Muitas vezes ao tomar a merenda, à minha filha de três anos cai-lhe (ou deixa cair) um anaquinho de pam. Eu fago cara de amolado e ela responde: “Tranquilo, papae, é para os passarinhos”. Prefiro que o coma ela, mas se quer partilhar a sua sande com os “passarinhos”, deixo-a, claro. A mim comove-me o que di e como o di. Exprime umha cosmovisom interdependente e ecodependente. Dalgumha maneira intui que estamos ao cuidado dos seres vivos humanos e nom humanos.
Ela é umha das dezoito meninhas que vam estar em infantil este curso. Na casa estamos um bocado nervosas. No entanto, se a matriculássemos em qualquer outra escola, esses “passarinhos” aginha se iam converter em “pajaritos”. Que crianças tam pequenas falem num idioma diferente ao do resto da turma marca muito. Marca para mal. Nesse ambiente hostil, aprendem que falar galego é falar mal. A violência simbólica continua a perpetuar-se. A castelhanizaçom produze-se a umha velocidade surpreendente. Dum dia para outro essa língua que lhe trouxo tantos problemas fica bloqueada. Embora pareça inacreditável, no ano 2021 isto continua a acontecer. A oficialidade reduze-se a letra morta.
Há uma década nom sabíamos como deter este processo, hoje temo-lo claro. Umha criança galegofalante precisa outras crianças galegofalantes. Assim de singelo. Isso é o que oferece a Semente. Na comunidade desprega-se a primavera da língua. Impressiona a humildade com que nasceu o projeto e o vigor que demonstra hoje: um prédio próprio ao pé do rio, máximo de matrículas, excelentes profissionais e, sobretodo, bondade e generosidade a esgalha.
Acho bem sábias as palavras da Luzia, a mestra de primário, quando afirma que a Semente é uma forma de vida. Com certeza, a nossa é umha escola nutrida pola comunidade, umha comunidade nutrida pola escola. Umha escola enraizada na cultura da paz, isto é, amor à língua, cuidado da terra, ajuda mútua. Para a sua consolidaçom é preciso um grande esforço económico, também muitas horas limpando, arrumando, pintando, sachando, esfregando, planificando, arranjando papeis, organizando atos, tendo reunions, chegando a acordos, fazendo festas… Precisamos muitas maos para cuidar o espaço e a comunidade. Quantas mais formos, mais redistribuídas estarám as responsabilidades. Mais sustentável será este ecossistema! Mais forte será a Semente!
O Roxal é um local excepcional. Poucas escolas na Galiza podem dizer que custodiam umha fervença. De certa forma, o Belelhe também nos custodia a nós. Nom é um período de “adaptaçom” o que encetam as crianças e famílias que começam este curso, mas um período de “vinculaçom”. Vinculaçom afetiva com as pessoas e com o entorno, onde o respeito polo ritmo e interesses dos e das miúdas adquire um papel central. Mais um ano a praticarmos a tenrura, a exercitarmos a arte da hospitalidade, a expandirmos o horizonte.
Quando deixo a minha meninha no colo da Bea, a mestra de infantil, sei que estou na melhor escola do mundo. O seu, um colo erigido sobre um coro comunal. A alegria das crianças assinala o caminho! O Roxal volta a transformar-se na terra da sororidade! A Semente enche-nos a cabeça e o coraçom de passarinhos! Celebremo-lo!
(Este texto foi tirado do “Boletim, informaçom para sócias da Semente Trasancos”)