Nom há razom, forte ou fraca, para defender a intervençom militar russa na Ucrânia. Mas também nom se deve ignorar a responsabilidade que a OTAN, e com ela as potências ocidentais, tem na gestaçom de muitas crises e tensons. Num cenário em que o presidente russo, Putin, deu à Aliança Atlântica um presente formidável, na forma de um reverdecimento inesperado, é preciso lembrar o que é essa aliança e a que interesses serve.

1. A OTAN nom é umha organizaçom militar que serve à expansom da democracia, da prosperidade, do direito e das liberdades. É, mais bem, umha instância principal na defesa dos interesses do mundo ocidental e dos seus capitais. Como tal, empreendeu –em virtude das suas próprias estruturas ou com a ajuda de agentes interpostos– intervençons militares ativas, muitas vezes disfarçadas de humanitárias, procedeu a reforçar a posiçom de aliados como Israel, moveu os seus peons para garantir o controlo de matérias-primas mui gorentosas e mostrou a sua eficácia na imposiçom de regras de jogo de obrigado cumprimento.

2. Na Europa Central e Oriental, nas últimas décadas, a OTAN atuou como instigadora e garantidora dum processo de terceira-mundizaçom que tivo resultados pouco esperançosos. Nesse processo tinham cita três objetivos: encontrar mão de obra barata para explorar, controlar matérias-primas vitais e abrir caminho para mercados razoavelmente propícios. A colaboraçom com os chamados oligarcas locais tem sido nesse sentido, e a miúdo, frutífera.

3. Nas últimas três décadas, a Aliança Atlântica foi o instrumento central de umha estratégia encaminhada, por um lado, a isolar e cercar a Rússia e, por outro, transformá-la num inimigo necessário para a sobrevivência da própria OTAN. Aí estám, para prová-lo, as sucessivas expansons desta última, o desdobramento de bases em torno da mencionada Rússia e o incumprimento de muitas das promessas feitas no seu momento em termos de garantir a segurança da Federaçom Russa. Quando esta última, entre 1991 e 1996, e, novamente, entre 2000 e 2006 –já com Putin como presidente– se comportou como aliado cooperativo e conivente, nom recebeu mais que ofensas.

4. É importante sublinhar, aliás, que as tensons destas horas som produzidas na periferia da Federaçom Russa, e nom na dos Estados Unidos. A primeira entendeu há muito tempo, e nom sem razom, que a sua segurança estava em causa, algo que certamente nom justifica de forma algumha –repito– a sua brutal intervençom militar na Ucrânia. Como reagiriam os Estados Unidos se o México e o Canadá se unissem a umha aliança militar hostil? A primeira potência planetária, que destruiu o Iraque, agiria de forma mais benigna e concessiva do que a Rússia de Putin?

5. A OTAN mantém umha relaçom fraca com a democracia. Vou agora evitar a discussom sobre se as democracias liberais merecem o primeiro substantivo da etiqueta. E contentarei-me com recordar que o Portugal de Oliveira Salazar e a Turquia de Erdogan fôrom, no primeiro caso, e som, no segundo, membros da OTAN. Sem falar das ousadas democracias polonesa e húngara destas horas. Além disso, duvido da condiçom democrática da Ucrânia contemporânea, umha realidade política que lembra muito, porém, à Rússia de Putin.

6. A implantaçom de formas de dous pesos e duas medidas que convidam a tratar de diferente forma a amigos e inimigos, a poderosos e fracos, parece estar na essência do jogo que abraça a OTAN. Se há motivos para proibir a participaçom de atletas russos em competiçons internacionais, por que nom foi feito o mesmo com atletas norte-americanos ou israelenses? Por que muitas das pessoas que legitimamente acodem em auxílio da Ucrânia massacrada hoje nom agírom no passado da mesma forma quando o exército ucraniano matava civis no Donbás ou quando Putin esmagava a Chechênia?

7. O que está acontecendo na Ucrânia hoje nom é produto dum confronto entre ideologias ou sistemas políticos. Em vez disso, refere-se a um choque entre impérios. Se dum lado está o russo, com as suas pretensons de dominaçom sobre umha moreia de ​​povos, do outro está o norte-americano, e com el, na esteira, o que resta dos velhos impérios europeus. Se a OTAN é o principal aríete, de jeito nenhum neutro e moderado, dos interesses dos nossos impérios, a Rússia que Putin forjou –com o seu militarismo, os seus ares repressivos, os seus oligarcas, as suas dolorosas desigualdades e o seu rançoso conservadorismo– é numha medida nada insignificante o produto da agressividade das potências ocidentais.

Nestas condiçons, nom resta senom estar contra as guerras, contra os exércitos, contra as alianças militares e contra os impérios, os daqui, os do outro lado e os do médio. E ainda mais porque o que se anuncia para o futuro é umha inquietante mistura de militarismo, intervencionismo erroneamente descrito como humanitário e repressom. “Nom à guerra entre os povos, nom à paz entre as classes”, lê-se num velho lema que devemos recuperar com urgência.

Texto publicado originalmente na página do autor o 8 de março de 2022.

Traduçom do Galizalivre.com