A prisom na que me encontro nom está saturada por umha avalancha de ingressos voluntários. Aqui nom há covid (vivemos numha burbulha estritamente isolada do exterior) e as necessidades materiais básicas estám cubertas (três comidas quentes, cama, teito… e até tv, biblioteca e gimnásio), mas, por algum motivo, a gente continua preferindo estar em liberdade, mesmo sob o risco de enfermar e até morrer.

Talvez seja por isso que me sublevo ante o simplismo e a arrogáncia com que políticos, “tuiteiros” e tertulianos sentenciam que “a saúde é o primeiro” para desarmar qualquer crítica ao recorte de liberdades imposto polos governos no contexto desta pandemia. Ante um conflito de valores e interesses que objectivamente parece profundo e complexo, a sociedade dos 280 caracteres refugia-se no estigma (“terraplanistas!) e no insulto (ultradireitistas!). A necessidade de traduzir em ódio cara alguém tanta insegurança e tanta frustraçom, prima sobre a dificuldade de pensar seriamente problemas éticos e jurídicos de calado.

-”Qual é o preço de nom enfermar?”

-”Qualquer preço!”- respondemos cheios de razom, e implicitamente ofendidos ante quem pretenda argumentar que pode ter sido pôr em risco a saúde. Mas nom sempre foi assim: houvo um tempo, antes de que o pánico se apoderasse de nós, em que a cidadania ”flirteava” coa doença (fumava, comia donut’s, queimava gassolina) sem que as tertúlias do prime-time falassem de “negacionistas” e “irresponsáveis”. E, na era dos nossos avós, milhons de seres humanos preferirom morrer a viver baixo a ditadura.

Difundir desconfiança e oferecer segurança foi, classicamente, a estratégia do fascismo. Somemos-lhe a simplificaçom e ridiculizaçom do oponente, e a primacia dos resultados práticos sobre as consideraçons éticas. Mussolini definia o seu movimento como “o pragmatismo absoluto aplicado à política”. Se do que se trata é de salvar vidas, o único que importa é salvar vidas: eis umha máxima que assinaria qualquer tirano.

Nom caiamos na armadilha de desprestigiar e odiar toda contestaçom ao maior recorte de liberdades que tem sofrido a nossa geraçom. Há razons de peso para questionar que a polícia deva perseguir os namorados que se citam na noite, mas se nom deixamos que estas se formulem em termos éticos e políticos, acabarám nos braços da realidade conspiranoica. Em vez de operaçons policiais ao vivo disolvendo festas privadas, a televisom dum país democrático deveria emitir debates nos que filósofos, historiadores ou juristas falassem seriamante sobre a origem do totalitarismo. E explicassem que a vida humana se caracteriza mais polo seu conteúdo do que polo seu continente.

A saúde nom é o primeiro, mas nom porque exista outro bem que deva primar sobre ela. Nem a economia, nem a segurança, nem a liberdade som tampouco valores absolutos. A vida digna é um equilíbrio precário de necessidades fundamentais, mantido por princípios opostos em tensom permanente. Quando um ameaça com submeter o resto, o responsável é respeitar e defender os seus contra-pesos.