Odeio os indiferentes. Acredito, assim como Friedrich Hebbel, que “viver quer dizer ser partidário [1]”. Nom podem existir apenas homens, estranhos à cidade. Quem vive de verdade nom pode deixar de ser cidadão e de tomar partido. Indiferença é abulia, é parasitismo, é covardia, nom é vida. Por isso odeio os indiferentes.

A indiferença é o peso morto da história. É a bola de chumbo dum inovador, é a matéria inerte em que os entusiasmos mais esplêndidos frequentemente se afogam, é o pântano que cerca a velha cidade e a defende melhor do que os muros mais sólidos, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque deglute os assaltantes nos seus poços limosos, e os dizima e os abate e por vezes os faz desistir do feito heroico.

A indiferença age potentemente na história. Age passivamente, mas age. É a fatalidade; é aquilo com que nom se pode contar; é aquilo que estraga os programas, que inverte os planos mais bem construídos; é a matéria bruta que se rebela contra a inteligência e a estrangula. O que acontece, o mal que recai sobre todos, o bem possível que um ato heroico (de valor universal) pode gerar nom se deve tanto à iniciativa dos poucos que agem, mas à indiferença, ao absenteísmo de muitos. O que acontece nom acontece porque alguns querem que aconteça, mas porque a massa dos homens abdica à sua vontade, deixa que fagam, deixa que se agrupem os nós que depois só a espada poderá cortar, deixa que promulguem leis que depois só a revolta poderá revogar, deixa que cheguem ao poder homens que depois só um motim poderá derrubar.

A fatalidade que parece dominar a história nom é outra cousa que a aparência ilusória dessa indiferença, desse abandono. Alguns fatos amadurecem à sombra; poucas mãos que ninguém controla tecem a teia da vida coletiva, e a massa ignora-o, porque nom se preocupa. Os destinos dumha época som manipulados e postos ao serviço de perspectivas miseráveis, interesses imediatos, ambiçons e paixons pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens nom sabe, porque nom se preocupa. Mas os fatos amadurecidos dam nalgum lugar, a teia tecida à sombra chega a um fim, e entom parece que a fatalidade abate com todo e com todos, parece que a história nom é nada além dum enorme fenômeno natural, umha erupçom, um terremoto, do qual todos som vítimas, quem queria e quem nom queria, quem sabia e quem nom sabia, quem estivera ativo e quem era indiferente. E esse último irrita-se, querendo fugir das consequências, querendo deixar claro que ele nom queria isso, que ele nom é responsável. Alguns choramingam piedosamente, outros blasfemam obscenamente, mas ninguém ou poucos se perguntam: se eu também tivesse cumprido co meu dever, se tivesse tentado fazer valer a minha vontade, o meu ponto de vista, teria acontecido o que aconteceu? Mas ninguém ou poucos se culpam pola sua indiferença, polo seu ceticismo, por nom ter estendido o seu braço e as suas atividades aos grupos de cidadãos que, justamente para evitar tal mal, combatiam, à procura do bem a que se propunham.

Sobre acontecimentos já concluídos, a maioria dessas pessoas prefere falar do fracasso dos ideais, da definitiva ruina dos programas e outras sutilezas similares. Recomeçam assim a se ausentar em relaçom a qualquer responsabilidade. Nom é que nom vejam as cousas claras. Às vezes som capazes de apresentar belas soluçons aos problemas mais urgentes ou àqueles problemas que, por exigirem mais preparaçom e tempo, som igualmente urgentes. Mas essas soluçons permanecem belamente infecundas, som contribuiçons à vida coletiva que nom som motivadas por nenhuma luz moral. Ela é produto da curiosidade intelectual e nom desse agudo sentido da responsabilidade histórica que nos quer a todos ativos na vida, que nom admite agnosticismos ou indiferenças de nenhum tipo.

Odeio os indiferentes também por me aborrece o seu choro de eternos inocentes. Pido as contas a cada um deles sobre como cumprírom a missom que a vida lhes impujo e lhes impom cotidianamente, sobre o que figérom e especialmente sobre o que nom figérom. E sinto-me com direito a ser inexorável, que nom devo desperdiçar a minha piedade, que nom devo partilhar com eles as minhas lágrimas.

Som partidário, vivo, sinto nas consciências viris dos meus o pulso da atividade da cidade futura que estamos a construir. E nela a cadeia social nom pesa sobre poucos, nela cada cousa que acontece nom é por acaso, por fatalidade, mas pola açom inteligente dos cidadãos. Nom há nela ninguém que esteja na janela só olhando enquanto poucos se sacrificam, sangram em sacrifício; ninguém permanece na janela para aproveitar-se do pouco bem que proporciona o trabalho dessas poucas pessoas, nem descontará a sua desilusom insultando o sacrificado, o sangrado, porque nom conseguiu cumprir o seu objetivo.

Vivo, som partidário. Por isso odeio quem nom toma partido, odeio os indiferentes.

11 de fevereiro de 1917.


[1] Na citaçom empregada por Gramsci, em italiano, a palavra que aparece é partigiano. Historicamente, esse termo tornou-se mais conhecido coa Resistência Italiana ao fascismo. Durante a Segunda Guerra Mundial, partigiano era aquele que combatia contra os exércitos fascistas. Porém, no contexto em que o texto de Gramsci foi escrito, em 1917, tal termo foi utilizado no sentido de tomar parte, tomar partido a favor de determinada causa, em oposiçom à ideia de ser indiferente a algo.