(Imagem: resposta a comício de Vox em Lugo. Imagem rtve.es) Aconteceu, por exemplo, num dia de inverno do ano 2021, em vésperas eleitorais. Veio uma organização neofascista, muito em alça nos últimos tempos, e celebrou um comício numa praça do teu bairro. Durante uma semana estiveram a inundar as paredes do bairro. Nas redes, inclusso nos foros de esquerda, havia provocadores a anunciar insistentemente que essa organização desembarcaria nesse bairro operário, com taxas alarmantes de desemprego juvenil, onde todos os messes há algum despejo de vivenda, onde a população imigrante triplica a média do concelho. Que chegariam fascistas de maneira massiva. E que a ti e aos teus amigos, mais vos valeria ficar agochados na casa.

Tu escutavas as conversas entre a gente da geração dos teus pais, e esse pessoal insistia na mensagem de que não havia que entrar em provocações e que a vizinhança tinha que estar tranquila. Havia alguns elementos que nos bares, nas lojas, nos espaços comuns do bairro inchavam peito a dizer que assistiriam ao comício.

Chegou o dia do comício. Os oradores interviram com discursos incendiários, ameaçaram a população, ridiculizaram ao pessoal de esquerda, insultaram a gente imigrante…e não aconteceu nada. O ato dos fascistas disolveu-se, mas grupos de fascistas foram percorrendo o bairro, fazendo pintadas, colocando material propagandístico e mesmo provocando pessoas que encontravam ao seu passo. Houve alguma agressão.

Tu e algumas outras pessoas atrevestes-vos, nos dias posteriores, a plantejar que em ocasiões posteriores haveria que impedir que se celebrasse um ato parecido num espaço público do bairro, mas a maioria dos vizinhos e vizinhas, sobre tudo a gente de maior idade recriminou-vos a vossa, segundo eles “atitude violenta”; uma atitude que segundo eles vos igualaria à tropa fascista.

Isto é só uma sucessão de acontecimentos imaginários. Agora traslademos a nossa atenção a uma situação real. Uma situação como a acontecida na localidade catalã de Vic em dias recentes, onde a organização neofascista VOX celebrou um comício que foi sabotado por centos de vizinhos, na sua maioria juventude.

Foram numerosas as críticas verquidas à iniciativa desses vizinhos e vizinhas. Praticamente todos os méios de comunicação de âmbito estatal condenarom a atituded@s antifascistas. A crítica mais frequente é a que vai no sentido de reprovar a atitude violenta e intolerante dos contra-manifestantes. Também há quem assinala que interromper um ato eleitoral do VOX o que faz é reforçar a campanha dos fascistas.

A verdade, posto a escolher, prefiro o cenário que se deu em Vic; é dizer, eu preferiria serem criticado por violento, ainda quando seguramente a maior violência viria de parte dos fascistas ou da polícia, do que contribuir a um cenário no que ante os focos e as câmaras “não acontece nada”. Sobre tudo porque temos a suficiente experiência como para saber que “off the record” sim costumam acontecer coisas.E também porque os cenários plácidos sempre reforçam aos fascistas.

Se Santiago Abascal faz a sua atuação estelar e nada o impide, sai reforçado ele, ou quê detalhe, premissa, circunstância ou elemento escapa ao meu entendimento para que não seja assim? Qual é essa variável misteriosa pela qual se o fascismo consegue naturalizar a sua presença nos espaços que nos toca habitar a nós, este perde? E, por contraposição, já que o fascismo perderia conseguindo fazer o que pretende fazer, o antifascismo o quê ganharia? Aceitando que, com efeito, o VOX vai tratar de rendabilizar eleitoralmente o incidente, se não houvesse incidente nenhum não o intentaria rendabilizar igualmente?

Eu imagino um ato similar numa praça de algum bairro popular de alguma cidade galega…o Cruzeiro de Canido em Ferrol, a Praça das Conchinhas na Corunha, a Praça do Berbês em Vigo…imagino os titulares na imprensa…”a plana maior do VOX realiza um comício numa das cidades mais tradicionalmente operárias da Galiza e, por suposto, não acontece nada”. O efeito chamada que se produziria, seria brutal. Todas as seitas fascistas chegariam à conclussão de que podem ir ritoalizar livremente à Galiza sem perigo qualquer. Mas de facto sabem que precisamente não é assim; que quando vêm geralmente costumam ter resposta. E guardam as suas precauções. Eu diria que afortunadamente.

Pelo demais, não entendo porquê o movimento popular tem que pensar em chave de cálculos eleitorais quando do que se trata é de defender a dignidade do povo perante a agressão que já supõe a invasão dos nossos espaços, aqueles onde transcorre a nossa vida quotidiana, as nossas relações sociais, o nosso ócio e mesmo a nossa expressão política. A autodefesa é uma necessidade, não uma simples opção quando o fascismo se inflama.