“Um novo contrato social”. Com este entusiasmo começa a reforma laboral que vem de ser publicada há um par de semanas. A frase figura na Exposiçom de motivos, a seçom introdutória cheia habitualmente de terminologia legal assética. Nas dezasseis páginas que a componhem, quase a metade do real decreto-lei, encontramos umha cheia de qualificativos que levam esta reforma a essa dimensom “planetária”, que viria a reverter o devalo liberal da legislaçom dos últimos quarenta anos. Nom surprende esta redaçom após escuitarmos esse longo prelúdio que a ministra Diaz levava case dez meses a interpretar. O particular desta reforma, di a introduçom, é que é a primeira gram reforma “que conta co respaldo do diálogo social.”

Deixando a um lado a retórica e indo diretamente ao contido da reforma chegamos a umha conclusom: o diálogo social substanciou-se num monólogo de aspeito tripartido. Custa crer, à vista dos resultados dumha reforma com umha forte carga liberal, esse antagonismo encenado entre patronal por umha banda e governo e sindicatos pola outra, pois “para esta viagem nom faziam falta alforjas”. Ao estilo do dogma da Santíssima Trindade, o diálogo social que conduziu a esta reforma semelha que foi um e trino ao mesmo tempo, um milagre que bem merece umha entrevista co Sumo Pontífice.

A repetiçom ad nauseam do mantra do “diálogo social” nom é umha invençom nim da ministra Diaz nem do governo socialdemocrata em que se situa. Encontra o seu fundamento e razom de ser nas teorias éticas de Jürgem Habermas, quem tentou adequar a ética kantiana a umha sociedade com cada vez mais pluralidade identitária e cultural. Sustinha Habermas que um consenso legítimo deveria basear-se em dous princípios fundamentais: o reconhecimento mútuo entre os participantes do diálogo e a possibilidade de que as consequências do consenso pudessem ser aceitadas livre e voluntariamente polas partes afetadas. Em resumo, aludia Habermas ao reconhecimento mútuo e à universalidade como garantes desse fitício conseso, tam fitício coma essas “condiçons ideais do diálogo” que presupom. Nom há que negar a força estética da sua proposta, que brilha, também em parte, pola ingenuidade que transpira. A proposta habermasiana integra-se numha tradiçom liberal e consensualista da ética e do direito na companha de outras formuladas por Johm Rawls ou Ronald Dworkim.

O que resulta curioso aquí é que umha ministra chegada das coordenadas comunistas e sindicais aceite e favoreça este consensualismo ingénuo

Frente a essas teses idealistas seria mais próprio de alguém com esse curriculum, e com um mínimo de experiência nos conflitos de classe, pensar em propostas de tipo conflitualista coma a que encontramos em Rudolf vom Ihering. Dizia vom Ihering há quase um par de séculos que a luita polos direitos era em si a luita polo Direito. Frente à defensa liberal e imobilista da “evoluçom” natural da Justiça e do Direito, noçons que é perigoso confundir, falaba vom Ihering da necesidade da “revoluçom”. Umha das suas frases mais conhecidas sintetiza a sua posiçom: “A luita polo direito é a poesia do carácter.”

Mais o emprego do termo “diálogo social” é interessante polo jeito no que modifica a realidade à que alude. Em primeiro lugar homogeiniza as partes, assumindo que patronal, sindicatos e governo tenhem quotas analogáveis de poder e de capital que sustente umha eventual confrontaçom. Em segundo lugar substitui o conceito de luita polo de consenso, o de revoluçom polo de evoluçom; eliminando a forte carga política que toda lei inclui, implícita ou explicitamente. Também despolitiza o próprio processo legislativo, que passa de ser umha luita de interesses antagónica entre propriedade e trabalho para converter-se numha conversa antropomórfica. Por último, e esta é trampa mais nociva, outorga-lhe umha forte carga de legitimidade à lei resultante, blindada assim contra críticas que podam vir mesmo de posturas de esquerda.

Esta legitimidade artificial é a que nos dificulta criticar que esta reforma deixe intactos os pontos “mais lesivos” que prometia eliminar: os relativos aos custos e facilidade dos despedimentos e à capacidade negociadora das forças sindicais nos convénios. Os presuntos “câmbios estruturais” que a reforma prometia resultam ser superficiais, ata o ponto de que o próprio ex-presidente Rajoy assume que à sua reforma só lhe aplicárom “uns retoques”. A temporalidade vem a cambiar de nomenclatura jurídica, co tempo veremos se isso supom um cambio material ou se queda no câmbio estatístico, e outras melhoras só transcrevem a jurisprudência acumulada nestes anos.

Esta énfase no conceito de “diálogo social”, repetido ata treze vezes em todo o texto legal, desvela-nos o papel da “fala” nesta coaligaçom

O seu discurso emotivista flui de jeito incessante e oculta a esquálida parte material das medidas às que acompanha. Um discurso que continua a conversom da política em emoçom e da economia em psicologia (quando nom diretamente em coaching), que assolaga os nossos tempos de palavras coma “flexibilizaçom” ou “empreendimento”. A esta força emocional soma-se-lhe um certo fervor de tipo religioso, tam messiânico coma maniqueo, que o amuralharia frente às críticas.

Às vezes, coma no caso desta reforma, tal discurso nom só nom coincide coa parte material, senom que é claramente contraditório a ela. Mas, ante esta acusaçom de que o dito nom coincide cos feitos, este governo de rosto jánico sempre pode responder, como o fazia Lukács citando a Fichte: “tanto pior para os feitos.”

Esta coluna foi publicada no jornal Galicia Ártabra Digital o 17 de Janeiro de 2022