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Já dixen mais de umha vez que cada vez que dizemos que certo desenvolvimento humano (desejável ou detestável) é irreversível, erramos. Quer se trate de direitos humanos ou de tecnologia ponta, estamos errados. Assim, por exemplo, Santiago Alba Rico, como os propagandistas das companhias telefônicas, parece convencido de que a digitalizaçom é irreversível: “Deste novo paradigma pós-letrado e incorpóreo, nom se pode escapar, exceto para o cataclismo nuclear”. Mas por muito tempo, vozes autorizadas tenhem argumentado a implausibilidade dum futuro com internet (certamente o mais inimaginável dos pesadelos para esta sociedade que equiparou digitalizaçom com progresso e a transformou num credo tecnólatra): assim, por exemplo, Ramón Fernández Durán e Luis González Reyes no seu estudo monumental En la espiral de la energía. O engenheiro de telecomunicaçons Félix Moreno atualizou essa previsom, analisando a fragilidade sistêmica das sociedades hipertecnológicas[1].

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Vale a pena refletir sobre esta questom tremenda e tam difícil de formular: como alguém poderia pensar que a digitalizaçom das nossas sociedades foi uma boa ideia desde o início? Umha das principais razons para dar umha resposta negativa é a enorme fragilidade sistêmica que gerou. Nem a digitalizaçom extrema nem a “internet das cousas” serám viáveis ​​em um contexto de declínio de energia; sabemos que se teriam que multiplicar os grandes data centers e o seu consumo de energia associado[2], e que a extraçom maciça de minerais e metais tropeçará com limites.

Já experimentamos a irresponsabilidade com que as nossas sociedades se acostumárom à rápida obsolescência de máquinas tam complexas e valiosas como os smartphones (é frequentemente lembrado, com razom, que as viagens espaciais das décadas de 1960 e 1970 dependiam de muita menos potência de cálculo). Agora, o 5G (se se expande de acordo com o planejado) vai aumentar o extrativismo e gerar umha torrente sem precedentes de resíduos eletrônicos, causando a repentina obsolescência de milhons de dispositivos eletrônicos. O mundo digital nom é nada “limpo”: a indústria usa grandes quantidades de energia e materiais e gera enormes quantidades de resíduos. Hoje, mais do 4% dos GEEs (gases de efeito estufa) som gerados por essas tecnologias “limpas”. Como mostram os pesquisadores de The Shift Project, os nossos smartphones, computadores, servidores, routers e televisores inteligentes estám aquecendo o planeta mais do que toda a aviaçom civil junta –e crescendo rapidamente (o consumo de energia da indústria está crescendo a umha taxa de crescimento sem precedentes do 9 % anual[3]). Um relatório de 2017 elaborado por Huawei Technologies afirma que mesmo a previsom mais otimista aponta que no ano 2025 as TIC consumirám por volta de 2.800 terawatts-hora (TWh), aproximadamente o 9% do consumo de energia em todo o mundo. Outro artigo publicado na revista Nature em 2018 prevê que as cifras de consumo de dados serám mais alarmantes e constituirám por volta do 21% do consumo mundial de energia em 2030[4]. E, por outro lado, indica o professor Antonio Aretxabala, a cobertura atual do 4G, com 5G, exigiria até dez vezes mais energia.

Para descarbonizar, precisamos desdigitalizar e descomputar, argumenta Ben Tarnoff em um artigo muito sólido. Luis González Reyes lembra alguns pontos óbvios: estudos do Banco Mundial e do projeto europeu MEDEAS mostram “como nom há recursos no planeta para umha implantaçom massiva de renováveis ​​hipertecnológicas. Entom… apostemos por energias renováveis ​​realmente renováveis ​​sabendo que elas nos permitem sociedades menos complexas. Este importante resultado do MEDEAS mostra que as necessidades de vários elementos para umha eletricidade 100% renovável excedem em muito as reservas de, como mínimo, cinco deles ”: gálio, prata, estanho, índio e telúrio. Antonio Aretxabala também tratou estas questons de forma solvente. “Ecológico”, no discurso dominante, anda de mãos dadas com os adjetivos “digital” e “inovador”: mas isso é um erro.

Artigo completo em  artigo publicado em 15/15/15


[1] Ninguém discutirá que “um computador ou um telemóvel som praticamente os objetos que mais tecnologia ponta tenehm de todos os objetos que um ser humano da nossa era pode comprar co seu trabalho. Tem processadores, memórias, ecrã, antenas, baterias, todos os tipos de sensores, dispositivos de posicionamento de satélite, microfones e alto-falantes, e eles só fam sentido com internet funcionando para eles. E isso nom implica precisamente pouca energia: eu quase diria que é necessário extrair matéria e energia de todos os recantos do planeta para fazer um único telemóvel ou computador (e os aparelhos modernos que som basicamente computadores, como televisores, reprodutores multimídia, consoles de jogos, os circuitos do carros e todos os tipos de aparelhos que contenham a palavra smart)”.

[2] Os centros de processamento de dados de hoje precisam de umha média de eletricidade equivalente ao consumo de um estado como o espanhol (cerca de 200 terawatts-hora por ano). Se aos centros de processamento fossem adicionados todos os dispositivos e redes ligados a eles, toda essa tecnologia requer entre o 5% e o 9% do consumo mundial de eletricidade. E essa porcentagem está crescendo rapidamente.

[3] De acordo com pesquisadores de um think tank francês chamado The Shift Project, os vídeos postados na internet causam a emissom de 300 milhons de toneladas de dióxido de carbono cada ano. De todos esses vídeos postados na rede, quase um terço é pornografia. (Esses cálculos nom tenhem em consideraçom a transmissom de vídeos ao vivo como, por exemplo, videochamadas ou webcams, que constituem outro 20% do fluxo global de dados.) “Así contribuye el porno al cambio climático”, La Sexta, agosto de 2019. Resumindo estes dados de The Shift Project: a proliferaçom de serviços de streaming para séries e filmes (como Netflix e Prime Video de Amazon) som os principais responsáveis ​​do gasto de energia, co 34% do tráfego global de dados, seguido pola pornografia (27%) e portais de vídeo como o YouTube (21%). Nestes cálculos estám incluídos os amplamente divulgados esforços das empresas para compensar a sua pegada de carbono com a compra de “energias limpas”.

[4] Nicola Jones, “How to stop data centres from gobbling up the world’s electricity. Cara o final do texto o autor escreve: “Proibir as câmaras a cor de alta definiçom nos smartphones poderia reduzir o tráfego de dados na Europa em um 40%, di Ian Bitterlin, engenheiro e experto em centros de dados en Cheltenham, Reino Unido. Mas, acrescenta, ninguém parece ousar instituir tais regras. Nom podemos fechar a caixa de Pandora de novo, expom”.