“Ao escrever esta obra, procurei dividi-la em cinco capítulos, correspondentes à Terra, à Água, ao Fogo, ao Vento e ao Vácuo, a fim de expor as peculiaridades de cada um, bem como as suas vantagens.”
Livro das cinco esferas
Miyamoto Musashi
Seguindo zouponamente o exemplo do inimitável Musashi, tentarei traçar umha impressom estratégica da atual crise sanitária em cinco partes: luita pola hegemonia do sistema-mundo, luita civilizatória, luita de classes, luita política e luita de liberaçom.
Luita pola hegemonia do sistema-mundo. Terra
Luita civilizatória. Água
Luita de classes. Lume
Luita política. Vento
Luita de liberaçom. Vácuo
Luita pola hegemonia do sistema-mundo. Terra (Abril de 2020)
A teoria do sistema mundo elaborada por Wallernstein e completada por Quijano, Dussel e o decolonialismo certificou na história da modernidade capitalista processos de troca de hegemonia. Assim, o primeiro hegemon co que nasceria esta fase da humanidade seria o hispano-flamenco coa descoberta de América, os impérios hispánicos e o comercial holandês agromado dos primeiros. Sucederia-o hegemon inglês desde o século XVIII, inserindo-nos na fase industrial capitalista. Desde a II Guerra Mundial, esta preponderância anglosaxá deslocaria o seu centro para Estados Unidos e hoje estaria em devalo frente ao ascenso do hegemon russo-chinês. Quer dizer, encontramo-nos num momento de troca de hegemonia no sistema-mundo.
Resulta fundamental esta perspectiva para entendermos os acontecimentos que estamos a viver na crise sanitária que padecemos. China já sustinha a preponderância económica antes do coronavírus, porém, que fosse a primeira em superá-lo situa-a ainda com mais vantagem para navegar a depressom económica que se aproxima. Após o Brexit que recompujo o poder anglo-americano sem o lastre europeu, a Uniom Europeia, cada vez mais dividida polo eixo Norte-Sul, remexe-se à deriva no meio da crise vírica. Justo o eixo que o hegemon asiático em ascenso precisa para deslocar ligeiramente a hegemonia “cultural” que ainda retém nela a potência anglo-americana. E velaí que a ajuda que noutrora Russia lhe oferecera à Grécia aparentemente anti-troika da inicial Syriza, agora vira apoio médico e humanitário russo-chinês a percorrer Itália. No entanto, o presidente Sérbio agradecia-lhe chorando a ajuda a China frente ao desleixo da UE.
Assim e todo, o poder militar anglo-americano segue sem ser superado e se o Covid-19 lhe fai arrandear a sua estabilidade interna nom duvida em reafirmá-lo como distraçom. O movimento de tropas ianques para a fronteira de Colómbia com Venezuela, aliado Russo-Chinês, da passada semana exemplifica-o. Por riba, num momento em que o preço do petróleo estava em mínimos históricos e a guerra económica entre Russia e Arábia Saudi ardia. Por isso cumpre cautela à hora de considerar a presente crise como o chanço definitivo na troca de hegemon mália a sua tendência imparável. O poder financeiro sustém a confiança no gigante britano-ianque a pesar do coronavírus. Isso sim, cada vez em maior detrimento da Europa, a parte mais prejudicada em todo isto. E porém, a UE segue a rejeitar a audaz oferta de Rússia para vender-lhe energia em euros, o que suporia um xeque ao petrodolar, o outro piar do poder ianque. Mas nom resulta estranho esse medo: ainda que o ano passado, em plena guerra económica cos USA, China ameaçasse com vender a dívida americana e desdolarizar-se, a vitória pírrica que isto lhe forneceria nom compensaria os enormes danos que se ocasionaria a si própria. Mesmo antes da crise, o governo de Estados unidos superou a maior cifra de dívida da sua história: 23 bilhons de dólares, um 16% mais da que havia quando Trump chegou à presidência. Aliás, nesse período, o déficit incrementou-se num 50%. A potência asiática possui o 18% da dívida americana, a maior parte, e também umha imensa reserva de dólares que emprega para beneficiar a sua economia desvalorizando o yuan. Desdolarizar-se, como fijo e promove Putin, suporia-lhe um golpe ainda inassumível e umha trovoada económica de difícil controlo a nível mundial.
Nesta tesitura de enfrentamento global resulta infantil acreditar nas manipulaçons mediáticas contra Russia e China dos grupos de desinformaçom do regime, vinculados aos grandes lobbys de comunicaçom anglo-americanos. Porém, também caimos na puerilidade se pretendemos ver no gigante sino-russo um continuador do bloco socialista em chave comunista para além do capitalismo de Estado com estética estalinista que pratica a república popular no melhor dos casos. Nom podemos analisar China exclusivamente com categorias ocidentais. Em palavras de Zhang Weiwei, nom é um estado-naçom no sentido liberal, é um estado civilizaçom. Quando ocidente bate co gigante asiático, encontra umha continuidade cultural e institucional de mais de 2000 anos. Algo semelhante ao que lhe acontecia à Grécia ou à Roma clássicas com Egito. O tempo transcorre de diferente jeito quando umha sociedade acumula a experiência de milénios, enxerga melhor a meio e longo prazo. Assim, os empréstimos dos bancos estatais chineses aos Estados “em vias de desenvolvimento” já superárom as quantidades do Banco Mundial e do FMI, mas nom exigem as medidas político-sociais em troca que reclamam estes. China prospera fornecendo ajuda internacional e comércio, sem imperialismo além das suas fronteiras. Enquanto o FMI debate sobre um plam de empréstimos mundial diante da crise inevitável pós-covid, sempre impondo as suas condiçons nas políticas internas dos Estados, China encontra um campo perfeito para a expansom da sua supremacia tranquila. No tempo em que Estados Unidos padece umha catástrofe sanitária e tenta acaparar máscaras; China, com Rússia e Cuba, enviam ajuda humanitária. O poder da planificaçom, a força do Estado frente ao caos do mercado, manifesta a sua superioridade em tempos de crise e estabelece um novo marco de referência mundial. A instantánea de ajuda russa em chao estado-unidense resulta contundente. Porém, nom confundamos isto com qualquer teleológica fase triunfante do socialismo com base em desenvolvimentos das forças produtivas, polo amor de Marx! Avonda com analisarmos a relaçom capital-trabalho no novo hegemon para cair da burra. Pior ainda seria fascinarmo-nos com umha brusca muda de hegemonia e imediata derrota do capitalismo coa simpleza dum filme de Hollywod.
As momentos de troca de hegemonia no sistema-mundo som períodos de inestabilidade que permitem a viabilidade de novos projectos estatais. As independências Latinoamericanas de começos do XIX seriam impensáveis sem o apoio do novo hegemon inglês frente a Espanha. A Primeira Guerra Mundial deu nas independências das naçons contidas nos impérios europeus do antigo regime e a Segunda na descolonizaçom de Áfria e Ásia. É mais, nom haveria revoluçom soviética sem a Gram Guerra. Quer dizer, estamos numha etapa de oportunidade internacional para os movimentos independentistas e progressistas que passa pola aliança co hegemon em ascenso. Com umha “esquerda” espanhola totalmente engaioalada na segunda transiçom do regime do 78 dentro da UE, do FMI e a OTAN, qualquer ruptura democrática vai partir dum soberanismo forte apoiado na potência russo-chinesa para ser viável. A nível continental, umha Europa do Sul abraçada também a Latinoamérica e a África que ajude a abalar ainda mais a decadência da hegemonia anglo-ianque.
Por isso resulta tam importante sabermos diferenciar alianças geoestratégicas de modelos políticos. Como dixemos, China nom impom o seu modelo aos aliados a diferença do imperialismo estado-unidense. Abraiar com um suposto revival estalinista mundial desde um pacto com ela é aceitar a própria propaganda ocidental imperialista. Porém, rejeitá-la desde um purismo anticapitalista religioso conduz à nada. Cumpre a aceitaçom de dous ritmos de construçom na superaçom do capitalismo. Um imediato que responda às urgências conjunturais políticas e económicas e outro de longo prazo que construa no horizonte da nova sociedade em todos os aspeitos, civilizatória. Quer dizer, um marco de relaçons nom patriarcal, nom racista, sem exploraçom e realmente democrático com um novo sentido comum construido desde a nossa classe. Disto havemos falar no seguinte capítulo. A principal funçom da primeira dinámica é garantir o espaço da segunda, abeirá-la da erosom do sistema ao longo de cada tesitura imediata e sempre em avanço. Ao cabo, foi assim como a burguesia europeia deu construido a civilizaçom capitalista . É o que vemos no poder comunal venezuelano protegido polas instituiçons bolivarianas estatais ou no poder popular curdo e zapatista resguardados por cadanseu exército, ao cabo, esqueletos de Estado também. Endebém, o governo mexicano de Morena parabenizando-se pola apariçom de novos caracóis zapatistas desde a sua chegada assinala um exemplo ainda mais acabado. À esquerda soberanista cumpre-lhe aceitar estas realidades “macro” se quer ser realmente efetiva no concreto e nom emprenhar do ar.
Luita civilizatória. Água (Abril de 2020)
Nas últimas duas décadas as palavras colapso e decrescentismo salientárom os limites ambientais do planeta face à progressom acumulativa infinita do capitalismo. Pola mesma, a ideia dos grupos de apóio mútuo que agora frutifica com milheiros de componentes por toda Galiza e o Estado espanhol, estendera-se já nos rescaldos do 15-M nom seduzidos por Podemos. Em Galiza, que padece a destruiçom do rural e dos seus setores produtivos desde há decadas, estas tendências qualham na luita pola soberania alimentar e em iniciativas de volta ao agro. Canda elas, modelos de ensino alternativo como as Sementes proliferárom por todo o país nos últimos anos numha linha harmónica. A vaga feminista atual, mesmo por razons materiais, pessoais, enchoupou e alicerçou nestes setores sociais até criar umha nova cultura participativa.
Este modelo de transformaçom requer umha construçom mais lenta que a velocidade da política institucional e que o repentinismo esquemático e cândido co que fantaseam os vanguardismos ideologistas. Porém, as crises como esta em que o circuíto vital do sistema se detém e permite ver as suas engrenagens e mesmo refletir sobre elas desde a pausa, abrem campo para a expansom explosiva da organizaçom popular graças a esse trabalho prévio.
A recessom económica que se aproxima vai ser feroz, especialmente para a economia espanhola. Se já lhe custou cara a crise de 2008 por se deborcar desde os noventa cara à construçom e a especulaçom imobiliária, esta vai-lhe afetar especialmente ao turismo, o setor co que deu erguido cabeça desde aquela. O FMI prevê umha queda da economia global do 3% para este ano. A baixada do Estado espanhol calcula-a num 8%, a maior depois de Itália. Em Galiza, onde levam décadas sacrificando o nosso sector primário em favor do turismo, a perda só da área turística conta-se em 3600 milhons de euros e 30.000 empregos menos em 2020. Isto, sem termos em conta o rejeitamento à inconsciência do turismo procedente de zonas especialmente infetadas, fodechinchos, que a situaçom provoca. Algo que pode contribuir ainda mais à míngua do sector. E para o ano é ano jacobeu.
Diante do medo ao contágio, depois dum confinamento mundial, quem vai querer ou poder viajar? As companhias áreas paralisárom o 90% dos vôs e encarreirárom-se a umha quebra total. Contam com perder 290.000 milhons de euros este ano. Estados Unidos, Itália ou Rússia somam-se à listagem de Estados que tivérom que resgatar as suas companhias aéreas para que nom caíssem na bancarrota da Virgin australiana. Para Ibéria, que fai parte do conglomerado hispano-britânico IAG, o governo espanhol ainda nom anunciou resgate. Porém, é mui provável que o decrete nas vindoiras datas.
Sem chegarmos a Amsterdam em menos tempo que de Tui a Ribadéu no caletre, está claro que a nossa visom do mundo vai mudar produndamente. Aliás, à chamada do rural que provoca o medo à infeçom e os novos costumes dele derivados, soma-se a detruiçom de emprego. Em Vigo, a cidade mais grande e industrial da Galiza, consideram-se em risco um 70% dos negócios da hostelaria, os pequenos. A nível estatal enxerga-se que este ano ham fechar contra os 40.000 bares e Galiza é o terceiro terrítório do Estado com mais número por habitante destes estabelecimentos.
Esta terça-feira 21 de Abril, o Programa Mundial de Alimentos da ONU anunciou a sua previsom dumha crise alimentar global que duplicaria o número de pessoas que padecem fame no mundo este ano. É esse medo à insuficiência alimentar o que provocou a restriçom na exportaçom de alimentos há um mês em Rússia (o maior exportador de trigo do planeta), Ucrânia, Sérbia, Romênia, Vietnam… Até o ponto de que o G-20 tivo que ordenar a supressom dessas limitaçons esta mesma semana. A soberania alimentar tem mais predicamento que nunca. Aparentemente resultaria doado garantir umha saída económica à recessom iminente e à perigosidade das aglomeraçons, com base na produçom de proximidade e à volta à aldeia em Galiza. Mas Espanha di que nom. É mais, ainda que o consumo de alimentos medrou um 19% na nossa terra durante a crise, os beneficiários som os distribuidores, nom os produtores. A consultora Nielsen cifra num 21% o crescimento dos supermercados graças à crise sanitária, que passárom dum 12% de comércio Online a um 50%. Mas a norma espanhola segue a proibir as feiras de proximidade e a favorecer as grandes superfícies até o ponto de reduzi-las a única saída das crianças num primeiro momento. Por isso seguirmos sem saber quando poderemos celebrar mercados, feiras, de produtores. Porém, iniciativas de venda online desde os próprios cultivadores estám ajudando a abrir um eido alternativo mais vigoroso que nunca, como demonstrárom a semana passada os pataqueiros da límia através da empresa AMA. O serviço de entrega a domicílio da associaçom de produtores ecológicos Non é o mesmo de Compostela ou as redes de distribuiçom que organizárom alguns concelhos galegos apontam para o esse caminho.
Dada a restriçom de passo dos jornaleiros africanos, o governo francês apelou ao civismo dos desempregados galos para que ajudassem a garantir o alimento da naçom e que nom se perdessem as colheitas. Aos dous dias, 40.000 franceses fôrom inscritos na campanha para apanhar a anada. Alemanha guindou também um chamado aos parados para cubrir 300.000 postos de jornaleiros e Espanha anda à procura de 100.000 entre desempregados e imigrantes para apanhar as grandes colheitas. Porém, esta semana, o governo espanhol endureceu as medidas que proibem antender as leiras durante a quarentena. Só se poderám realizar essas tarefas em caso de necessidade de subsistência demonstrável. Enquanto nos acugulamos nos supermercados, fábricas e transportes públicos, impedem-nos atender em soidade as nossas próprias veigas e hortas urbanas no tempo da sementeira do tomate, o pimento e as cabaças. Está claro qual é o interesse.
Em momentos de colapso económico, de depressom, produzem-se voltas massivas ao campo. A crise do século III que fijo transitar do Império romano para os sistemas senhoriais medievais é o caso mais paradigmático. As sociedades periféricas cujo rural nom foi completamente destruído pola industrializaçom capitalista, que guardam a memória labrega, gozam de vantagens nestes momentos. A crise abre espaço a umha recamponesizaçom nom só substentável senom vital. Porém, longe das mistificaçons românticas pequeno-burguesas, nom se deve entender como umha volta atrás. É umha necessidade que vai ter que incorporar a tecnologia para o seu desenvolvimento como já vimos nas iniciativas que estavam a prosperar. A identificaçom dos avanços tecnológicos co capitalismo é um erro comum a toda classe de idealismos. Pola contra, a tecnologia apenas constitui umha ferramenta que o capital emprega para favorecer a sua acumulaçom. Como sentencia a máxima marxista, um instrumento que pode ser empregado para destruir o sistema que o engendrou. A Galiza cidade-jardim que sonhava Castelao terá que ser umha superaçom da turistificaçom, do extrativismo colonial e do produtivismo ecocida, mas nom um retorno romântico aos castros, como jamais desejou a tradiçom soberanista.
O eixo alimentar está a ser o principal nos grupos de apoio mútuo, garantirem o abastecimento da vizinhança. Neles foi fundamental o emprego das tecnologias da comunicaçom e permitem enxergar umha conexom alternativa entre agro e cidade para além das multinacionais da alimentaçom. O ânimo cooperativo e autogestionário das catástrofes vem de longe no nosso povo e evoca as cadeias de maos a carrejar chapapote ou água contra os lumes no passado recente. Esta realidade marca um alicerce para desenvolver um Espírito de ’45 no período imediatamente posterior ao confinamento em chaves anti-regime. De aí a teima em institucionalizar os aplausos das oito desde os meios espanhóis até ritualizá-los, umha via de escape à tensom que facilita o controlo de massas. A polícia de balcom constitui o produto mais acabado da narrativa mediática espanhola. O cenário de relaçons sociais posterior à crise sanitária, além de marcado pola depressom económica, vai-no estar polo próprio peso da doença. O saúdo tradicional de muitos países asiáticos, juntando as maos ou inclinando-se sempre a distância, é consequência de antigas epidemias perdidas na história. Pola mesma, o lazer massificado vai-se ver afetado. O estoupido de novas formas de socializaçom cingidas às redes sociais e as alternativas contra-hegemónicas que delas se geram ainda resultam inavaliáveis.
O que fica claro, como em qualquer comoçom no funcionamento dum sistema, é o campo aberto para a construçom de alternativas reais. Nessas circunstâncias, o papel das forças sindicais e políticas resulta primordial. O Regime do 78 prepara a sua segunda transiçom e condena qualquer crítica da esquerda equiparando-a coa ultradireita, a centralidade tam cara às teses podemistas, o novo carrillismo. Frente a essa tentativa de restauraçom, às forças sindicais cumpre-lhes retomar modelos anteriores aos Pactos da Moncloa baseados na experiência comunal de começos do s. XX, na cultura integral e a combatividade. Na guerra de classes que se aproxima, a representatividade institucionalizada vai perder a sua importância em favor da capacidade de resposta direta e de organizaçom do abeiro social. Mas disso havemos tratar no seguinte artigo. As organizaçons políticas também se vem na obriga de adotar posturas nesta recomposiçom e encontram umha oportunidade extraordinária de acompanhar a efervescência auto-organizativa submetendo-se a ela, renunciando ao tradicional controlo eleitoralista.
As duas velocidades de transformaçom manifestam-se em toda a sua potencialidade. A nova ética, o novo sentido comum pós-capitalista medra nos caracóis zapatistas auto-geridos, deslocando todas as opressons deste sistema-mundo: patriarcais, coloniais, classistas, racistas, ecocidas. Mas fai-no protegida por um exército hierarquizado e treinado para matar igualinho que os seus equivalentes no Curdistám. A cerna contém o novo mundo em construçom, a tona protege-o do velho expondo-se a ele para o combater coas suas armas. Do mesmo jeito age o movimento bolivariano abeirando e legitimando o poder comunal desde as instituiçons liberais do Estado venezuelano. Umha é a construçom firme, a outra a resposta rápida aos ataques e contingências imediatos. O que permite a sua estruturaçom é um mesmo horizonte de transformaçom. A primeira é doada de isolar e anular como alternativa sem a segunda. A segunda é fácil de corromper e integrar no lógica do sistema sem o contrapeso da primeira. É a ética construida na cerna co exemplo diário a que evita a podrémia da códia protectora. Mandar obedecendo mais que um lema converteu-se numha necessidade, a corrupçom política começa no momento em que o representante antepom a sua vontade à voz das representadas. Venhem tempos de sachar.
Luita de classes. Lume (Maio de 2020)
A narrativa oficial batuca por toda a parte chamando-nos à unidade contra o vírus. A mentira criminal de que a doença nom reconhece nem territórios nem classes sociais esfarela-se segundo a crise avança. Nom, nom nos afeta a todas por igual. Nom é o mesmo ser operárias precarizadas forçadas a irmos laborar acuguladas, porque nem sequer podemos aceder ao teletrabalho, que um patrom no seu largacio chalé de férias. E já nom falemos da populaçom excluida e racializada que tivo que fugir para autênticos tobos por medo ao maltrato policial do estado de sítio encoberto. De facto, é a detruiçom da sanidade pública a que mata a quem nom pode pagar o seu tratamento.
Mas se desigual, como todas, é a enfermidade, pior se prevê a recessom económica que a vai suceder. A nível mundial, o aumento do desemprego, da fame e da pobreza decerto que vai produzir muitíssimas mais vítimas que o vírus de seu. Nos próprios Estados-Unidos, de março a abril, o desemprego aumentou um 15%. Exatamente ao mesmo tempo que a riqueza dos multimilhonários ianques medrava um 10% segundo o Institute for Policy Studies desse país. Calcula-se que o ano poderia acabar ali com um 20% de paro, o mais elevado desde a depressom económica dos anos trinta. No entanto, Jeff Bezos, fundador e diretor executivo de Amanzon, acabou abril com mais de 10.000 milhons de dólares de benefício.
No Estado espanhol, a sua especializaçom nos setores turístico e imobiliário, os mais afetados a nível mundial, fai prever umhas consequências catastróficas. O mesmo Pedro Sanchez anunciou que nom se vam recuperar as cifras do PIB até 2023, com todo o que isso significa. E é que, depois dum março que se situou como o mês da série histórica em que mais subiu o paro, em abril o aumento antingiu os curutos do da crise de 2009. Sem contar nele os ERTEs, claro, que lhe afetam à quarta parte dos filiados ao Regime Geral. Por riba, a dependência espanhola do sector da vivenda fai prever a desapariçom de entre 10.000 e 15.000 agências imobiliárias a resultas dum derrubamento dos preços de até o 17%. Além da perda de postos de trabalho, vai deixar o mercado ainda mais exposto às hienas financeiras internacionais. Por suposto, as mais prejudicadas ham ser as classes populares, aguilhoadas cara ao mercado do aluguer, que vai continuar co seu aumento imparável de preço. Até neste abril de confinamento subírom dez décimas sobre março. Para mais, a crise turística, que já está a provocar umha transferência de vivenda de aluguer temporário desse sector para o tradicional, nom está a implicar umha maior disposiçom de pisos.
A extensom maciça do teletrabalho foi outra das novidades que trouxo a Covid-19. Um disimulado passo para a privatizaçom dos serviços públicos mediante a substituiçom paulatina do trabalho presencial pola gestom da plataformas digitais privadas. Os dados que lhes fornecemos para o seu comércio agregam-se a um aumento da exploraçom sobre a trabalhadora coa escusa do confinamento. Aliás, exclui umha quinta parte da populaçom, gente maior e da nossa classe que nom pode ou nom sabe ligar-se. Por suposto, as profisons que nom permitem teletrabalho som as mais precarizadas, feminizadas e racializadas: caixeiras, cuidadoras, limpadoras… As mesmas que padecérom também as piores condiçons para suportar o confinamento. Durante ele, as chamadas por violência machista aumentárom um 60% e fôrom 4.500 os detidos por essa causa em todo o Estado. E é que nom, estar fechada co teu torturador em 70 metros quadrados após umha jornada laboral de risco nom te une ao banqueiro que nada na piscina da sua mansom. Por muito que o governo espanhol nos repita que cumpre vencermos o vírus todos juntinhos.
As crises som sempre períodos de recomposiçom sistémica ou de superaçom do velho modelo. Mália a chocalhada do gobierno español más progresista de la historia, as elites do regime do 78 continuam dirigindo o rumo cara umha Segunda Transiçom perpetuadora com mais aceleraçom que nunca. Aproxima-se umha guerra de classes e os nossos donos vam-nos ganhando por goleada. Nom só governam as medidas ecónomicas que se vam implementar senom que no-las dérom inserido num cavalo de Troia tingido de vermelho. Algo nada novo ao cabo, as reformas laborais mais drásticas do Regime do 78 fôrom aplicadas por governos do PSOE. Assim, ainda nesta crise sem precedentes que estamos a encetar, o governo espanhol nom pensa recuperar 45.000 milhons dos 65.000 que investiu em resgatar a banca espanhola. Pese a que essas mesmas entidades já obtenham benefícios de mais de 100.000 milhons de euros. Pola mesma, em 2019 incrementou-se num 7,7% a retribuiçom dos conselhos de administraçom do Ibex. Porém, Josep Borrel anunciou recentemente que nom descartavam que o Estado entrasse ao capital das grandes empresas para lhes ajudar. As mesmas grandes empresas que corrérom a apanhar ERTEs para que o dinheiro público cubrisse os salários das suas empregadas: El Corte Inglés, Prosegur, Mango, Barceló… Enquanto Sanchez e Iglésias imploram um resgate do Banco Central Europeu, as grandes corporaçons espanholas fregam as maos lembrando os 10.000 milhons de euros de dívida que esta instituiçom lhes comprou em 2017. De feito, a metade dos 200.000 milhons de euros que o governo espanhol anunciou como investimento contra a crise vam ir diretamente para avais à banca no canto de ajudas diretas às vítimas da recessom económica. Quer dizer, para endividar-nos mais com ela aproveitando a desgraça.
Por se fosse pouco, o que a CEOE pedia o 4 de maio, mais flexibilidade nos ERTEs e mais facilidade nos despedimentos, foi obedecido polo gobierno español más progresista de la historia servilmente. Os dous grandes sindicatos amarelos assinavam coa patronal e a aquiescência do governo espanhol o Acuerdo Social en Defensa del Empleo apenas quatro dias depois. Quiçais o papel mais escuramente engraçado, de bufom, corresponda a Unidos-Podemos. Anunciárom como umha vitória sobre a corrupçom empresarial espanhola umha medida falsária: “As empresas com paraísos fiscais nom se ham poder acolher aos ERTEs”. Na realidade, a norma só refuga as empresas com sedes nesses lugares, mas nom as que contam com filiais ali, quer dizer, acolhe todas as do Ibex 35 salvo quatro. Ademais, para exemplificar a transcendência do assunto, já só cinco delas contam coa selvajada de meio milheiro de filiais nesses lugares: Banco Santander, Repsol, ACS, Arcelor Mittal e Ferrovial. Porém, ham aceder aos ERTEs sem nengum problema. Apenas um passinho no plam da Segunda Transiçom, enfeitado cos Pactos de La Moncloa invocados por Sánchez e que fam iminente outra reforma laboral contra nós.
O papel legitimador dos dous grandes sindicatos oficiais vai resultar fundamental para disciplinar a nossa classe na desmobilizaçom e aceptaçom do próximo reajuste de regime. Nesse sentido, o seu exército de liberados e estômagos agradecidos, que constituem umha gram parte do esqueleto de quadros de Unidos-Podemos, já se pujo à obra. Ei-los a justificar que no canto de limitar o preço dos alugueres, o Estado nos endivide ainda mais com créditos; a louvar a renda mínima vital em que ficou a necessária renda básica ou a pedir-nos paciência cos ERTEs. Sim, enquanto 700.000 trabalhadoras e trabalhadores ainda nom os cobrárom.
O projeto nacional espanhol em todas as suas manifestaçons políticas relevantes orientou o futuro cara à Uniom Europeia e à permanência na hegemonia anglo-americana e sob o FMI. A visom mais esquerdista dele apenas é quem de propor um neokeynesianismo mol cingido à injeçom de dinheiro público para aumentar o consumo co que lhe dêm esmolado ao Banco Central Europeu. Na sua manifestaçom mais quimérica, sonham com empregar a Bankia semipública como um gram banco estatal mália o euro. Desse alinhamento geopolítico e económico só nos aguardam mais medidas neoliberais impostas polos seus amos para pagar-lhes as dívidas. Aliás, pola vez de aproveitar a crise para reconduzir o esquema produtivo longe do turismo ao que os relega esse reparto internacional, vam deborcar no seu resgate gram parte dos esforços económicos. Justo quando é o pior parado a nível mundial e sem expetativas de continuidade, como dixemos na segunda parte desta série. O discurso da unidade contra o vírus está-lhe a servir ao regime do 78 para reforçar a narrativa nacionalista espanhola e assegurar esse caminho. Porém, o ensaio repressivo durante o confinamento, com militarizaçom, espionagem maciça e censura nas redes, amostra qual é a ideia. O pato da “esquerda” espanhola co ultranacionalista e liberal Ciudadanos, ainda mais. Mas disto havemos falar na quarta parte.
Recapitulando, a rutura co modelo produtivo que estamos a padecer configura a única via para fugirmos desse destino atroz, como vimos na segunda parte desta série. Porém, a sua fatibilidade leva-nos à aliança co hegemon emergente como vimos na primeira. Quer dizer, para garantirmos umha economia produtiva de proximidade e soberania alimentar, fundamentais para a etapa histórica em que imos entrar, cumpre um projeto nacional amigado co hegemon sino-russo. Isto exclui o projeto nacional espanhol e abre as portas das propostas soberanistas como única saida real para as classes populares. O exemplo de Catalunha está-o a demonstrar ainda hoje. Nom há rutura anarquista, socialista ou democrática sem racharmos o marco espanhol e o seu nacionalismo sedante.
Por outra banda, um modelo sindical dirigido à representaçom institucional nas estruturas que o regime lhe habilitou, por mui combativo que for, nom é umha ferramenta ajeitada na nova fase. Cumpre olhar para os referentes de pré-guerra e resgatar o aspeito autónomo, comunitário e assitencial dos sindicatos. Cada vez mais vozes dentro das centrais sindicais galegas clamam por umha reestruturaçom que nos permita eficiência no contexto de empobrecimento e guerra de classes que nos aguarda. Pola mesma, o contato e sincronizaçom dos sindicatos obreiros co tecido popular organizado urge mais que nunca: GAM, sindicatos agrários, coperativas de consumo, sindicatos de vivenda, hortas comunitárias, coletivos de migrantes, coletivos feministas, centros e comedores sociais…
A própria crise sanitária fornece-nos a verdade do que está a chegar: A sanidade galega em farrapos com um quadro de pessoal de 35.000 eventuais. E endebém, velaí as trabalhadoras a coordenar-se para conter a ameaça mália a falha de meios e as contradiçons dumhas adminstraçons ineptas. Em nengum outro ponto do planeta houvo tanto pessoal sanitário contagiado como no Estado espanhol, com todo o que isso implica. Entrementes, a sanidade privada de Galiza acaba de lhe reclamar à Junta 40 milhons de euros polos seus gastos desde que se iniciou o estado de alarme. Velaí de novo a liçom: só o povo salva o povo.
Luita política. Vento (Julho de 2020)
Nos anos 50 do passado século, Michael Roberts vinculou a apariçom do Estado moderno à configuraçom de exércitos profissionais nos alvores da modernidade aló polos séculos XV e XVI. O poder centralizado e umha economia à disposiçom da carreira armamentística implicárom a apariçom das novas formas políticas. Porém, foi o surgimento do Estado naçom o que mais consagrou a relaçom entre a guerra e a institucionalidade moderna. A ideia da naçom como deus leigo iluminista da revoluçom americana e francesa espalhou-se coas guerras napoleónicas e as consequentes independências latino-americanas. Forçou mesmo os velhos impérios a adotá-la nas suas narrativas de guerra. As duas grandes contendas mundiais da primeira metade do século XX confirmárom ainda mais o vínculo entre guerra e narrativa nacionalizante. Até na internacionalista URSS se lhe chamou Gram Guerra Patriótica à II Guerra Mundial. Aqui, nada contribuiu mais à expansom do recém nado espanholismo do XIX que as guerras de África e Cuba. O apelo à unidade contra o inimigo exterior ranhava mesmo no arquétipo mais primitivo e visceral da sociabilidade humana. A narrativa de guerra nacionaliza, cria identidade nacional mais do que nengumha outra.
Por isso o governo espanhol nom só empregou durante a crise sanitária umha linguagem radicalmente bélica senom que até a encenou em partes de guerra com uniformados de todas as ponlas. As forças armadas a percorrer as ruas e a louvança contínua para os dous corpos policiais mais corruptos e violentos da Europa completárom o panorama. A intençom era obviamente expandir o espanholismo aproveitando a tesitura. Após umha tensom senlheira no conflito catalám, o regime espanhol, coa ajuda impagável do neocarrillismo podemita, valia-se do estado de excepçom para prestigiar-se e espanholizar-nos. Por isso lhes retirárom o poder às autonomias. Quando venhem problemas de verdade nom estamos para folcorismos identitários, toca a seriedade de Madrid frente aos nossos particularismos. Essa decisom foi tomada quando Catalunha queria fechar o seu território como acontecera no resto de países afetados e quando até em Galiza se começava a especular sobre tema. Ao final demonstrou-se que essa determinaçom centralizadora permitiu a propagaçom do vírus desde Madrid a todo o Estado e que se atingissem os primeiros postos mundiais em mortes e infectados no pico da pandémia. A brutalidade inerente ao nacionalismo espanhol, espalhar a morte, antes de permitir que se visibilizasse umha gestom mais efiente que a central nos territórios díscolos.
Por suposto, esta estratégia espanholizante aproveitando a crise fortaleceu, como sempre, os mais espanhóis, quer dizer, a extrema-direita. A ridícula pretensom de resignificar umha bandeira imperialista e fascista como a espanhola é comparável a tentar ensaiar um projeto progressista sobre a ideia do Lebensraum (espaço vital) názi. Ao cabo, a gente acaba preferindo o original e nom a cópia, como já sentenciara Le Pen. Porém, esta visibilidade agressiva do nacionalismo espanhol mais reacionário, contribui, já o temos assinalado, à centralidade do PSOE-Podemos. Frente ao problema catalám e diante dumha reforma do regime imprescindível para a sua supervivência, VOX equivale ao ruído de sabres da primeira transiçom. É o contrapeso perfeito para acoutar as nossas demandas de liberdade. Todo o espetáculo do cesamento de Pérez de los Cobos e os gorgulhos das cloacas beneméritas manifestam ainda mais esse continuismo inevitável que os independentistas conhecemos de vez. Pola mesma, o compromisso de Unidos Podemos coa monarquia parlamentar espanhola ficou claramente de manifesto nestes meses. Como tem assinalado o Dionísio Pereira: “Nin derrogación da reforma laboral, da Lei de Amnistía, da Lei Mordaza, da Lei Montoro, nin reforma fiscal progresiva nin da Constitución (artigo 135), nin redución dos gastos militares, nin nacionalización dos sectores estratéxicos, nin banca pública, nin blindaxe das competencias autonómicas…” Como bom continuador do carrillismo, Unidos Podemos mesmo já quijo proteger os criminais do regime, tal que o assassino Felipe González, por garantir o seu estátus. A II transiçom aproxima-se e a “esquerda” espanhola assume seu papel histórico de cúmplice legitimador.
Um ponto importante na campanha de prestígio dos corpos policiais foi o discurso contra os transgressores do confinamento. Nom só convertia em cumplicidade delatora a frustraçom da cidadania encerrada, também desviava o foco da polémica para os indivíduos inconscientes. Assim, entre aplausos ritualizados que acabárom por ser para a institucionalidade do regime, também se justificava a violência policial. Porém, a maior virtude para a ordem constitucional supujo-a a capacidade de desviar o debate da privatizaçom da sanidade pública. Os dous grandes partidos do Regime do 78 contribuirom à degradaçom dum sistema sanitário do que seguiam a chufar como o melhor do mundo. E faziam-no com um orçamento espanhol para sanidade inferior à média europeia e do que se investiu umha gram parte em privatizaçons por parcelas. E é que muito do gasto atribuído à saúde pública foi para subcontratas que mamavam da administraçom usurpando-lhe funçons. Mas assim, no canto de culparmos das mortes a quem destruiu a sanidade pública e geriu desastrossamente a crise, culpamos a nossa vizinhança. Manobra de distraçom tam velha como o poder.
Neste sentido, o escudo da ciência foi fundamental para o discurso atordoante. Esquerdistas idiotizados polas batas brancas acreditárom ao pé da letra em cada medida política dos nossos governantes apresentándo-as como neutras. Nada melhor que a autoridade dum especialista que che justifique o que ti já decidiche com critérios bastardos para fortalecer a tua hegemonia. Ainda que as cifras do Estado espanhol estivessem entre as piores do mundo e se confirmasse o erro criminal da centralizaçom. A ciência como abstrato assético serviu para hipnotizar os seus crentes religiosos do esquerdismo pailám mais umha vez.
O olho de Sauron do governo espanhol fitava para Catalunha e Euskadi como ameaças contrahegemónicas, nom para VOX, o seu contrarregueifeiro necessário. Galiza, em troca, era um assunto mui menor. À aliança do governo mais progressista do mundo mundial nom lhe importou que a medida da centralizaçom, além de matar gente, exculpasse a Feijóo num ano eleitoral. Também lhe deu igual que os seus equilíbrios no Congresso lhe permitissem aqui ao narcopresidente convocar eleiçons já em Julho. Qualquer umha que olhe a campanha do PSOE nas autonómicas e o apoio da imprensa progre madrilenha ao atual presidentinho há concluir o mesmo. Na “esquerda” espanhola interessa mais um Feijóo visto como moderado e rival de Casado, que umha aliança co nacionalismo galego institucional. Na perspectiva da II Transiçom, um BNG cogovernante na Galiza, até como força preponderante, seria agravar a crise do regime agregando-o aos dous destabilizadores soberanistas principais. Melhor o cacique de ordem que o rebúmbio na colónia.
Nessa tesitura de confronto entre a Junta pepeira e o governo centralizador, o discurso transversal de Feijóo adquiriu inevitavelmente um componente regionalista para culpar a Madrid. Ver como a imprensa que ele compra com dinheiro público se somava às campanhas contra o turismo fodechinchos do soberanismo popular foi até simpático. Porém, é um discurso que também reforça o nacionalismo galego institucional como indicam alguns inquéritos. Quiçá isto demonstre ainda mais a nossa debilidade como movimento soberanista em sentido amplo. Medra a nossa narrativa apenas polas necessidades conjunturais da narrativa hegemónica. Nom somos quem de implementar dinâmicas próprias de rutura nem sequer em momentos de crise total. Todo o contrário, o nacionalismo institucional assume docilmente o marco que lhe traçam. Nom houvo umha resposta contundente contra a ilegitimidade dumhas eleiçons co nosso povo em estado de shock polo confinamento e a crise sanitária. O absolutismo caciquil exprimiu-se ao seu jeito mais que nunca em imprensa pública, privada e instituiçons de cartom graças à situaçom de excepçom. Já nom é que carrejem velhos, manipulem toscamente o voto emigrante inchadíssimo, controlem absolutamente toda a imprensa comercial de Galiza ou prémiem com empregos temporais públicos o voto dos mais dessesperados da nossa classe. Agora também aproveitam a confusom e o medo dumha pandemia para prevalecer. Calar e consentir as regras que eles ditam acreditando em estratégias eleitoralistas dependentes da imprensa do inimigo é o pecado original do nacionalismo e a esquerda institucional em Galiza. Escuitei-lhe a sua expressom mais extrema e estúpida a um concelheiro de ANOVA. Desbotava toda construçom popular e trabalho militante sentenciando que a campanha era o fundamental para o triunfo eleitoral. Ao cabo, apenas reproduzia o laclausismo errejonista que ainda mal entendera da irradiaçom podemita inicial. Num país sem meios de comunicaçom plurais e próprios efetivos é como umha brincadeira cruel na boca dum coitado interesseiro. Esta dependência alienante de esquerda galega, colonial, havemo-la tratar no seguinte e derradeiro artigo da série.
Antes do Covid-19 alguns alertamos do perigo dum BNG subsumido em minoria num novo (tri)bipartido. Após os messes de reclusom, essa possibilidade reduziu-se visivelmente graças a Pedro Sánchez. Ainda que se poda sonhar com um governo liderado polo nacionalismo na Junta, o provável som quatro anos da tradicional oposiçom parlamentar legalista bloqueira. A roda de Samsara sem plam de fugida. Como for, o independentismo além dele tem a obriga histórica de recompor-se e reinventar-se. Quer para aguilhoar um governo tripartido quer para rachar a normalidade política do institucionalismo de oposiçom fossilizado. Nom existe possibilidade de independência sem independentismo. Porém, no século XXI, a forma de que um novo Estado triunfe é integrando no movimento secesionista toda luita antagónica co poder ainda que nom se sinta nacionalista. Vincular indissociavelmente ruturismo co regime com soberania própria é o caminho que sinala Catalunha. O que Espanha menos deseja é que demos erguido um espaço independentista aberto e habitável que coordene num discurso plural o soberanismo de base. Um lugar que convide a participar a toda pessoa que quiger construir alternativamente e combater frontalmente o Regime do 78 além de etiquetas. Ela aguardará que repitamos leias por pirâmides de mando focadas ao institucionalismo ou o cainismo dos vanguardismos frikis co que tam bem nos marginaliza. Por isso toca surprendermo-la enquanto o olho de Sauron nos ignore. Nisso andamos.
Luita de liberaçom. Vácuo (Maio de 2020)
Transcorreu muito tempo entre as quatro primeiras partes desta série e esta que escrevo. A espera por um horizonte de saída na crise sanitária que permitisse enxergar mais claramente o cenário posterior foi a culpável. Rematávamos a anterior preludiando esta derradeira do seguinte jeito: “O que Espanha menos deseja é que demos erguido um espaço independentista aberto e habitável que coordene num discurso plural o soberanismo de base. Um lugar que convide a participar a toda pessoa que quiger construir alternativamente e combater frontalmente o Regime do 78 além de etiquetas. Ela aguardará que repitamos leias por pirâmides de mando focadas ao institucionalismo ou o cainismo dos vanguardismos frikis co que tam bem nos marginaliza. Por isso toca surprendermo-la enquanto o olho de Sauron nos ignore. Nisso andamos.”
Um dos problemas mais importantes cos que batérom os movimentos anti-coloniais dos S. XX foi o emprego das ferramentas teóricas do opressor, dos marcos epistémicos e de valores metropolitanos: supremacistas, classistas e próprios do patriarcado burguês cristao. Os resultados dérom em aplicaçons miméticas dos moldes que se lhes impugeram aos povos subalternizados mas geridas polas classes médias nacionais para novas ou velhas potências estrangeiras. Isso sim, indentificando em si mesmas como classe os valores prestigiadores que lhes insuflara o colonialismo durante geraçons. O calco das instituiçons é, se calhar, o exemplo mais evidente. Umha greia de novos Estados-naçom a imitaçom dos europeus esmagou a organizaçom e os sentidos comuns autóctones por todo o mundo colonizado. Assim, ao cabo, o neocolonialismo imperou assobalhante entre os independizados após a II Guerra Mundial. Também entre os que se proclamaram socialistas.
De feito, a interpretaçom limitada que a escolástica soviética realizou de Marx, submetendo toda superestrutura sociocultural e ideológica a umha estrutura de produçom económica, deu num fracasso clamoroso. Já Gramsci apontara a interrelaçom entre umhas e outras, como hoje sabemos que também entendera o próprio Marx. É certo que a economia determina as formas culturais e políticas, mas também que estas determinam a evoluçom dos sistemas de produçom. E por suposto, nom, nom mudam todas as opressons do capitalismo de seu em redençons várias por trocarmos o modelo económico. Cumpre um cámbio civilizacional, alicerçado numha nova ética, que recolha as pautas para acabar com todas essas dominaçons e cos dispositivos sociais que as justificam. Quer dizer, nem a independência é um fim em si mesmo nem o socialismo um mecanismo rígido com manual de instruçons centenário.
A elaboraçom dumha narrativa ideológica própria com base nas necessidades e demandas concretas e atuais é a chave de qualquer movimento vitorioso. Contra isto bate o ideologismo que repete o mimetismo do modelo teórico abstrato e atemporal e o possibilismo que vem e vai coas marés do imediato. Pola mesma, cumpre umha ética post-capitalista que se manifeste numha conduta nova e predique co exemplo dentro dos espaços arrapanhados ao inimigo. A ideia do primeiro cristianismo de que o reino de Deus já medrava entre eles, nas suas pequenas comunidades, sob o novo marco moral, permitiu umha expansom tam rápida como a do Islám e o seu novo código comportamental interno. Já dizia Marx que daquela “a crítica da teologia se virava crítica da política”. As mudanças históricas combinam a apariçom do novo em espaços emancipados contra o velho canda a pressom nas tendências mais avançadas deste para produzir o cámbio estrutural.
No concreto, o nacionalismo institucionalista, o BNG, constitui neste momento a segunda força política em Galiza, com mais apoio eleitoral do que nunca gozou em toda a sua história um partido galego. Após a crise de Ámio e umha marcada travessia polo deserto, soubo aproveitar os fracassos dos vários pactos do beirismo coa “esquerda” espanholista. Esse pouso anti-regime que medrou fora do socairo bloqueiro na geraçom do 15-M canalizou-se finalmente em chave nacional nos comícios. Mas isto nom só aconteceu pola ineptitude organizativa do beirismo e a chafalhada neo-carrillista de Podemos. O BNG soubo renovar o seu discurso eleitoral em chaves rupturistas desde um autonomismo quintanista constitucional, velho, que o lastrava. A construçom dumha fasquia diferente, mais urbana e menos acomplexada, bebeu sem dúvida também de experiências alheias e novos referentes. A pegada dum laclausismo à galega na elaboraçom do liderado de Ana Pontom e a “nova imagem” resulta inegável para quem tiver olhos na cara. Outramente, o contrapeso “radical” para equilibrar e alargar o envolvimento bloqueiro assentou-se em três piares. Por umha banda o discurso independentista e duro de Nésto Rego em Madrid, claramente diferenciado do do Hórreo. Por outra, o MGS e a sua reinvençom em Movimento Arredista, coa pretensom de atrair o independentismo, a monte fora do BNG, para dentro. Em último lugar, Via Galega, enéssima tentativa aglutinante da UPG, que nom só emprega a linguagem e os símbolos tradicionais do independentismo histórico que antes condenava, senom que também usa os seus quadros conversos. “Um anel para todos governar”
A pretensom de abranger absolutamente todo o soberanismo galego num composto orgánico monocorde de direcçom única é umha antiga ambiçom que sacraliza o velho Partido Galeguista numha narrativa infantil e, decerto, classemedieira (Pobre USG!). Nesta altura do capitalismo e do regime, resulta ingénuo pretender a governança absoluta de todos os agentes de mudança numha estrutura de partido eleitoral e as suas ramificaçons. Endebém, o trabalho na administraçom do regime que se combate leva à necessidade dumha outra força de cámbio nom dependente dos ritmos mediáticos e institucionais desse sistema. As duas velocidades de transformaçom em andamento complementar para superar candansua debilidade. Umha é doada de isolar e anular como alternativa sem a segunda. A outra é fácil de corromper e integrar no lógica do sistema sem o contrapeso da primeira. Trata-se simplesmente de ter umha perspectiva em chave de país e de movimento: a estratégia dos dous ritmos com um mesmo horizonte que tanto repetimos nesta série. A construçom da República Galega precisa da pluralidade radical para ser hegemónica, mas também da unidade de açom estratégica de todos os agentes sociais quando cumpre. 40 anos demonstram que o partido eleitoral como vanguarda nom avonda para a angueira, Catalunha ratifica-o co Procés. Precisamos novas instituiçons próprias e populares, nom apenas um partido para votar e apresentar iniciativas e moçons nas do inimigo ou governar em coaligaçom.
Qual deve ser daquela o papel do independentismo para além do BNG? Pois elaborar umha nova narrativa superadora do nacionalismo eurocéntrico do XIX, que ainda nos enchoupa, e protagonizar sem exclusons a construçom das instituiçons populares e próprias. Como se fai isso? Já acontece em bruto, de jeito disperso e pouco coordinado, dilapidando esforços em espontaneísmos voluntaristas mas resistindo e até avançando ainda assim. Mantem-se um independentismo popular participativo que assume todas as luitas de liberaçom e mesmo aplica as suas lógicas internamente, nom só as consignas como slogans valeiros. Essa força social que convive coa base bloqueira no trabalho de a pé precisa de ser articulada para converter-se em efetiva e multiplicar exponencialmente. Porém, o seu próprio caráter local e assemblear impom a forma de rede flexível, mas rexa, para o seu funcionamento.
Umha história recente ateigada de luitas fraticidas por micropoderes insignificantes escorrenta a quem ainda retemos a esperança. O vanguardismo piramidal do século passado, que tantos sociopatas atrai e que tanto gosta de foçar na lameira da marginalidade, é um ferrancho velho e contraproduzente. As suas dinámicas maquiavélicas e esteticistas nom permitem a convivência, antes bem consolidam a hegemonia do regime encarnando a caricatura do nós satanizado ou ridiculizado. É o formato em que se especializárom os serviços de inteligência para controlar alternativas políticas usando-os de tapom. Nom cumpre nem nomear organizaçons deste tipo, mesmo casos presentes, para que todas saibamos que se convertem em trituradoras de militantes, assassinas da esperança e propagadoras do medo. Umha estrutura reduzida e controlável, previsível, minoritária, crédula no interno e desconfiada na contorna, marginal, anti-estratégica por definiçom. Por isso nom se pode conciliar com quem chapuza no xurro, porque nos arrasta ao seu terreio até afogarmos. Repetir por enésima vez as batalhas de listagens testosteroides por siglas e postos em vanguardas autoproclamadas sem que nem sequer médie debate político, a esta altura, mais que trágico é fríki. Hoje, a demanda de espaços habitáveis para a participaçom de todas é reconhecida maioritariamente e leva à juntança de base e a coordenaçom entre iguais em qualquer movimento social. Demonstrou-no Nunca Mais como paradigma e corroboram-no as forças políticas quando se querem nutrir de nova militância e realizam processos aglutinantes: Novo Projeto Comum, Galiza Pola Soberania, Movimento Arredista e até Via Galega. Porém, a assembleia acaba co monopólio da informaçom interna do gerifalte de café e chamada telefónica delongada, por isso a temem os medíocres de toda cor e até se aliam co demo contra ela. Nesse sentido, paralisar processos como foi o Trevinca para somorgulhar-se no sudre da liorta interna com sociopatas maltratadores e orcos de Saruman por medo ao corte cirúrgico só serve para legitimá-los e retroceder à marginalidade. O CNI fregará as maos satisfeito, o efeito tapom há evitar de novo a expansom potencial do independentismo reforçando a imagem relegada, hostil e cainita.
Nom se pode conviver na nova sociedade com quem pretende exercer privilégios de qualquer tipo sobre nós e mesmo recorre a toda caste de sujeiras para os conservar. Nom se pode construir em comum com quem emprega as ferramentas de todas para os seus fins contrapostos a consciência. Nom se pode conciliar nem debater com quem agride nem tolerar a filtraçom a sabendas por pánico escénico ou alangreio. Nom se pode deter o que cumpre por medo a perder o que sobra nem “botar vinho novo em odres velhos”. Prolongar o dessangrado por temor à amputaçom quando se sabe inevitável e compreensível para todas nunca foi bom para a saúde de nengum corpo vivo. Enrolar tripulaçom em barcos de adegas furadas e ratas gigantes a sabendas também é um crime. A fábula do escorpiom de Esopo é mais velha que a fame e velaí que sempre aparece quem guinda risos de babeco ao repeti-la.
A potencialidade dum discurso de rutura consequênte para além das instituiçons e em paralelo ao nacionalismo eleitoralista estarrece o statu quo até a cerna. É o outro pé que cumpre na dialética da liberaçom nacional, o que permitiria artelhar ferramentas de representaçom popular próprias canda o soberanismo maioritário. Umha ponta de lança ao serviço das causas concretas sem ritmos nem dependências mediáticas e institucionais para escrachar corruptos e ocupar despachos culpáveis. Mas cumpre vontade e generosidade, umha simples rede que coordene nacionalmente pontos plurais a nível comarcal e local, sem líderes alfa e com espaços habitáveis. Necessitamos que sejam as oprimidas de todo tipo quem desenhem as normas do lugar em que participemos todas, começando polas mulheres, como resulta óbvio, e nom polo ego dos privilegiados por género, classe ou raça.
O movimento soberanista galego no seu sentido amplo tem a obriga estratégica de sair fortalecido da crise. Máxime quando a contradiçom da rutura co regime se vai visibilizar mais que nunca em chave nacional no Estado espanhol. Os resultados eleitorais em Catalunha e em Madrid e as medidas liberais impostas pola UE que vai adoptar o Governo espanhol assinalam ainda com mais folgos nesse sentido. A nova Transición que tenciona consolidar o regime avança co apoio de todas as forças políticas espanholistas e vam-na realizar contra as classes populares e as naçons sem Estado.
Num momento de troca de hegemonia no sistema mundo, abre-se a oportunidade para os novos projetos nacionais que se aliem coa nascente potência preponderante. Cumpre saber diferenciar, contodo, alianças geoestratégicas de modelos políticos para nom cair no pailanismo coitado. Frente à submissom ao Banco Central Europeu e ao FMI pró-ianqui que o regime espanhol nos oferece, cumpre umha República Galega viável que se alie com China e Rúsia para defender a sua soberania sem mimetismos pueris. A crise económica que se achega, com rotundidade para a economica turistificada espanhola, vai ter na soberania alimentar e no setor primário umha das suas vacinas mais contundentes. Por isso precisamos também dum reforço da volta ao agro desde o independentismo, tanto no ideológico como no organizativo. Na crise económica que aguarda, os sindicatos vam ter um papel axial no Estado espanhol. Como justificadores das medidas regressivas dos governos os oficiais e como esteios de ajuda mútua e combatividade os anti-regime. Afortunadamente, o sindicalismo galego mantém-se forte ainda que precise adaptar-se a umha realidade de guerra de classes no canto da negociaçom coletiva keynesiana para a que evoluiu. Velaí também um campo de batalha em que cumpre a confluência decidida de todo o soberanismo e a sinérgia sindical com todo o tecido associativo e asistencial galego. O peso na açom e na decisom de desempregadas e precárias, a mocidade, resulta pois inesquivável e deve ser a bandeira da atividade independentista nas centrais de trabalhadoras.
O mundo está a sofrer a mudança mais importante desde a queda da URSS. Encontramo-nos num período de transiçom e parálise. O regime espanhol vai-se tentar recompor aproveitando o cenário de excepcionalidade e fortalecer a II Transición frente ao perigo catalám. É momento de arrufarmo-nos como povo num projeto soberano de país, apegado à materialidade, real. Precisamos mais que nunca de todas as nossas capacidades para deixar atrás as cangas que nos apoucam e infantilizam e guindar de novo a “afirmaçom inteira e mais baril.” A história nom aguarda nem se corrige de seu.