Nesta semana, quatro independentistas fôrom condenados a 63 anos de prisom por um tribunal especial. Desde 1994 – e naquela ocasiom por delitos de sangue – nenhum militante galego fora penado com um castigo tam severo. O ciclo de juízos iniciado em 2008 – todos eles baixo a rúbrica genérica da ‘resistência galega’- fecha-se assim três lustros depois com um duro golpe na mesa da justiça espanhola.
Frente o balbordo mediático e social que acompanhou todas as outras cerimónias de puniçom pública, este processo foi discreto, quase silencioso. Nom chamou a atençom de opinadores e analistas, nom motivou grandes cabeçalhos de imprensa, e as redes e os movimentos sociais – fora dos círculos mais leais ao arredismo – mantivêrom-se mormente em silêncio. Convém analisar as razons de tal tratamento, porque o conjunto de todas elas giza um bom panorama deste ciclo que agora começamos a caminhar.
Foi estudado, mesmo academicamente, o vencelho entre poderes político-policiais e tratamento mediático do movimento galego (Helena Domínguez: A construcción mediática do conflicto : o caso de Resistência Galega). A imprensa servil actuou historicamente como umha prolongaçom dos gabinetes policiais, redigindo notícias pobres e inexactas ao ditado de agências e quartelilhos, ou animando o colunismo de opiniom beligerante das plumas lacaias mais célebres, educadas durante décadas no aplauso aos amos. Nos últimos tempos, desde a consciência policial do fim de ciclo de oposiçom violenta a Espanha, a injecçom estatal de notícias e ‘exclusivas’ aos meios enfraquece-se ou desaparece. O tom dos jornalistas passa de burlesco e hostil a desapegado e quase neutro; as notícias, se bem inçadas de imprecisons e mal redigidas, evitam o recurso a bulos disparatados; e ainda que se redigem em presente, parecem falar do passado, dum processo que rematou e que já nom provoca desvelos.
Claro que os meios empresariais nom som nem a nossa aposta, nem constituem o nosso maior problema. Mais nos devera chamar a atençom a calada dos movimentos populares e das correntes de opiniom que bolem nas redes. Que há por trás deste silêncio? Há, antes do mais, medo. Pola vez primeira em muitos anos, independentistas reconhecem num tribunal a sua relaçom aberta com a luita ilegal e, como é sabido, a cidadania habita, no tocante aos seus direitos de expressom, um terreno lamacento. Que se nos permite dizer sobre isto, e que frases som perseguidas e penadas? Nom há tantos anos, perseguia-se exclusivamente a resistência violenta, o delito; posteriormente, perseguiu-se também a participaçom política em estruturas alegadamente cúmplices com essa violência; a seguir, penou-se umha participaçom nebulosa em ‘entornos’ da violência; e para finalizar, sancionou-se, mesmo com penas de prisom, a expressom escrita de qualquer opiniom dissonante sobre o direito à rebeliom. O público captou a mensagem e preferiu nom reincidir, nom respostar, nem tam sequer matizar: o silêncio entende-se como a melhor forma de defesa.
Além do medo, existe certa incomodidade na hora de abordar esta questom; para quem entende a defesa dos direitos como umha luita submetida a ponderaçom, a solidariedade é sempre condicional: cumpre exercê-la se esta nom incomoda planos políticos maiores, e se os que enfrentam a repressom coincidem ponto por ponto com o ideário das pessoas solidárias. De nom ser assim, esta fica em suspenso. No processo que culminou nesta semana, os solidários de ocasiom enfrentavam vários elementos que provocam disconforto: os penados associavam-se com clandestinidade, acçom directa, enormes entregas pessoais; com um comportamento excepcional no jogo de máscaras que é a luita política – incluída a da esquerda radical – representam umha coincidência sem fisuras entre comportamento e ideias, entre o que se diz e o que se fai; frente a um modelo de presença social baseado na exibiçom mediática e no ruído permanente, eram anónimos e silenciosos; e frente a ideia da rebeldia como umha febre idealista juvenil, algo insensata e logo moderada pola experiência, no banco sentavam pessoas veteranas com umha lealdade de vida inteira à causa arredista. Como diz a linguagem temerosa dos modernos, demasiada ‘intensidade’ para ser digerida facilmente. Por isso, ainda que no banco dos acusados se julgavam algumhas das trajectórias de entrega a Galiza mais sobressalientes de toda a nossa história, reinou o silêncio.
Ora bem, a política nom é a arte do reconhecimento nem do aplauso, senom -para as pessoas implicadas em conservar ou fazer avançar direitos -, a arte de transformar a realidade. E o problema maior nom é a que ou a quem aplaudimos, senom o conhecimento real do problema que enfrentamos. Além do desafio complexo que suponhem a desorganizaçom e o individualismo para afrontarmos a sobrevivência da Galiza, o nosso país tem enfrente um muro de formigom soportado por engranagens jurídico-políticas e policiais-militares que nom se move nem um milímetro ante súplicas queixosas. A psicologia social estudou que, ante desafios colossais, os colectivos somos especialistas no auto-engano e no adiamento sine die das soluçons exigidas. Os especialistas chamam a isto ‘dissonáncia cognitiva’, e ajuda a entender processos tam sérios como a passividade ante o colapso ambiental; numha dimensom mais doméstica, podemos dizer que o nacionalismo galego padece umha verdadeira dissonáncia cognitiva na hora de ter em consideraçom o inimigo que enfrenta, dissonáncia que esconjura com quatro consignas facilonas sobre a alternáncia de governo. Quando o Estado mostra a sua verdadeira natureza, aplicando por exemplo penas vingativas e implacáveis como a desta semana, tendemos a praticar a estratégia da avestruz. Se nom estamos ainda em condiçons de colocar umha resposta concreta a como salvar o muro, si devemos, pola contra, afrontar umha reflexom a fundo que nos situe em condiçons de fazê-lo no futuro.
Em 2005, o Estado espanhol iniciava a sua campanha de desgaste e disgregaçom do independentismo tentando inibir as suas energias juvenis, e enviava dez moças e moços à Audiência Nacional, logo de saquear os seus domicílios e atemorizar a base dos centros sociais galegos, entrando violentamente na Revolta, A Esmorga ou a Gentalha do Pichel. Era a conhecida Operaçom Castinheira contra a AMI. A propósito de aquela rusga, um conhecido jornalista, numha notícia desleixada e plagada de erros, manifestava que se tratava dum golpe contra ‘as ovelhas negras do nacionalismo’. Repassando a hemeroteca, e por associaçom de ideias, veu à nossa cabeça a cançom ‘Balas blancas para la oveja negra’, de Barricada, cuja letra inspirou tantos e tantas militantes na década de 90: ‘Fazei-lhe fotos, tomai-lhe as pegadas/ mirai-lhe bem os dentes / se se resiste rompei-lhe a cabeça / a rotina de sempre. / Estes porcos tenhem que aprender / quem é aqui o que manda / que passe medo entre quatro paredes /dizei-lhe que nom moleste / Se nom os tratamos assim / isto cambia de maos.’ Felizmente, desapareceu o sangue e a brutalidade reduziu-se, mas a violência, agora branca e asséptica, em forma de condenas longas, escaneo psicológico, vigiláncia coercitiva, desapariçom de direitos, ostracismo, penas económicas ou inabilitaçons, continua vigente. Semelha tam exagerada e ostentosa que quase estamos tentados a pensar que a desenham pessoas taradas, mas é umha violência calculada, dosificada, e plenamente funcional. Na nossa história contemporánea, o poder tivo que recorrer várias vezes ao estropício e à desfeita para que nenhuma hierarquia de fundo fosse alterada, e para que a Galiza reprimisse as suas arelas nacionais numha zona estreita e tolerada. Sendo sinceros, pouco arsenal temos hoje ante os estragos das ‘balas brancas’, mas um dos militantes julgados pronunciou palavras mui sérias a levar em conta: nom militamos por ódio nem terror, ‘senom por amor, que sementamos e regamos’. Nesta afirmaçom encontra-se a necessidade, poucas vezes atendida, de falarmos com termos nossos e nom com os termos do inimigo; também de contar a nossa própria história, sem que a voz dos outros nos coíba; mas também e sobretodo encontra-se a vindicaçom dum recurso poderoso. Porque na realidade, o poder nom teme a inflamaçom, nem os manifestos, nem as redes sociais que se incendiam indignadas, nem as bravuconadas de mecha curta. Teme o amor que é durável, porque é ele o que está por trás, ao cabo, de todas as grandes empresas da Galiza.