Com agradecimento a Xian Naia, de quem aprendo a pensar

Num momento do seu interessantíssimo livro Party & Borroka. Jóvenes, músicas y conflictos en Euskal Herria (2016), Ion Andoni del Amo recolhe as reflexons dumha jovem militante da esquerda abertzale, Zuriñe, a respeito da sua vestimenta habitual. Perguntada por umha pessoa alheia à sociedade basca sobre os motivos que a levavam a estar sempre vestida “como se fosse ir caminhar polo monte”, a moça reconhece a incapacidade de dar umha resposta clara e concreta, além de declarar umha afinidade só parcialmente racionalizada com os modos de vida e com as preferências estéticas do movimento político de que fai parte.

A esses modos de vida e a essas escolhas e preferências estéticas se referiu Dick Hebdige (Subculture: The Meaning of Style, 1979) com os conceitos de subcultura e estilo. Apesar de todas as circunstâncias que nos distanciam do autor – membro destacado da Escola de Birmingham de estudos culturais, o seu é um estudo etnográfico das subculturas juvenis do Reino Unido nas décadas centrais do século XX – o facto de conceber estas subculturas como elementos de resistência aos grupos dominantes e à hegemonia cultural por eles implementada, permite-nos arriscar umhas notas para pensar o independentismo galego como subcultura e para pensar, também, nos traços do seu estilo – poderoso repertório simbólico de identificaçom social, especialmente intenso na juventude e nos espaços em que constitue a sua identidade – nas últimas décadas.

Na apresentaçom desta série de artigos advertíamos das dificuldades de delimitar umha cultura galega independentista de contornos claros. A mesma dificuldade encontramos, obviamente, no que di respeito à definiçom dum estilo, ainda que podemos indicar várias fontes que nutrem o collage do estilo independentista galego: as culturas operárias, os independentismos basco e catalám, outras culturas da esquerda política radical e as culturas ligadas a diferentes estilos musicais, sobretodo urbanos, mas nom só, alguns dos quais referidos na segunda entrega da série.

Se figermos um exercício de memória, talvez a classificaçom mais clara em termos de estilo no independentismo dos 80 nos levaria a umha espécie de mimetizaçom com a sobriedade das formas e dos códigos das culturas operárias na altura, já claramente influídas polas culturas urbanas. Seria o tempo portanto dos jeans, das camisas de cor clara, das caçadoras do coiro, dos jerseis e de outros complementos de lá no que di respeito à vestimenta, com vários traços de estilo também identificáveis como os cabelos curtos e a barba nos homens, ou o cabelo regularmente longo e sem atar e os brincos de aro nas mulheres, entre bastantes outros.

As principais mudanças detetadas na década de 90 tenhem a ver com relativo distanciamento a respeito das ideologias clássicas da esquerda, com a definiçom de umha agenda global de luitas e com umha distribuiçom mais fluida das iconografias ligadas aos movimentos anticapitalistas um pouco por toda a parte. É nesse sentido que devemos compreender a maciça incorporaçom do pano palestiniano ao estilo do soberanismo galego da altura – e nom só -, o uso de peças próprias da farda militar, revalorizada por exemplo pola emergência do movimento zapatista, ou a opçom de tecidos e roupas inspiradas no vestiário dos povos indígenas africanos e americanos, mormente, num exercício nunca bem ponderado em termos de apropriaçom e projeçom colonial.

Podemos identificar nessa mesma década ainda outros componentes significativos. Um deles seria a ampla influência das formas e do estilo do movimento redskin (cabeças rapadas, bombers, jeans, polos, camisas ou canisolas de futebol, botas Dr. Martens, modelos de tenis Adidas como o Samba ou o Gazelle etc.), largamente estendidos nas muito masculinas claques das equipas galegas de futebol, mas com grupos e formas de sociabilidade relativamente estáveis na maioria das cidades do país. Além disso, podemos situar nesta década os inícios do merchandising e da distribuiçom dentro do movimento de camisolas de algodom (brancas), crachás ou auto-colantes com simbologia nacional e mensagens reivindicativas. Finalmente, ainda nestes anos 90 começam a estabelecer-se tímidos espaços de indeterminaçom quanto ao género em relaçom a décadas anteriores: cabelos longos e brincos no homens, a incorporaçom de peças de algodom (camisolas, suadoiros…) e a prática desapariçom da saia nas mulheres etc.

A foto do estilo do independentismo galego nos primeiros anos do século XXI parece mostrar-nos umha certa reconfiguraçom das tendências até agora anotadas. O auge da internet e o abaratamento dos processos da produçom e da distribuçom levou ao crescimento e à diversificaçom do merchandising arredista antes referido, com destaque especial para elementos como as camisolas “com mensagem” já nom só brancas, senom sobretudo pretas ou doutras cores escuras, ou os suadoiros com carapuça. Estes e outros elementos já mencionados como os crachás, os auto-colantes, os panos ou as diferentes bandeiras do movimento acabárom por ser converter definitivamente numha das principais fontes de financiamento dos coletivos que integram o movimento.

Estamos também na época da extensom inapelável das botas desportivas como calçado de referência e, em geral, da roupa de montanha (calças reforçadas, suadoiros de poliéster, chuvasqueiros desportivos…) como vestimenta prototípica do componente mais jovem do independentismo, animado nom apenas pola influência basca senom também pola sua disponibilizaçom no mercado a preços acessíveis (o que, com retranca e auto-crítica, poderíamos denominar como o estilo Quechua ou Decatlon). Outras mudanças percetíveis deste período mais recente teriam a ver com a continuidade das barbas nos homens, as tatuagens, as assimetrias nos cabelos e a multiplicaçom de brincos e aros por todo o rostro (em linha com versons contemporâneas do punk ou, mais especificamente, do punk-crust) e, de maneira bastante expressiva, com a introduçom de diversas variantes reconhecíveis nos peiteados relativamente comuns a homens e a mulheres, como o gesto – estético e político – de deixar o cabelo mais longo na parte traseira ou a apariçom das franjas a cobrir a frente.

É também a época, entre tantos elementos que poderiam ser referidos, em que até o militante mais clássico se pode atrever a vestir chancletas e calças curtas quando aperta o calor, ou em que nom faltam no 25 de julho as saias, os vestidos frescos e um colorido mais variado que o das fotos das épocas precedentes. Mas também é o período em que som reconfigurados elementos procedentes de épocas anteriores, como por exemplo a apariçom esporádica dos passa-montanhas com as cores do arco-da-velha, que informam da penetraçom (infelizmente, parece que só nas formas e nos discursos) do movimento LGBT no espaço soberanista.

À hora de fazer um balanço similar para a última década, a falta de distáncia temporal impede-nos fazer um relatório suficientemente claro. Se por um lado é óbvio que muitos traços de décadas anteriores continuam sedimentados ou reformulados no presente (junto a outros arrombados, como o pano palestiniano), por outro poderíamos falar da transiçom para um estilo independentista menos reconhecível a partir da vestimenta, dos peitados e doutras escolhas estéticas. Isto seria produto, talvez, dumha certa diversificaçom ideológica e cultural no interior do movimento, até com nutrientes até há poucos anos praticamente inéditos como os procedentes da cultura pop, do trap e de outras hegemonizadas a escala global polos mercados, mas também, expressivamente, da recodificaçom ainda intermitente de peças da tradiçom galega como panos, boinas ou zocas.

Fora desta identidade política mais difusa, desta cambiante estética de sintonia soberanista – todo o qual nos impede falar dumha verdadeira subcultura que opere claramente em termos de identificaçom social e política –, podemos no entanto definir a relativa continuidade de traços de um estilo independentista mais restrito e coeso, identificável através das mensagens (camisolas, auto-colantes, crachás etc.) e dos símbolos emanados do próprio movimento, mas sobretudo dos modos de vida, dos lugares de encontro e das afinidades com a nova imaginaçom cultural em andamento (arredista, anti-capitalista, horizontal, popular, feminista, nom partidária…) a que figemos referência em entregas anteriores.