A Polónia é o mais recente Estado membro da Uniom Europeia (UE) a anunciar a construçom dum muro anti-refugiados – na fronteira com a Bielorrússia – numa cópia assumida da infame vedaçom que a Hungria construiu em 2015 na sua fronteira com a Sérvia.
De acordo com as palavras do ministro polaco da Defesa, Mariusz Blaszczak, em conferência de imprensa de 23 de Agosto, a fortificaçom fronteiriça nom se ficará por aqui, uma vez que também «é necessário aumentar o número de soldados… em breve, iremos duplicar o número de soldados para dous mil».
Para este governante, os fluxos de migrantes com que o país se vê neste momento confrontado som «um ataque à Polónia», chegando a afirmar tratar-se duma «tentativa de espoletar uma crise de migrantes», ao mesmo tempo que mostrava fotografias duma vedaçom de arame farpado com cerca de 100 km. que a Polónia ergueu nas últimas semanas.
A retórica do governo polaco passa por classificar as cerca de 2100 pessoas que tentaram entrar na Polónia através da Bielorrússia nos últimos meses como «migrantes económicos impulsionados polo governo bielorrusso», no que seria uma resposta coordenada de Putin e Lukashenko às sançons da UE.
Se, por um lado, de acordo com o (polaco) Grupo polos Direitos das Minorias, é verdade que houvo pessoas atraídas e empurradas para a fronteira polas forças armadas bielorrussas, que disparavam para o ar enquanto caminhavam, por outro, nom parece ser mentira que muitas dessas pessoas foram empurradas por soldados polacos de volta para a Bielorrússia, em vez de terem tido a possibilidade de preencher pedidos de asilo.
«As pessoas estavam a pedir protecçom aos guardas fronteiriços [polacos] e eles estavam a empurrá-las de volta», afirmou à Reuters Piotr Bystrianin, da Fundaçom Ocalenie, uma ONG polaca que dá apoio a refugiados. «Isto quer dizer que entraram em contacto e isso quer dizer que lhes deveria ter sido dada a possibilidade de pedirem protecçom… é muito simples», acrescentou.
A Bielorrússia estará também a expulsar refugiados em números elevados para a Lituânia e a Letónia. No mesmo dia 23 de Agosto, estes países, com a Polónia, emitiram uma declaraçom conjunta onde afirmavam que «a utilizaçom de imigrantes para desestabilizar países vizinhos constitui uma violaçom clara da lei internacional e configura um ataque híbrido contra… a Lituânia, a Letónia, a Polónia e, como tal, contra toda a Uniom Europeia».
Uma declaraçom de carácter militar que pura e simplesmente ignora os milhares de pessoas que som apanhadas neste jogo do empurra em nome de interesses com os quais nada tenhem a ver. E, assim, dezenas de pessoas acabaram retidas durante várias semanas numa «terra de ninguém» entre os dous países, sem abrigo nem acesso a fornecimentos regulares de comida, numa situaçom que, nas palavras da Organizaçom Internacional para as Migraçons, «representa uma ameaça grave para as vidas dos migrantes». Posteriormente, a 1 de Setembro, a Polónia declarou um estado de emergência numa zona de 3 km de largura que engloba 183 cidades ao longo da fronteira com a Bielorrússia, dando às suas forças policiais mais poderes, de forma a que consigam, por qualquer meio, manter os migrantes fora do seu território. «Nom se poderám organizar viagens, happenings ou manifestaçons nesta zona», afirmou Mariusz Kamiński, ministro polaco da Administraçom Interna, numa referência pouco velada à recente presença na área de ONG de apoio a refugiados.
A UE, sempre tam célere a instaurar processos a Estados membros por toda e qualquer razom, fecha aqui os olhos e permite o pulular de muros anti-refugiados nas suas fronteiras externas, garantindo finalmente uma imagem gráfica concreta que corresponde ao seu carácter de fortaleza. A Lituânia também está a construir o seu muro de 3 metros de altura e 508 kms de comprimento na fronteira com a Bielorrússia, uma barreira que deverá estar concluída em Setembro de 2022. Para esta empreitada, o governo lituano está à espera de apoios comunitários, uma vez que, de acordo com a primeiro ministro Ingrida Simonyte, «uma barreira física é vital para repelir este ataque híbrido».
Esta súbita «febre dos muros» começou na Grécia, que informou, há algumas semanas, que tinha acabado uma vedaçom de 40 kms na fronteira com a Turquia para repelir eventuais refugiados afegans. E alastrou para fora das fronteiras da UE, ainda que nom da NATO: a Turquia iniciou a construçom dum outro muro de cimento de 3 metros de altura e 241 kms de comprimento na fronteira com o Iram exactamente com o mesmo argumento. A Croácia, que já erguera uma vedaçom na fronteira com a Sérvia em 2016, enfrenta agora acusaçons de que a sua polícia, entre 6 e 29 de Agosto, roubou e empurrou para a Bósnia dezenas de refugiados afegans, de acordo com testemunhos recolhidos polo Guardian e ainda de acordo com um relatório da ONG Danish Refugee Council (DRC). Tudo isto transforma a UE num cenário surreal – mas lógico em capitalismo – dum território rico e poderoso que, ao invés de defender os que tenhem pouco ou nada, se defende deles.
Na realidade, aquilo para que a UE se está a preparar nom é para garantir a dignidade, a vida e os direitos de quem quer sair do Afeganistam, mas antes para se unir em torno da ideia de nom deixar que cheguem à Europa. «A UE e os seus Estados membro mantêm-se determinados a agir em conjunto de forma a evitar a recorrência de movimentos migratórios de larga escala e ilegais que enfrentámos no passado» era o que se podia ler no rascunho de uma declaraçom dos ministros da Administraçom Interna da UE, na sequência duma reuniom de emergência que decorreu a 31 de Agosto, exatamente o mesmo dia em que as tropas ocidentais abandonavam o território afegam, ao fim de 20 anos de presença.
Nesta reuniom do dia 31 de Agosto, Jean Asselborn, ministro da Administraçom Interna do Luxemburgo, tentou quebrar o consenso, afirmando que a UE deveria receber refugiados afegans. «O objetivo principal tem de ser o de apoiar pessoas que estam em perigo de morte… nom proteger as fronteiras», afirmou, acrescentado que «em 2015, com a crise Síria [de migraçom], a UE enfrentou um problema e nom estava preparada para ele. Isto é claro. Seis anos mais tarde, ainda estamos menos preparados do que em 2015». A Alemanha, que muita gente vê ainda como a vencedora da ajuda a refugiados, reagiu de imediato através do seu próprio ministro da Administraçom Interna, Horst Seehofer, dizendo que «nom estamos a falar de centenas de pessoas, mas de muitos milhares que já estám na Alemanha, e temos de ter a certeza… de que estas pessoas nom som um risco de segurança».
Ainda nessa reuniom, a Irlanda pediu que a UE suavizasse os termos da declaraçom final, falando de migraçom «irregular» em vez de estigmatizar os requerentes de asilo como sendo «ilegais». Ainda assim, o texto final do comunicado usa a palavra «ilegal», ao mesmo tempo que coloca um foco cada vez mais forte nos receios quanto à segurança… europeia. No sentido oposto, a Polónia e os países bálticos pretendiam uma linguagem mais dura. E o texto final da reuniom ministerial acabou por contemplar essa exigência, ao afirmar que a UE deve «responder a tentativas de instrumentalizar a migraçom ilegal… e outras ameaças híbridas», quase copiando as palavras da declaraçom conjunta da Polónia, Letónia e Lituânia de 23 de Agosto, que transforma os migrantes em armas dum alegado «ataque híbrido».
É apenas mais um episódio em que a ideia de Europa Fortaleza molda as políticas europeias. O orgulho e o preconceito presentes nos documentos sobre migraçons e as referências a um «modo de vida europeu» som já uma mancha escura e arrepiante nas políticas europeias de fronteiras, de relaçons com o exterior, de segurança e de desenvolvimento. Agora, perante uma crise do tamanho da do Afeganistam, as preocupaçons sobre a «pressom migratória» nom som mais do que uma piada mesquinha sobre os infindáveis discursos à volta de valores e direitos humanos. Mesmo as aparentes e legítimas preocupaçons com as mulheres afegãs seriam mais credíveis se a Europa se preocupasse num grau semelhante com os largamente documentados abusos, violências e islamofobia que enfrentam as mulheres muçulmanas europeias.