Começamos a comemorar nestes dias os douscentos anos do nascimento de Antolim Faraldo, cuja figura glossava César Caramês num completo artigo nestas páginas.
Entre todos os feitos que chamam a atençom desta biografia, e que apareciam pormenorizamente relatados, nom é menor a desproporçom abismal entre os tempos e os contributos do betanceiro. Apenas viviu trinta anos, e em apenas quatro, menos dum lustro (1842-1846) condensa-se a achega gigantesca, intelectual e activista, daquele moço à causa galega.
Existe um perfil de galeguista que podemos considerar calmo e laborioso, de vida dilatada e dedicaçom discreta, que sem fazer demasiado ruído -e normalmente nas bibliotecas – fai a sua achega à construçom nacional. Estamos a pensar no próprio Manuel Murguia, que desde que acorda à consciência de país (precisamente assistindo aos últimos tiroteios da Revoluçom de 46) dedica todo o seu alento a edificar a defesa historiográfica da naçom galega. Dos treze aos noventa anos, a sua vida foi a dedicaçom monotemática à fundamentaçom da nossa identidade; também na longa duraçom brilhou Otero Pedrayo, que acordou tardiamente à existência da Galiza; com quase trinta anos abraçou o ideário das Irmandades, mas mantivo o facho aceso todo o resto da sua vida, de quase nove décadas, num mundo que nom era já o seu, e atravessando o difícil trance do ostracismo e o exílio interior. Um bocado mais novo, mas reproduzindo o modelo da formiga silenciosa e incansável topamos a Fernández del Riego (‘Salvador Lorenzana’ nos seus anos arredistas juvenis); foi um nacionalista de acçom na mocidade, e com pouco máis de vinte anos era toda umha promessa intelectual e organizativa do independentismo nascente; o genocídio de 1936, as vicissitudes da vida e o passo do tempo amortecêrom o seu arredismo, mas nom a sua dedicaçom à Galiza. Brilhou como um dos motores do pinheirismo durante a ditadura, condiçom especialmente meritória num movimento, o galego, em geral com grandes carências de cultura organizativa e escasso sentido prático. Dos seus 97 anos de vida, 77 consagrárom-se ao país.
Faraldo é um autêntico contra-ponto a esses modelos mas, tristemente, nom está só; com a sua mesma idade finava o poeta Manuel António que, para além dum renovador das letras galegas, foi um rebelde em ideologia e atitude. Abraçou o arredismo e inspirou-se no ideário anarquista; mui provavelmente esta mestura explosiva – que ao seu modo Faraldo antecipava – lançou-no fora das capelinhas culturais e guiou-no a umha vida livre no mar, a que precisamente o levou à morte por tuberculose. Com semelhante intensidade e paixom comparecêrom na nossa história duas grandes figuras do galeguismo republicano, consolidada umha, prometedora outra: Alexandre Bóveda, que os fascistas quigérom apagar da história assassinando-o com 33 anos, e Galán Calvete, o jovem, quase adolescente corunhês passeado pola Falange, que representou na sua curta vida umha nova geraçom que já se criara numha galeguidade orgulhosa, entre outras cousas graças ao magistério das escolas de Maria Miramontes e Ánxel Casal. Nas décadas anteriores, duas das grandes cabeças do galeguismo, Porteiro Garea e Johám Vicente Biqueira, deixavam a Terra e a vida antes de tempo; muito mais perto de nós, umha outra promessa do independentismo revolucionário, José Ramom Reboiras, caía abatido com apenas 25 anos, depois de aproximadamente um lustro de entrega em corpo e alma a aquele movimento nascente, que Espanha quijo curtar de raiz.
Se as pessoas tivéssemos a possibilidade de desenhar milimetricamente o percurso dos movimentos, sem nenhuma dúvida escolheríamos que estivessem nutridos por ‘fundistas’, que com energias calculadas e dotados da rara virtude da paciência, trabalham e trabalham indiferentes às conjunturas e os revesses das conjunturas complicadas; mas a história mui raramente se presta ao cálculo, e por isso múltiplos factores fam accidentado o trajecto; a saúde e os acasos curtárom bruscamente grandes achegas; noutras ocasions, a tirania, disposta a qualquer atropelo, apostou na eliminaçom física do galego e da galega rebelde; ainda muitas outras vezes, as reviravoltas da vida, sem que mediasse nenhum drama, arredárom milhares de compatriotas da causa, ou da própria geografia de nosso.
Com umha visom de futuro impressionante para um moço, Faraldo definiu a nossa empresa colectiva como ‘grande obra’; grande polos seus requerimentos de altura moral, de esforço, e de longa duraçom. Mas também, seguramente, pola diversidade de participantes que exige, com todas as suas diferenças de carácter, de ritmos, de entregas e de perspectivas. ‘Nom lhe ponhades chatas à obra enquanto nom se rematar’, deixou escrito Castelao seguindo a metáfora do betanceiro: ‘o que pense que vai mal que trabalhe nela; há sítio para todos’.