Hoje que a mídia de grande tiragem mostra a sua obediência ao jornalismo de consigna, e quando as opinions dissidentes podem ser perseguidas judicialmente, ou assediadas por massas enfurecidas, trazemos a Galiza Livre umha resenha de John Reed, o jornalista norteamericano que, há um século, oferecera a todo o mundo testemunho directo das revoluçons e luitas sociais, sem se preocupar com a opiniom dos patrons fabris nem mediáticos. Universitário e desclassado, simpatizou com o anarquismo e o bolchevismo, correndo perigo, e fundindo-se com as multidons, para dar notícia de operários em greve, soldados a padecerem nas guerras imperiais, ou militantes no México e na Rússia. Umha autêntica contra-figura do jornalismo de confort, agências globais e obediências que hoje padecemos. Sirvam estas linhas do brasileiro Nei Duclós para lembrar um outro jornalismo possível.

John Reed

Ele ficou sem dinheiro numa viagem perigosa, quando cobria a Primeira Guerra Mundial, uma carnificina promovida por comerciantes, segundo sua definição. Teve que viajar agarrado fora do trem, para não ser visto. Quando, por qualquer motivo, o comboio parava no meio da madrugada e do ermo absoluto, ele corria para o campo, se escondia, esperava. E voltava para pegar o vagão em movimento. No México, seguiu um velho viajante, cruzando montanhas geladas e desertos e foi ao encontro de Pancho Villa. No Colorado, numa sangrenta greve de mineiros, acabou sendo preso e fez suas entrevistas com os líderes do movimento encarcerados em meio a multidões sem ar nem luz, depositados em porões imundos.

Foi preso várias vezes, confundido com o objeto de suas matérias: o povo em armas. Contou toda a história, com detalhes, do tiroteio entre mineiros e os bandidos a serviço das grandes corporações nos Estados Unidos, que durou meses e desembocou num massacre onde foram queimados homens, mulheres e crianças. Tentavam impedi-lo de trabalhar. Mas ele chegou até a Rússia e viu a revolução, que gerou seu mais célebre livro, “Os dez dias que abalaram o mundo”. De seu texto, magnífico na reportagem e na ficção, saíram inúmeros filmes, a começar por “Outubro” e “Que Viva México”, de Eisenstein.

Ele é o autor do personagem pobre, errante e com ares distintos que influenciou decisivamente Charles Chaplin a criar seu imortal vagabundo, num conto publicado na revista The Masses. Desconfio que as cartas dos mineiros condenados à morte pelos chacinadores, que ele publicou em suas grandes reportagens, também tenha inspirado o filme “Ox Bow Incident” (1943), de Willian Wellman, grande faroeste com Henry Fonda sobre o enforcamento, sem julgamento, de três suspeitos.

Ler John Reed é não apenas um prazer como um abismo de infinitas revelações sobre as primeiras décadas do século vinte, ou como ele dizia, de maneira mais apropriada, sobre a luta de classes daquela época. Nele confluía a formação apurada (fez Harvard), o texto antológico, a ousadia sem limites e a coragem de dizer com todas as letras. Quando Trotski, reportado por Reed no seu livro imortal, disse que a revolução russa seria vista no futuro como um modelo de revolução, o mesmo serve para a obra de John Reed.