A expressom “realismo capitalista” nom é original. Já foi usada, na década de 1960, por um grupo de pop art alemá e por Michael Schudson no seu livro Advertising: the uneasy persuasion (1984), ambos fazendo referência paródica ao realismo socialista. O que é novo no uso que fago do termo é o significado mais expansivo –e até exorbitante– que atribuo a el. O realismo capitalista, como o entendo, nom pode ser confinado à arte ou à maneira quase propagandística pola qual a publicidade funciona. Trata-se mais de umha atmosfera penetrante, que condiciona nom apenas a produçom da cultura, mas também a regulaçom do trabalho e da educaçom –agindo como umha espécie de barreira invisível, limitando o pensamento e a açom.
Se o realismo capitalista é tam fluido, e se as formas atuais de resistência som tam desesperançadas e impotentes, de onde poderia vir um desafio efetivo? Umha crítica moral ao capitalismo, enfatizando as maneiras polas quais gera miséria e dor, apenas reforça o realismo capitalista. Pobreza, fome e guerra podem ser apresentadas como aspectos incontornáveis da realidade, ao passo que a esperança dum dia eliminar tais formas de sofrimento pode ser facilmente representada como mero utopismo ingênuo. O realismo capitalista só pode ser ameaçado se for de algumha forma exposto como inconsistente ou insustentável, ou seja, mostrando que o ostensivo “realismo” do “capitalismo” na verdade nom tem nada de realista.
Nom é preciso dizer que o que conta como “realista”, o que parece possível em qualquer ponto do campo social, é definido por uma série de determinaçons políticas. Umha posiçom ideológica nunca é realmente bem-sucedida até ser naturalizada, e nom pode ser naturalizada enquanto ainda for pensada como valor, e nom como um fato. Nom por acaso, o neoliberalismo tem procurado acabar com a própria categoria de valor em um sentido ético. Ao longo dos últimos trinta anos, o realismo capitalista implantou com sucesso umha “ontologia empresarial”, na qual é simplesmente óbvio que tudo na sociedade, incluindo saúde e educaçom, deve ser administrado como umha empresa. Como um grande número de teóricos radicais – de Brecht a Foucault e Badiou – já sustentou, a política emancipatória precisa sempre destruir a aparência de umha “ordem natural”: deve revelar que o que nos é apresentado como necessário e inevitável é, na verdade, mero acaso, e deve fazer com que o que antes parecia impossível seja agora visto como alcançável. Vale a pena recordar que o que é atualmente chamado de realista já foi um dia “impossível”: a onda de privatizaçons dos anos 1980 seria impensável apenas umha década antes, e o atual panorama político (com sindicatos dormentes, ferrovias desnacionalizadas e serviços públicos terceirizados) mal podia ser imaginado em 1975. Por outro lado, o que um dia já esteve iminentemente próximo, agora é considerando irrealista. “Modernizaçom”, observa amargamente Badiou, “é o nome dado a umha definiçom estrita e servil do possível. Essas ‘reformas’ invariavelmente visam tornar impossível o que costumava ser praticável (para a maioria), e convertendo em fonte de lucro (para a oligarquia dominante) o que nom costumava ser”.
Neste ponto, talvez valha a pena introduzir umha distinçom teórica elementar da psicanálise lacaniana, à qual Žižek se esforçou para conferir um valor atual: a diferença entre real e realidade. Como Alenka Zupančič explica, o postulado psicanalítico de um princípio de realidade convida-nos a desconfiar de qualquer realidade que se apresente como natural. “O princípio de realidade”, escreve Zupančič,
“nom é um tipo de estado natural associado ao modo de ser das coisas… O princípio de realidade é ele mesmo ideologicamente mediado; pode-se até mesmo afirmar que constitui o grau mais elevado de ideologia, a ideologia que se apresenta como fato empírico (ou biológico, econômico), necessidade (e que tendemos a perceber como nom ideológica). É precisamente aqui que devemos ficar mais atentos ao funcionamento da ideologia”.
Para Lacan, o Real é o que qualquer “realidade” deve suprimir; aliás, a própria realidade só se constitui por meio dessa repressom. O Real é um x irrepresentável, um vazio traumático que só pode ser vislumbrado nas fraturas e inconsistências no campo da realidade aparente. Portanto, umha estratégia contra o realismo capitalista envolve invocar o Real subjacente à realidade que o capitalismo nos apresenta.
A catástrofe ambiental enquadra-se neste conceito. De certa perspectiva, com certeza, pode parecer que os temas ambientais estám longe de ser “vazios irrepresentáveis” para a cultura capitalista, pois a mudança climática e a ameaça de esgotamento dos recursos estám sendo incorporadas à publicidade e à propaganda ao invés de serem reprimidas. Mas o que esse tratamento da catástrofe ambiental ilustra é a estrutura de fantasia da qual o realismo capitalista depende: o pressuposto de que os recursos som infinitos, que o próprio planeta Terra nom passa de umha espécie de casco, do qual o capital pode a qualquer momento livrar-se, como se abandonando uma carapaça usada, e de que qualquer problema pode ser resolvido polo mercado. No final de Wall-E é apresentada umha versom dessa fantasia – a ideia de que a expansom infinita do capital é possível, de que o capital pode se reproduzir sem o trabalho (na nave espacial Axiom todo trabalho é realizado por robôs), de que o esgotamento dos recursos terrenos é apenas um probleminha técnico temporário e que depois de um período adequado de recuperaçom o capital poderá terraformar a própria Terra e recolonizá-la. No entanto, a catástrofe ambiental ainda figura no capitalismo tardio apenas como um tipo de simulacro e as suas reais implicaçons som traumáticas demais para serem assimiladas polo sistema. A importância da crítica verde é que ela sugere que, longe de ser o único sistema político-econômico viável, o capitalismo está na verdade destinado a destruir as condiçons ecológicas das quais depende o ser humano. A relaçom entre capitalismo e o desastre ecológico nom é acidental, e nem umha mera coincidência: “a necessidade constante de um mercado em expansom” por parte do capital, o seu “fetiche pelo crescimento”, mostra que o capitalismo, pola sua própria natureza, opom-se a qualquer noçom de sustentabilidade.
Mas os temas ecológicos já estám em pauta, e a luta pela sua politizaçom está sendo travada. Nas próximas páginas, quero chamar atençom para duas outras aporias do realismo capitalista, que ainda nom chegárom nem perto de alcançar o mesmo grau de politizaçom. A primeira é a saúde mental. A saúde mental é efetivamente um caso paradigmático de como o capitalismo realista opera. O realismo capitalista insiste em tratar as doenças mentais como se fossem um fato natural, tal como o clima (embora, como acabamos de ver, também o clima já nom é um mero fato natural, mas um efeito político-econômico). Nos anos 1960 e 1970, a teoria radical e política convergiu em torno das condiçons mentais extremas como a esquizofrenia, argumentando, por exemplo, que a loucura nom era umha categoria natural, mas política. Mas o que é preciso agora é politizar transtornos muito mais comuns. Na verdade, a questom é justamente que sejam cada vez mais comuns: na Inglaterra, por exemplo, a depressom é a condiçom mais tratada polo Sistema Nacional de Saúde. No seu livro, The selfish capitalist, Oliver James defendeu de maneira convincente a correlaçom entre o aumento das taxas de distúrbios mentais e o modelo capitalista neoliberal praticado em países como Gram Bretanha, Estados Unidos e Austrália. Na mesma linha de James, quero argumentar que é preciso reformular o problema crescente do estresse e da angústia nas sociedades capitalistas. Em vez de atribuir aos indivíduos a responsabilidade de lidar com seus problemas psicológicos, aceitando a ampla privatizaçom do estresse que aconteceu nos últimos trinta anos, precisamos perguntar: quando se tornou aceitável que umha quantidade tam grande de pessoas, e umha quantidade especialmente grande de jovens, estejam doentes? A “epidemia de doença mental” nas sociedades capitalistas deveria sugerir que, ao invés de ser o único sistema que funciona, o capitalismo é inerentemente disfuncional, e o custo para que ele pareça funcionar é demasiado alto.
O outro fenômeno que quero destacar é a burocracia. Na sua disputa com o socialismo, os ideólogos neoliberais frequentemente denunciárom de modo impiedoso a burocracia verticalizada que, de acordo com eles, conduzia à esclerose institucional e à ineficiência das economias de comando de tipo soviético. Com o triunfo do neoliberalismo, a burocracia havia supostamente ficar obsoleta; umha relíquia dum passado stalinista do qual ninguém sentia saudades. No entanto, isso está em flagrante desacordo com a experiência da maioria das pessoas que trabalham e vivem no capitalismo tardio, para as quais a burocracia continua sendo umha grande parte da vida cotidiana. Em vez de desaparecer, a burocracia mudou a sua forma; e essa forma nova e descentralizada permitiu a sua proliferaçom. A persistência da burocracia no capitalismo tardio nom indica, por si só, que o capitalismo nom funciona – ela sugere que a maneira pola qual o capitalismo de fato funciona é bem diferente da imagem apresentada polo realismo capitalista.
Em parte, optei por focar nos problemas da saúde mental e da burocracia porque ambos figuram com força em umha área da cultura que tem sido cada vez mais dominada polos imperativos do realismo capitalista: a educaçom. Ao longo da maior parte da primeira década dos anos 2000, trabalhei como professor em um instituto de educaçom continuada e no que segue apoiarei-me extensivamente nas experiências que vivi por lá. Na Inglaterra, os institutos de educaçom continuada costumam ser o lugar para os quais os estudantes, em geral oriundos da classe trabalhadora, som atraídos quando procuram umha alternativa às instituiçons mais formais de ensino superior público. Quando saíram do controlo das autoridades locais, no começo dos anos 1990, os institutos de educaçom continuada tornárom-se reféns das pressons do “mercado” e das metas impostas polo governo. Virárom a vanguarda das mudanças que seriam disseminadas polo resto do sistema educacional e dos serviços públicos – umha espécie de laboratório no qual as “reformas” neoliberais na educaçom foram testadas e, por isso, som o lugar perfeito para começar umha análise dos efeitos do realismo capitalista.
*Adaptaçom ortográfica do GalizaLivre.com