Na semana passada dávamos algumhas pinceladas essenciais para situarmo-nos num panorama de crescente inestabilidade geopolítica, social e vital, muito condicionada com a desorde dos fluxos de energia e um novo cenário climático. Na entrega desta terça, tentaremos gizar um panorama um bocado mais amplo, para que as árvores nos deixem ver o bosque, e para que as fake news, o sensacionalismo e os medos de todo tipo nom nos desorientem.

Umha alerta generalizada

Antes de qualquer outra consideraçom, cumpre vincar num aspecto importante: as alertas sobre graves sacudidas no nosso modelo de vida, antano só abordadas por movimentos alternativos ou radicais, ocupam agora os manchetes da imprensa de grande tiragem. E ainda que os meios do poder se cuidem muito de falar de qualquer problema estrutural e se dediquem normalmente à limpeza de cara das grandes empresas, o tom vai mudando aos poucos cara um maior cepticismo.

Nom por acaso, um dos cabeçalhos de referência do Regime anunciava nestes dias que a planta Reganosa de Mugardos, que no seu dia o movimento popular combatera como altamente perigosa para a vizinhança da zona, acolherá neste ano um registo sem precedentes de gaseiros: nem mais nem menos que 25 buques em 2021, todos eles procedentes de plantas de gas liquado, maiormente procedentes dos USA e da Rússia.

As autoridades espanholas reconhecêrom que, ainda que a situaçom está ‘sob controlo’, o Estado apenas tem reservas para 40 dias. O feche do gasoducto do Magreb, na sequência das tensons entre a Argélia e Marrocos, fijo com que Espanha perdera o 20% do gas que importava. É por isso que o governo espanhol está a fazer um esforço extraordinário para optimizar o gasoduto de Medgaz (representa o 22% do gas consumido em território espanhol), também procedente da Argélia. Aliás, está a optimizar as reservas gasistas na rede de seis plantas da que fai parte Mugardos: Bilbo, Barcelona, Sagunto, Cartagena e Almeria vivem nestes dia o mesmo processo de intensificaçom que a infraestrutura da Galiza.

Preocupaçom e prudência

Para o pesquisador e militante ecologista Luis González Reyes, entrevistado recentemente no jornal ‘El Salto’, nom é rigoroso por enquanto falarmos de colapso, ou anteciparmo-lo de maneira simplista. Para se dar um processo destas características, explica o autor de ‘La espiral de la energía’, tenhem que confluir quatro factores: um processo de reduçom demográfica, umha diminuiçom das interconexons entre territórios, umha perda de especializaçom produtiva, e um menor fluxo de intercámbio de informaçom. Dá nas vistas que neste momento histórico nada disto se está a produzir.

González Reyes afirma nom estarmos ante um colapso, mas si ante um ‘curto-circuito’. Imagem: ecologistas en acción

No respeitante às hipóteses de grandes apagons, numha linha semelhante de prudência, o Investigador do Instituto de Ciências do Mar de Barcelona, especialista em crise energética, Antonio Turiel, vincou também na prudência, ao assinalar que o Estado espanhol ‘tem muito poucos pontos de conexom com a Europa’ e até certo ponto ‘é umha ilha energética’. Apenas um fenómeno meteorológico extremo, caso do conhecido temporal Filomena do passado ano, poderia fazer a situaçom mais extrema.

E porém, tampouco sobram razons para a tranquilidade: que nom haja colapso nom quer dizer que nom nos adentremos numha fase histórica substancialmente diferente à que conhecêmos no passado século: ‘os sobressaltos e a excepcionalidade vam ser a norma’, diz González Reyes. Um panorama muito volátil marcado por fenómenos que eram desconhecidos para as populaçons europeias actuais: curtes de subministros ou epidemias espalhadas fora do Terceiro Mundo podem ser frequentes. É por isso que Reyes diz que ‘vivemos um curto-circuito que pode ir a mais‘.

Razons de fundo

Para explicar as disfunçons dum sistema tam complexo, recordam os pesquisadores, temos que pensar sempre em chaves de interconexom e causalidade múltipla. González Reyes insiste em que há ‘vários factores’ por trás deste outono quente: em primeiro lugar, a reactivaçom da actividade económica depois do abrupto parom do covid deu lugar ‘a umha procura disparada e umha desorde em muitas cadeias de produçom’. O feito viu-se agravado por umha produçom globalizada que em boa parte funciona na lógica do ‘just in time’: só se manufactura o que se demanda, polo que de súpeto as empresas vírom-se na obriga de enfrentar umha enxurrada de encomendas sem terem nenhum stock.

Aliás disso, na factoria global que é o sistema-mundo capitalista, medram as áreas com grande especializaçom produtiva: é o caso da Ásia, base na produçom de matéria prima essencial; os apagons na China, ou a dificuldade no acesso a materiais em Taiwan por mor da mudança climática, estám na raiz de boa parte dos problemas de fornecimento.

E finalmente, recorda Reyes, nom podemos descuidar a importáncia do taboleiro geopolítico: o apoio da Argélia aos insurrectos saarauis está por trás dos curtes gasistas que fornecem Espanha através de território marroquino; a consumaçom do Brexit levou ao um êxodo massivo de mao de obra imigrante; e os pulsos que bota a Rússia aos seus rivais occidentais condicionam também o acesso e os preços da energia.