Às vezes ainda aguardo que surjas no meio da prática de tai chi com aquele teu sorriso debruçado, como a piques de confessar algumha brincadeira e com aquela olhada pilhabana baixo duns enormes lentes de sol. Aguardo que te pasmes do teu cansaço depois de ter feito umha moreia de cousas a meia manhá, quando qualquer umha, três décadas máis nova, estaría derreada. Aguardo que me adiantes um novo capítulo do conto da Tia Sebastiana. Sabes que essa personagem é a minha preferida entre todas as tuas criaçons contistas. A Sebastiana, essa mulher gozadora da vida, que conserva a sabência ancestral do rural galego e abraia de que se poda viver no formigueiro isolado das cidades.

Às vezes percato-me que já nom estás connosco, que finache recém estreado o ano, que nom nos voltaremos encontrar, que já nom te disfarçarás no Antruido, nem nos agasalharás cos teus jabons de lavanda, polo Natal. Nem iremos ás fogueiras do Sam Joám do bairro. Co que a ti che prestavam as festas cíclicas tradicionais!. E ainda entom, aguardo.

Nada, senom o instante me conhece, di-me Pessoa ao abrir, ao chou, Como viver (ou nom) em 777 frases de Pessoa, o livro que escolhim na tua biblioteca quando a tua sobrinha mo brindou. Somos o instante, esse momento partilhado no que rimos, choramos ou nos confessamos. Este momento em que che escrevo aquilo que se guarda das palavras, o que sempre che quigem dizer e adiei.

Cada pessoa é apenas o seu sonho de si próprio. E ti, Chelo, foche moitos sonhos na tua vida livre e ricaz. Conhecim-te já ti jubilada mais atessouravas, porém, no teu espírito, a viçosa candura das crianças. Aprendeche-me o valor do intre e o instinto de rebeldia. Afouta mestra que se enfrentou de fite á sensatez eficiente da maturidade prematura da infância, a essa educaçom bancária que submetía os nenos aos moldes dos adultos tirando-lhes o intre creativo, a possibilidade da empatia, do autoconhecimento espelhado no companheiro, a sensibilidade do debruçar no tempo, sem retalhos febris nem fabris. Ti vinhas de artelhar no Sam Isidro o jogo livre, abrindo a infância nedense às possibilidades dumha nova escola, dumha nova pedagogia que respeitara o neno como ser senlheiro, nom como adulto em potência. Tenho imaginado a tua aula, como me contavas, como me amostravas nas fotos, cheias de material de desfeito, roupa velha e trastos aos que os nenos lhes argalhavam novos usos. Os baixos dumha mesa podiam-se converter num castelo para onde cabalgavam os cativos, ao galope, num cavalo que parecia umha cadeira ou um guarda-chuvas. De súbito, os nenos mudavam as normas e o castelo convertia-se numha cova chea de toda caste de animais. Case todos pelejavam por ser leons ou ursos. Sermos, e nom sermos mais!…Ó leons nascidos na jaula!…(Pessoa) E ti, ali, observando, invisível, profundando na personalidade única de cada pequeno, pesquisando nos seus conflitos emocionais só espelhados no território liberado do mundo lúdico, gozando e reaprendendo da tua neneza, da valia do pensamento mágico, da improvisaçom, da solidariedade, do conflito aberto e a deboura a redor dos roles e a sua asunçom. Porque a vida é um jogo, um goce, prazer e dor na mesma moeda. Ser forte é ser capaz de sentir, dizia o heterónimo de Pessoa, Álvaro de Campos.

Neste momento, quando se achega a noite meiga, a luz mais longa do teu bem-querido Sam Joám, às portas do vindeiro encontro de familiares e amizades na tua linda horta, consciente da tua ausência, da finitude da vida, de todas as vidas, da liberdade de ser que lhes regalache a tantas roladas ao começo da escola… reivindico no teu nome o valor vital do jogo livre como direito ao gozo coletivo. Nom só para as crianças senom também para nós, já madurecidas polas inevitáveis bategadas da lucidez. Nom sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.

Neste momento onde se educa na submisom virtual, expondo a infância aos video-jogos, ao lazer monitorizado, onde o jogador é tam semelhante ao envilecido ludópata de Dostoyevski a assolagar a sua angúria e sofrimento numha rebeldia desviada.

Neste momento penso em ti e cavilo que ias além do aprender jogando da pedagogia moderna. Porque jamais ficache só no utilitarismo, na utilidade do jogo para educar-domesticar, senom que, respeitando a infância, afondache na valia do jogo em si mesmo, no jogo polo jogo que é, ou devera ser, a vida. Porque ti és para mim como aquela espiga tam especial (do teu conto) que nascera verde, fora-se pondo dourada e quando quijo ser livre amostrou-no escolhendo aquela cor malva. Orgulhosa de marcar a diferença num mundo de pobreza uniformada. Fazendo parte dum pam, por todas, partilhado.

Grazas, Chelo por todo o que me brindache, por todo o que nos brindache. Ti és e serás por sempre aquela espiga de trigo malva.