Namentres estava a ler a entrevista que o Nós diário lhe fizera a aquele galego, que fora expulso do exercito espanhol, por antifranquista, véu-se-lhe aos miolos umha noite de troula da que já tinham decorrido, doadamente, mais duns seis anos.
Naquela noitada atopara-se com um velho amigo. Levava sem vê-lo, e sem falar com ele, um feixe de anos. Fora o seu companheiro de classe. Desde os anos da primaria, na EGB, até que remataram a ESO. Compartilharam mesas, colgaram aulas, fizeram as suas trasnadas, desquiciaram os seus mestres e, também, encomeçaram a ire de festa e a mocearem ao tempo; os primeiros botelhons, as pelejas e algumha que outra enleada típica desses anos moços. Porém, depois do ano em que cursaram a derradeira etapa da ESO, o seu quarto curso, cada um deles tivo que colher os seus próprios vieiros: um ficou repetindo o devandito curso e o outro liscou a seguinte etapa do sistema educativo. Embora inda mantivessem o contato um par de anos mais. Já que, além de continuar a estudarem no mesmo centro, continuavam a atopar-se polas ruas da cidade.
Secassi, a vida seguiu contando e as cousas, como dita a natureza, foram trocando; e com o tempo foram-se afastando cada vez mais. Até rematarem por perdê-lo contato de tudo. De feito, as únicas novas que tinha dele eram por meio das redes sociais ou a traves dum par de amizades que compartilhavam. Era por isso polo que sabia que se fizera milico. Eis a única pista que tinha daquela velha amizade que, ao final, rematara por continuar a carreira castrista do pai. A mesma a que de moço tanto nojo lhe tinha, e da qual nom duvidava em afastar-se ou em botar-lhe pestes. Mas, o certo é que, nom se fizera soldado de primeira linha coma o seu parente. Decidira nom ser carne de canhom e alistara-se na rama das telecomunicaçons, ou nalgumha dessas onde nom se jogam o pelejo; e da qual nom gostam moito no resto da tropa.
Ao Artai esta nova nom o colhera por surpresa. Nom ia ser a primeira, nem a derradeira pessoa que procura estabilizar a sua vida alistando-se nos corpos repressivos do estado. Nom pedem moito, e as vantagens som suculentas: um jornal fixo, um posto onde é complicado rematar na rua e onde tens a imunidade da autoridade. Alguns adoitavam alistarem-se pra fugir da pobreza, outros na procura de reconhecimento, outros por puro patriotismo barateiro e outros, coma é o caso que nos atinge, por seguir a própria candência familiar na que ficam imbuídos. Tampouco o surpreendeu o feito de que o fizera num lar aonde nom arriscava a sua integridade, nem ia lijar o uniforme. Isso sim que aquelava bem com a personalidade do Oscar! A pesares de ser corpulento nunca fora moito de dá-la cara. Era, mais bem, de risos baixos, de falares de costas e de levar o seu ser onde mais proveito poderá tirar.
O curioso é que, por mor desses aranganhos que vos tem a vida, foi topar com ele justo a mesma noite que andava a celebrar a sua subida na cadeia militar. Aquela jeira vinha de converter-se em oficial, ou algo assim. E bem que presumira da ocasiom polas redes sociais! Fora por isso polo que o Artai, que nada sabia de rangos militares, conhecera que aquela velha amizade tinha a honra de enfundar um desses ridículos e trasnoitados uniformes de gala. Com as suas chapinhas ao peito e até com o seu sabre pendurado da cintura. Um uniforme e uns galons conqueridos polo mero feito de estudarem um chisco, e co que agora já poderia mandar aos seus inferiores à batalha, a morrer ou a matar inocentes pola (sua)causa.
Lembrava-se mui bem daquele sabre. O puto sabre! Fora por mor dele, ao mirá-lo naquela fotografia, polo que lhe fora impossível reprimir os seus instintos. Tivera que deixar-lhe, entre todos os parabéns e demais clichês sociais, que por alô havia, um comentário com sorna. Nom se dera resistido! Metera-se com aquele disfarce que semelhava mais próprio dos “três mosqueteiros”.
Era por mor disso, por esse comentário, polo que se achegou a saudá-lo com certo reparo. Achava que ia passar dele ou, simplesmente, lhe ia recriminar aquela chufa. Sobre tudo porque ficara fora de lugar; mais quando todo o mundo, sobre todo os seus companheiros de seita, estavam a parabenizá-lo polo logro atingido.
Ora bem, o que aconteceu naquele momento, ao falar com o Oscar, deixou-o fora de sitio. Nem por moita imaginaçom que lhe botasse daria adivinhado essa saída. A sua resposta já nom tinha nada a ver com que lhe sentara má aquela chança. Mais bem, era o exemplo da metamorfose que tem que sofrer umha pessoa para fazer carreira nas forças armadas.
—¿Así que estas a favor de que muevan a nuestro jefe? —espetou-lhe o Oscar—.
—Cá?! —respondeuo Artai fora de lugar—.
—Que ya miré, por el Facebook, que estas a favor de que saquen al generalísimo del Valle de los Caídos —clarificou-lhe com um sorriso, co que nom dava agochado a carragem que devera apreender no quartel—.
—Pois vê-se que nom olhache mui bem! Ou os exames pra fazerdes a carreira armada nom che som moi exigentes; ou poucas neuronas che ficaram ceives depois de instruírem-se nos valores golpistas. Desculpa, quero dizer, castristas! —Respondeu o Artai com umha mistura de retranca e nojo, cheirando como aquela conversa lhe ia a estragar o pelotaço— Digo-o porquê eu estou em contra. Nom e mais que outra posse cara a galeria do egpañolismo cuki. O que tinham que fazer é devolver os corpos que roubaram pra soterrar alô, sem permisso; e logo, pois… Mandar-lhe um foguete, e a tomar polo cu toda essa merda! Essas ruínas seriam o melhor monumento aos que foram assassinados por defender a vida e a liberdade. E, amais, seria-che umha metáfora perfeita deste império fracassado e em decadência, que abafa.
O bom militar empezou a tatejar. A baralhar a sua crítica. Mas, o Artai, já nom lhe prestou moita atençom. Aproveitou a chamada dos seus amigos pra liscar de alô. Nom se atopavam mui longe e já levavam um bocadinho a berrar-lhe «Que! É pra hoje? Ou que caralho!… Afinal vou quadrar-me eu este peta, e vás-te foder! Logo nom me venhas a choromicar». E para alá que foi ele. Como um cam na procura do seu pau.
Embora, ele nom lhe desse ao rabo, ia concentrado, cavilando naquela conversa. Já nom era a primeiro conhecido que abraçava ao fascismo espanhol ao meter-se na instituiçom golpista. Conhecia a vários. Havia-os que ficavam nele e rematavam assim, e os que tinham algo de consciência rematavam por abandona-lo ou por serem expulsos.
Polo que aquela conversa nom lhe semelhou tam estranha. No seu magim já rondava a ideia de que um exército nom pode ser democrático. Por moita historieta de quartel que queiram vir-nos a contar, neles mandam os interesses dos petos pátrios. Ainda que tentem camufla-lo chamando aos seus batalhons com nomes enganosos, como o de “Galicia”, o seu fim e invadir países a ordem do IBEX35. Por muito que o progressismo espanhol teime em quer vender-nos as bondades do seu exercito. Neste, coma em qualquer, o seu fim e o de anular a chispa das pessoas, a sua individualidade. Convertê-las em maquinas que obedeçam “sem dizer nem um”, que matem a ordem e sem erguer a cacheira. Que se alcem em armas quando o povo, a que tanto dim servir e proteger, tome as rendas e vaia contra dos ditados dos seus chefes. Contra dos seus financiadores, dos grandes capitalistas.
O que lhe acontecera ao Artai a quela noite, com aquele novo oficial franquista, também explicara-o noutra entrevista o tenente que fugira daquele grupo de whatsapp onde se presumia de querer levar ao paredom a vinte e seis milhons de pessoas: «O exercito é um grupo inçado de franquistas e fascistas que nom duvidam em fazer soar os sabres quando querem pressionar. Assim foram recolhendo toda a parafernália fascista que a memoria histórica foi tirando das ruas. Umha boa prova de até onde chega o seu franquismo e que, até há bem pouco, na entrada à escola de oficiais havia umha estatua do general golpista dando-lhe a bem-vinda a todos os futuros mandos da tropa».
Esta versom também ficava confirmada na entrevista que levou ao Artai a relembrar esta historia. Nela o galego Marcos Santos Cobo explicava a perseguiçom que sofreu até que o deram botado das forças armadas, por ter assinado um manifesto antifranquista e por nom agachar as suas ideias politicas. Aquela velha amizade, em troques, mudara-as na sua ascensom.