A última vez que a vira fora às portas do concelho. Enquanto eu tentava fazer-me o babeco, para que me deixassem passar sem a caralhada da cita prévia, ela estava aí, queda. Dando-lhe as costas a aquelas ringleiras de gentes que aguardavam para poder amanhar as suas angueiras burocráticas. Ao seu carom tinha um alto-falante. Este, além de despertar a curiosidade e entreter a aguarda daquelas riolas, contava-lhe ao público que a rodeava, a viva voz e com certa carragem, os motivos daquela concentraçom.

O passado sábado voltei-na ver. Mas, desta volta, nom foi de surpresa. Era o que aguardava. Chiaram a sua presença desde as redes do Local Social Faísca de Vigo. Por isso fora até alô. O dia zafara-se das nuvens, escapulira-se o risco da pingueira, e a mim apetecia-me aproveitá-lo para ir a disparares um chisco. Chegaria a cita contra as cinco e pouco da tarde. Deixei o carro no estacionamento do supermercado, que há perto da rua Bos Aires, e ala que fum coa câmara ao peito.

Aí estava ela. Aberta em toda a sua plenitude. Deixando ao descoberto a sua mensagem: “Non a incumicación na Xorxa e na Trapa.” “Passos elevados seguros na autoestrada AP-9.” Porém, essa jeira era diferente à daquele outro dia. Para encomeçar, nom estava soa. A sua beira tinha outra faixa que lhe fazia companha, que amostrava, também, o seu berro silandeiro: “Autoestrada urbana desde Padín.” Tampouco o alto-falante era o mesmo. Desta volta, trocaram as comodidades desse trebelho, com carrinho e com micro, pola praticidade do megáfono. Os discursos que esparegia um, viraram nos lemas que aturrava o outro. Cos que animava à gente que estavam alô, chamadas polas Associaçons vizinhais de Teis e mais de Chapela, a que aqueceram as gorjas, a que berrassem com ele.

Também havia mais gente. Mas, pola contra, nom podiam abrir-se, nem formar um coro. Estavam lá, naquela estrada, cousificados por um dos seus passeios. Divididos em quatro fatos; dous centrais, onde estavam as faixas, e outros dous protegendo-lhes as costas. Quatro setores, cada um conformado por entre 10 ou 20 pessoas, divididos e atravessados polas saídas e entradas da faca que nesse momento tinham em baixo os seus pés. Ela era a que os empurrara a alçar a voz, a fazer visível o seu mal-estar e a protestarem polas perturbaçons que lhes ocasionava.

Porque a pesares de todas as promessas, de todos os cantos de sereia que lançaram ao ar, alô polos anos 70, os representantes do capital que tanto interesse tinha nesta autoestrada; a que de verdade sentiu a navalhada foi à vizinhança das vilas e freguesias que foi fendendo ao seu passo. Os mais fodidos forom os que sofrérom as expropriaçons, como é doado de adivinhar. Mas, também, sofrérom as consequências os povos que quebrou ao ires estendendo a sua cortiça. Porque todos conhecemos como furrulavam o caralho das expropriaçons na ditadura espanhola. Como se quebra a lei quando lhes interessa, quando se trata de fornecer grandes projetos empresariais que venhem protegidos trás o disfarce da “utilidade publica”. Como empregam umhas necessidades reais para fazê-los mais amáveis, para que nom nos importe aportar os nossos quartos a financiar projetos privados.

Claro que seria necessária. Nom imos a discuti-lo. Embora, essa faca, cor cinsa chapapote, leva todas estas décadas a atracar o país, sem negumha vergonha. Cada vez mais carros passam por ela, cada vez sobem mais as portagens. Cobram-nos as portagens que lhes peta e, ainda por riba, ponhem-se a choromicar por algumha dádiva mais. Entrementes, nós continuamos e continuaremos, graças aos favores parlamentares, a encher-lhes as cabinas de quartos; para pagar-lhes os seus vícios, para que os invertam noutros paraísos. O seu carro de vida move-se co suor popular. Eles escarcalham-se. Já nem pessoal contratam. Nem um mísera investimento para amanha-la, para acomoda-la as novas circunstâncias ou para melhorar a convivência cos seus extremantes.

Por isso se concentravam essas pessoas. Assim o escrevem nos cartazes unipessoais que levam. Para eles já vai sendo hora de que rasquem os petos um chisco. Depois de todo este tempo, nem um miserento sistema de isolamento acústico lhes deu por pôr; conta-me umha velha, que terma dum folio onde podo ler “O ruído non nos deixa viver”. Outro velho, que se atopou coa concentraçom ao sair a passear, co seu Buldogue, assina-la-me onde é que ficam os passos da Xorxa e da Trapa. Som para os que pedem mais seguridade. Que se inverta no seu mantimento. Que nom se deixe sem conexom, por mor do seu desleixo, a ambas as beiras desses caminhos. O homem confirma-me que fai falha meter-lhes mao: «Mira, ho! Sendo-che certos, eu por derriba nom che sei como se atopam. Mas, nom fai falha ir mirar, se quando passas por embaixo já se vem os óxidos e o formigom picado. Nom fam falha estudos, nem mediçons, para saber que a água por onde entra vai roendo-o todo. É-che bem fodida a condenada!».

Nom sei quanto tempo levaria por lá, quando a bateria da câmara decidiu ir botar umha soneca. Assim que eu decidim liscar. No entanto, antes acheguei-me até a outra beira, onde estava a concentraçom. Foi aí onde duas mulheres me explicárom o que faziam no concelho. Resulta que a Associaçom Vizinhal de Teis tivera umha conversa com a “Demarcaçom de Estradas do Estado na Galiza”, e fora esta quem as mandara a falar co alcaide. Ao que, amais de trasladar-lhe estas queixas, para que figesse algo; também queriam solicitar-lhe a conversom do tramo, desde as “Torres de Padín”, numha via urbana. Para que assim se descongestionasse a rua “Sanxurxo Badia”, para reduzir o trânsito de camions, para deixarmos de pagar por um tramo que forma parte do aceso à cidade e para melhorares as conexons de Teis e de Chapela. «Já sabes meninho. Se já custa que esses láparos che fagam casso, como para que nos atendam a umhas quantas velhas. Se ainda estivessem em eleiçons ou se fóssemos mais… Mas, semelha que estas cousas nom che vam co resto da gente, e menos coa mocidade. Mas bom, que lhe imos fazer!».

Essas ultimas palavras fôrom fazendo-me companha até o carro. A senhora aquela tinha razom. E eu já o vinha cavilando desde há um tempo. Para pôr-se a reclamar o seu sempre anda muito mais espelida a gente maior. Tam só há que olhar como se movem polas suas pensons, entre tantas outras coisas que vemos acotio. Ao final, a vida ensinou-lhes que ninguém vai ir sacar-lhes as castanhas do lume se nom se movem. Vivérom tempos fodidos. E a ninguém das nossas geraçons os deixárom mais vezes tirados, ninguém sofreu tantas concessons por parte dos profissionais da política e, seguramente, ninguém levou umha vida tam “perra”… Por isso, precisamente por isso, tenhem interiorizado os sedimentos da democracia direta. Praticárom-na e vivérom-na. Figérom dela e das suas dinâmicas parte do seu ócio, da sua rotina; umha forma mais de relacionarem-se. Que aconteceria se fosse mais gente moça a este protesto? Seguramente, o trafico nom teria circulado tam ledo, nem as beira ruas teriam sido a sua cela… Ou, igual remataria num boicote às portagens? Quem sabe…

Já desde o carro, olho como a concentraçom trocara de lar. A derradeira visom que tenho dela é que se atopava num pequeno jardim colidente. Devia de ser o tempo dos discursos. Um par de pessoas estavam acima dum banco, falando a pelo, e o resto da gente prestava atençom. No entanto, umhas quantas crianças entretinham-se num parque que até há um par de minutos estava precintado. Aquelas barreiras nom pudérom coas suas vontades de jogar. Quanto temos que aprender deles… Tendo um bom motivo, que doado é saltarmos certas portagens.

A nos, sobram-nos os motivos!