema de verdade a ‘assuntos domésticos’ que nos desvelam, como o franquismo ou o independentismo catalám. Dito em termos mais genéricos, com o que está a piques de cair-nos por riba a todos, nem o fascismo nem a questom nacional teriam que desvelar-nos.
Nom devêssemos fazer orelhas moucas aos argumentos do poder nem dos seus criados, porque na base das suas falácias, mui exitosas, sempre há razoamentos convincentes e de certo peso. Neste caso, e se as lêssemos sem suspeita, as palavras de Aramburu nom tenhem nada de desatino. Segundo os informes do Panel Internacional de Expertos sobre a Mudança Climática (docificados e manipulados polos governos), a humanidade está a piques de entrar nesta década numha fase de ‘risco extremo’ que, em todos os casos, obriga a umha mudança de raiz das nossas formas de vida e produçom. Nom é em casos de extrema gravidade, como terremotos, virus, mega-incêndios ou tsunamis quando as pessoas deixamos de parte as nossas adscriçons ideológicas e crenças religiosas para nos concentrarmos na pura cooperaçom, sem mais adjectivos? Agora que os efeitos da crise passam de ser especulaçons científicas a vivências duras na realidade diária de cada um de nós, argumentos como os de Aramburu vam ganhar mais e mais audiência.
Filósofos de esquerdas como Günther Anders já se declararam no passado século, baixo a sombra da ameaça nuclear, ‘conservadores radicais’; pois qualquer proposta de transformaçom do mundo passa, como qualquer um pode entender, por ter antes um mundo para ser transformado; Hans Jonas, um outro pensador, apavorado polo nosso potencial autodestrutivo, já chamara na década de 70 a elaborar um novo ‘princípio de responsabilidade’. A conduta recta já nom se esgotaria, como no passado, no comportamento individual virtuoso, senom que teria que levar em conta, sobretodo, como garantir a vida das geraçons futuras numha permanente cautela e auto-contençom.
Verdades como essas semelham em pleno 2022 actuais e incontestáveis; ora, mais difícil resulta deslindá-las, nos nossos reptos políticos diários, de aquilo que Aramburu chama a esquecer. Sem irmos muito longe da Galiza, parte do auge da ultradireita espanhola está a se alimentar da chamada ‘crise da água’ nessa parte da Península a piques de ser desertizada polo quecimento global: grandes e medianos proprietários agrícolas apoiam massivamente a Vox reagem contra umha ‘casta política’ que pretende racionalizar os usos do rego e impor normativas ambientais, além de mostrar a sua fúria violenta contra o ecologismo que denuncia os cultivos hidropónicos, baseados em mao de obra imigrante e por vezes quase escrava; por outra parte, aquele ideário própio da década de 30, que falava de ‘populaçom sobrante’ e de extirpar ‘os corpos estranhos à naçom’, sai da clandestinidade e influi em certos sectores sociais. Essa visom da sociedade como espaço para o mais forte e disposto a todos os atropelos alimentou, entre outros, o genocídio de 1936 na nossa Terra, e conforma-se agora como um discurso armado, subvencionado e branqueado pola mídia na nom tam afastada Ucraína.
Que dizer da ‘anacrónica’ questom nacional? Isolacionista, provinciano, contrário ao curso da história, romántico agrário…de todo isso foi alcumado o independentismo galego nos tempos dourados dos macro-espaços políticos e os fluxos globalizados da energia barata. Hoje, com o mundo fracturado e a respiraçom contida polo medo, os próprios especialistas em análise prospectiva, e os estrategas mais realistas do mundo occidental reconhecem que as megalópoles som o elo mais fraco para umha subsistência minimamente harmónica no caso, possível e também provável, de desajustamento das cadeias de suministro mundial ou de conflagraçom bélica entre potências.
Parte da nossa sorte colectiva nesta repto que começa já nom está em utopias fantasiosas, senom em formulaçons bem modestas que conhecemos a fundo, e que teremos que defender atreu: a defesa intransigente para nos salvarmos todas e todos, sem fortins, nem muros, nem toleráncia com velhos e novos genocídios; e o arraizamento inamovível no espaço cercano da naçom, auto-organizada em centos de colectivos comarca por comarca, e sem cair na seduçom de concentrar decisons e dinámicas políticas em dous ou três núcleos urbanos privilegiados, pensando já na futura República que queremos construir. De novo com um clássico, recordemos que, por fortuna, ‘a pátria para nós nom é essa ideia abstracta que defendem os imperialistas. A pátria para nós é a Terra’. No 25 de Julho de 1933, em discurso diante dos seus paisanos de Rianxo, Castelao desenvolvia esta tese, surprendente por antecipadora, e por vincar a nossa pertença a um todo interrelacionado, bem antes de que se notassem os efeitos destrutores da sociedade de consumo: ‘a Pátria é o sentimento que nos fai filhos da Terra para receber o seu sumo criador cheio de lirismos (…) estamos feitos a semelhança da Terra; a nossa carne é terra, os nossos ossos pedra, e o sangue som os rios e regatos. A Pátria é a Terra-nai, a Deusa perdurável e generosa, porque como diz Pascal, primeiro nos cansaremos nós de pedir-lhe que ela de dar-nos. Esta é a Pátria verdadeira, a Pátria única que hoje festejamos. Eu nom sei de mais Pátria, e o galego que nom a sinta é um homem moralmente imperfeito. (…) Hoje esta Pátria recobrou a sua personalidade e quer exteriorizá-la em forma de Estado.’