Isa Álvarez Vispo, Ruth L. Herrero e Lucía Shaw

Integrantes da Coordinaçom Baladre e autoras, junto a Mari Fidalgo, do libro ¿Qué comen las que malcomen?

Passar fome é um feito que, ata anos recentes, parecia exclusivo desses países chamados «do Sul», pretendendo crer no oásis do Norte e a narrativa do Estado do Benestar. hoje vemos como há um Norte e um Sul em cada cidade e como, dentro dos territórios, os centros e as periferias cada vez afastam-se mas . A globalizaçom teve umha cara visível que umha grande parte da sociedade comprou, colocar-nos nos mapas, integrar-nos num modelo que só viramos nas ficçons cinematográficas. Modos de consumo e de vida, marcas que servem à vez de faro consumista e de neóns cegantes, que nom deixam ver os alicerces nos que se constroem, alicerces de profunda desigualdade baseados em centros e periferias. A globalizaçom puxo-lhe o laço a um modelo que vinha desenvolvendo-se desde princípios do século XX, este capitaloceno que pretende amossar-se como feito indiscutível e que impregna todos os âmbitos da nossa vida, incluído, por suposto, o alimentar.

De que falamos quando falamos de alimentaçom

Os chamados sistemas alimentícios sofreram umha profunda transformaçom nos últimos cinquenta anos, que conlevou umha desconexom absoluta entre as pessoas que comemos e quem trabalham a diário na produçom de alimentos. Esta desconexom é consequência, por umha banda, do abandono do médio rural para migrar cara às cidades em busca desse bem-estar ansiado; por outra, da instauraçom dum modelo de produçom baseado no lucro duns poucos, que, cada vez mais, se há ir afastando de modelos que miram a terra e as necessidades reais, e para rematar, consequência duns ritmos centrados no âmbito produtivo e o emprego que condicionam a distribuiçom dos tempos no dia a dia.

“Em poucos anos passou-se das potas a lume lento ao micro-ondas e para comer alimentos a ingerir produtos comestíveis. Aparentemente, este processo foi normalizado pela sociedade.”

Ademais, quando falamos de alimentaçom, falamos dumha atividade relacionada com o doméstico e os cuidados, o reprodutivo, historicamente atribuída às mulheres. Esta desigualdade, traduzida hoje a que as mulheres incorporarom-se ao mercado produtivo sem umha redistribuçom das tarefas do âmbito reprodutivo, faias ter múltiplas jornadas de trabalho ao cabo do dia. O tempo do trabalho assalariado nom é negociável, e menos dentro dumha precariedade generalizada, polo que lhes toca «quadrar» as horas para as distintas tarefas do trabalho reprodutivo e cada vez o tempo para cada tarefa é menor, incluídas as relacionadas coa alimentaçom. O capitalismo ofereceu múltiplas opçons para resolver esta questom, desde a criaçom dos hipermercados nos setenta, ata os produtos ultraprocessados hoje em dia. Em nengum caso suscita umha reproposta dos roles, já que a desigualdade é um alicerce básico para que as suas contas quadrem.

Em poucos anos passou-se das potas a lume lento ao micro-ondas e para comer alimentos a ingerir produtos comestíveis. Aparentemente, este processo foi normalizado pela sociedade, ainda que nom da mesma forma em todos os contextos, nem em todos os géneros, nem em todas as classes. Nalgum sitio diziam que o fome tem código postal e isto, que ja se fixo mui visível na crise de 2008, terminou de emergir coa crise derivada da COVID-19. Em poucos anos, as cestas de recolheita de alimentos que faz quinze anos destinavam-se «a África», passaram a ser para nossas vizinhas mais próximas, e as colas do fome som cada vez mais longas, à vez que as pequenas produçons que produzem alimento sano tem moitas dificuldades para topar umha viabilidade a longo prazo.

Do assistencialismo à soberania alimentar

Ao longo deste processo e da publicaçom e difussom do texto Que comem as que malcomem?, já estamos vivendo algumhas transformaçons. É o caso da cooperaçom entre Verddterra, um coletivo de Agricultura Sustida pela Comunidade em Xàtiva (València) e Gent da Consolació, um projeto de reparto de comida, atençom e informaçom que dá cobertura a mais de 500 famílias em exclussom. Algumhas companheiras de Verddterra já pagam, ademais da sua caixa de verdura fresca e de proximidade, outras duas mais para pessoas que nom contem com recursos; a ideia é que esta prática se estenda. Noutros lugares estám repensando projetos, como os frigoríficos solidários ou alguns reciclagens de alimentos, que agora querem reformular em clave de transiçom cara a outros modelos que realmente alimentem. Som casos concretos que se sumam a despensas solidárias, bancos de alimentos alternativos ou iniciativas como a da interhorticulturalidade que se dá em Abetxuko (Gasteiz) em torno aos hortos sociais, um espaço no que pessoas de diferentes procedências compartem hortos, nom só como um lugar no que cultivar alimentos, senom também onde trocar saberes, culturas, sementes e construir comunidade. Em definitiva, trata-se de gerar múltiplos caminhos que somem cara ao aceso a alimentos e a construçom da soberania alimentaria.

Que comem as que malcomem?

A Coordinaçom Baladre leva anos trabalhando na criaçom de ferramentas desde os grupos que nos sabemos periféricos e que vimos na construçom comunitária nossa principal força. Convivemos no dia a dia, tanto no médio rural como nas periferias urbanas, com o drama da exclussom social nas suas facetas mais duras. Convivemos coa explotaçom de pessoas migrantes sem direitos nas grandes explotaçons agro-alimentarias ou no âmbito urbano coas despejadas, as «sem teito», as precarizadas, desempregadas…; pero, cada vez mais, também em poboaçons rurais. Estas situaçons interpelarom-nos a pór no debate do colapso capitalista a clave do direito à alimentaçom, tanto desde a perspetiva de quem produz como da de quem acede ao alimento, entendendo alimento, nom como qualquera produto comestível.

Queremos construir em coletivo a agro-ecologia, a denuncia, a autogestom, a rutura de polaridades, desde os cuidados e o feminismo.”

O texto Que comem as que malcomen? nom é um trabalho de investigaçom, senom umha posta em comúm das nossas situaçons e práticas individuais e coletivas, como pessoas produtoras precarizadas, como ativistas em iniciativas alimentarias sustidas pela comunidade e como pessoas precárias e empobrecidas. Como usuárias de modelos de assistencialismo alimentar, podemos dizer que muitos deles apenas contam com elementos que dignifiquem a vida e a alimentaçom, e, ademais, geram dependência e submissom para quem tem que recorrer a eles. A partir desse conhecimento e de nossas próprias práticas, elaboramos a nossa proposta, identificando as claves para a transformaçom deste modelo desigual. Nom queremos assistencialismos, dependências, estigmas ou individualismo, queremos construir em coletivo a agro-ecologia, a denuncia, a autogestom, a rutura de polaridades, desde os cuidados e o feminismo.

Neste sentido, para nós é fundamental mirar a alimentaçom desde umha ótica feminista, incluindo-a nom como um apêndice senom como um alicerce principal.

Assistencialismo alimentar

Este sistema, em lugar de oferecer soluçons para um acesso ao alimento cumha perspetiva de direito à alimentaçom, fabrica fórmulas que beneficiam às mesmas corporaçons que provocam o fome e que intensificam as desigualdades do próprio modelo, buscando mais os interesses dumhas poucas que o acesso a alimentos sanps e saudáveis para todo o mundo. O assistencialismo supóm considerar o alimento desde umha perspetiva caritativa e nom em clave de direito, e desgraçadamente é a vissom mais generalizada nos espaços onde as pessoas em exclussom podem encher a despensa: a Fundación Banco de Alimentos, Cruz Vermelha ou Cáritas, que conseguem os alimentos de excedentes a través de fundos da UE ou de donaçons privadas. Tanto estas instituçons como a Administraçom pública, a través dos seus serviços sociais, que derivam às pessoas sem recursos cara a estes «serviços alimentares», distribuem produtos de grandes corporaçons, mediante licitaçons pensadas a grande escala e onde brilham pela sua ausência os produtos frescos e agro-ecologicos. Entóm, que se distribui?, alimento ou produtos comestíveis?

Ademais, o trânsito polos diferentes modelos de assistencialismo alimentar devolve-nos que existe umha brecha de género que se corresponde cumha maior consciência de cuidados por parte das mulheres, fruto da divissom sexual do trabalho já mencionada. Vemos como as usuárias de comedores sociais som maioritariamente homens, dado que os alimentos vem elaborados e que, em boa parte dos casos, nom tem que alimentar à prole. Com todo, nas colas dos bancos de alimentos, as usuárias dos bonos sociais ou das despensas solidarias som maioritariamente mulheres. Isto sucede porque, si nom concorrem outras circunstancias, como a falta de vivenda ou a pobreza energética, as mulheres preferem elaborar o seu próprio alimento e estirar os produtos que recolhem para que durem mais tempo. Pero, sobre todo, porque na imensa maioria dos casos, as mulheres nom só se encarregam da seu auto-abastecimento ou auto-subsistência, senom também dos cuidados de criaturas ou de pessoas dependentes, o que supóm que o acesso à comida depende inevitavelmente delas. Isto, ademais do trabalho que conleva, implica umha carga emocional forte, um sentimento de culpa mui grande quando nom se responde a esta responsabilidade e, na dimensom prática, colocar-se em último lugar no reparto da comida, polo que, ademais de ser quem alimentam, som à vez as mais desnutridas.

A Renda Básica das Iguais

A partir daqui desenvolvemos a nossa proposta dumha RBis como direito individual, universal, incondicional, suficiente e comunitário, no que cada pessoa polo feito de existir poda perceber umha quantidade monetária suficiente para cobrir as suas necessidades materiais; suficiente como para que umha parte dessa renda se destine a um fundo comúm que poda satisfazer necessidades de jeito coletivo. Por isso é polo que vinculemos a nossa proposta à soberania alimentaria, ao direito de todas as pessoas a decidir que alimentos produzir, como e, por suposto, para aceder a eles em condiçons de igualdade. O sistema alimentar desigual que descrevemos baseasse em relaçons de dependência, no caso das produtoras, com o mercado hegemónico e, no caso das nom produtoras, coas canais de aceso a comida que cada vez é menos alimento. A RBis é umha ferramenta que pode contribuir a romper com este modelo e à construçom de novos modelos de relaçom social, mas entendemos que nom pode caminhar soa, por isso é polo que a vinculaçom a iniciativas comunitárias e cumha ótica agro-ecológica parecer-nos fundamental. Doutra forma, podemos cair em práticas e iniciativas assistenciales para quem nom podem elixir o que comem, ou exclussivistas, para quem tem os recursos e as ferramentas (políticas e económicas) para sair do circuito agro-industrial e aceder a umha alimentaçom sana, sem que isso suponha romper coas desigualdades e precariedades daquelas pessoas ou coletivos que cultivam ou cuidam da elaboraçom dos nossos alimentos. A partir de todo isto, trabalhamos no que chamamos os alimentos sustidos pela comunidade, propostas nas que nos responsabilizamos de forma coletiva da nossa alimentaçom e que podem traduzir-se na prática em moitas fórmulas, desde iniciativas de cozinhas comunitárias ata grupos de consumo cum compromisso coletivo nos que se buscam fórmulas para que alimentar-se nom seja um luxo.