O conflito entre o povo saarauí e Marrocos é uma dessas guerras africanas enquistadas que apenas só podem ser completamente explicadas e compreendidas à luz do imperialismo e do colonialismo europeu. Mais concretamente do colonialismo espanhol. O confronto, em si próprio, foi criado polo próprio Estado Espanhol, por se ter negado a uma descolonizaçom efetiva, pactuada e progressiva, e por ter abandonado o território da velha colónia para permitir que o Reino de Marrocos o ocupasse pola força. Documentos da CIA desclassificados no início de 2020 demonstram o que já se sabia: que tudo isto se produziu em virtude dum acordo espanhol com os USA para apoiar e segurar a monarquia de Juan Carlos I e tutelar a transiçom espanhola e o Regime do 78.

O Estado espanhol, que optou por essa saída sem sequer comunica-la formalmente, argumentando, cinicamente, a enorme pressom da “Marcha Verde” marroquina, continua, contudo, a ser o administrador oficial do Saara Ocidental, em virtude das sucessivas resoluçons da ONU. Porém, os diferentes governos espanhóis levam desde 1976 de costas para o assunto, com silêncios calculados que negam qualquer envolvimento na questom e priorizam desacomplexadamente os interesses e negócios das suas elites económicas com a monarquia de Rabat.

A negativa do povo saarauí a uma nova ocupaçom, já marroquina, conduziria a uma longa guerra intermitente que deveria ter acabado em 1991, com a assinatura duns acordos de cessar fogo que incluíam como ponto central a promessa de organizar um referendo de autodeterminaçom na antiga colónia ocupada. Desde aqueles acordos decorrêrom já três décadas sem que Marrocos, nem o Estado espanhol, nem a ONU através da sua missom de paz (MINURSO) tenham falado novamente do referendo, e sem que Marrocos se tenha retirado das zonas controladas pola força. Três décadas em que o povo saarauí sofreu as ameaças permanentes do exército ocupante, ataques arbitrários, roubo de terras, despejos e deslocamentos em massa e se viu obrigado ao exílio ou a morar em campos de refugiados onde a situaçom é cada vez mais insustentável. Hoje, sabe-se que os acordos partem também dum plano delineado entre os USA, França, o Estado Espanhol e Arábia Saudita para evitarem a derrota militar de Marrocos.

Para o imperialismo, sempre estivérom em jogo os recursos de mineraçom e energéticos saarauís, que incluem fosfatos, ferro, petróleo e gás; os recursos pesqueiros; e, sobretudo, a importância geoestratégica deste território para o controlo da África ocidental e do norte, chave para a OTAN.

Nos últimos anos, o rápido deterioro da situaçom e a negativa do povo saarauí a entregar o seu país levárom a diferentes confrontos mais ou menos curtos em que Marrocos foi incapaz de impor-se definitivamente à República Árabe Saarauí Democrática. No entanto, o tempo joga a favor do ocupante, que leva anos a trabalhar e comprar o apoio de vários países da Uniom Africana, à que decidiu reincorporar-se em 2007 depois de abandona-la em 1974 pola decisom dos USA de admitir a RASD como membro.

Agora, a situaçom no Saara Ocidental parece, novamente, a piques de sair dos trilhos, depois de Marrocos ter violado abertamente o cessar fogo de 1991, ao enviar tropas à estratégica fenda do Guerguerat –que o povo saarauí denúncia desde há anos e perante a que se tenhem manifestado reiteradamente desde 21 de outubro. Segundo as informaçons que constam, a acçom militar ordenada por Rabat incluiu o ataque à populaçom civil saarauí estabelecida desde há dias nessa estreita faixa.

O passo do Guerguerat é uma fenda ilegal na fronteira sul entre Mauritânia e os territórios saarauís ocupados. Por ela, passam quotidianamente dezenas de camions que servem para as exportaçons e importaçons de Marrocos, que se beneficia diretamente dum lugar polo que nom deveria transitar mais que a força da paz da ONU. Para Rabat, trata-se duma saída fundamental para o seu comercio com os diversos países da África ocidental e duma sólida base para apoiar a sua ocupaçom da zona. Para o povo saarauí e para o Fronte Polisário, duma violaçom reiterada dos acordos de 1991, e da ameaça de que o controlo marroquino se perpetue. O ataque nessa zona nom se produz por acaso em vésperas dum contacto programado com a Secretaria Geral da ONU.

Por esse motivo, a RASD vem de declarar o estado de guerra e mobilizar as suas forças armadas, insistindo em que se trata da única resposta possível à rutura da trégua assinada em 1991.

A evoluçom do conflito nos vindouros dias será decisiva, mas da Galiza nom podemos ficar de braços cruzados, nem olhar só para o Guerguerat, separando este episódio concreto dum conflito muito maior e no qual o Estado espanhol tem jogado, mais uma vez, um papel infame sempre contra o direito internacional e a soberania nacional do Saara.

De Mar de Lumes – Comité Galego de Solidariedade Internacionalista, proclamamos a nossa solidariedade com o povo saarauí, com o Fronte Polisário e com a República Árabe Saarauí Democrática e apelamos a pressionar o governo espanhol para que assuma a sua responsabilidade denunciando a agressom de Marrocos contra um território do qual continua a ser administrador e para que proceda, em virtude do direito internacional, a completar o processo de descolonizaçom que acabe na declaraçom de independência do Saara com todas as garantias.