Nas últimas semanas sucedem-se na imprensa generalista as notícias sobre o hidrogeno como umha nova e extraordinária fonte de energia. Energia que reduzirá a nossa dependência dos combustíveis fósseis e ao mesmo tempo permitirá reduzir as emissons de CO2. Num primeiro momento poderia pensar-se que estas novas se referem ao eterno projeto do ITER onde se empregariam isótopos de hidrogeno (deutério e trítio) para a fusom nuclear, mas este projeto ainda está em fase experimental. Ao que se referem é à combustom da molécula de hidrógeno (H2) obtida através da eletrólise da água: o chamado hidrogeno verde.

Nesta linha, o próprio governo espanhol anunciou no mês passado um plano energético para explorar esta “fonte de energia”. O plano forma parte da Estratégia Europeia do Hidrogeno a qual inclui três fases. A primeira delas (2020-2024) implica a instalaçom de polo menos 6 GW. de eletrolisadores na UE e a produçom de até 1 milhom de toneladas de hidrogeno e umha segunda fase (2025-2030) co objetivo estratégico de instalar polo menos 40 GW. de eletrolisadores e a produçom até 10 milhoes de toneladas de hidrogeno.

Cumpre lembrar que a densidade energética (por peso) de hidrogeno é o triple que a gasolina, por exemplo, e que o único resíduo que se produze na sua combustom é água pura, simples água. Parece a panaceia, mas qual é a realidade? Por que nom se fijo antes?

O hidrogeno nom é umha fonte de energia

Para começar há que saber que, embora seja o elemento mais abundante do universo, o hidrogeno puro é mui escasso na Terra. Devido às suas propriedades, o hidrogeno sempre aparece combinado com outros elementos polo que antes de ser empregado como combustível é necessário tratar algum destes compostos químicos para obter a molécula pura de hidrogeno.

Duas formas de obter a molécula de hidrogeno é mediante a eletrolise da água ou a mediante a reforma do metano. Quaisquer das duas reaçons requerem muita energia e no processo de extraçom do hidrogeno produzem-se muitas perdas, da ordem do 50 %. Como se pode deduzir, o balance energético é completamente desfavorável. Nom tem muito sentido empregar este método por enquanto estás a gastar umha fonte de energia para produzir um combustível com menos energia que a empregada para produzi-lo. Produzir hidrogeno puro apenas agrava o problema energético porque reduze ainda mais a energia disponível. Que a energia empregada para produzir o hidrogeno seja de energias renováveis tampouco resolve nenhum problema, por enquanto é umha energia que se deixa de empregar noutro ponto de consumo. Em qualquer caso, este combustível poderá ter certas aplicaçons pontuais, mas nom resolve o problema da escassez energética.

É por este motivo que o hidrogeno nom é umha fonte de energia, mas apenas um vetor energético, umha forma de almacená-la. E todo seja dito, um vetor com muitos problemas, porque além das perdas energéticas já mencionadas o hidrogeno presenta outras complicaçons. A primeira delas é que se trata dum gás que para obter umha boa densidade energética (por volumem) é necessário armazenar por riba dos 700 bares (!), umha pressom tam elevada que requere dumhas instalaçons mui custosas e mui pesadas além de incrementar-se o risco de explosom. A segunda, que por se tratar de umha molécula tam pequena é um gás mui fugaz, o que provoca que as perdas durante o seu armazenamento sejam mui altas (por encima do 1 % diário) o que ainda causa mais perdas de energia, além de incrementar os riscos de explosom. O terceiro, é um gás que reage co aceiro formando hidruros e debilitando as canalizaçons, polo que nom se podem empregar as instalaçons de outros gases para o seu transporte. Por último, as baterias onde se armazena estám construídas com matérias mui escassos, como é caso do platino.

Outra vez o colonialismo

Vistos os inconvenientes parece absurdo projetar umha transiçom energética cara a este novo combustível. É absurdo mas entom qual é a motivaçom deste interesse repentino polo hidrogeno?

A maioria das novas que apareceram estes meses estavam relacionados com um comboio de hidrogeno que já está em funcionamento. Há que dizer que nom existe um médio de transporte mais ajeitado que o comboio para a sua eletrificaçom por se tratar dum veículo que circula sempre por um trilho predeterminado. De facto, a eletrificaçom total dos comboios seria energeticamente muito mais eficiente que empregar o hidrogeno verde como combustível (sobretudo no estado espanhol, onde ainda resta mais dum terço das linhas férreas sem eletrificar).

Qual é, entom, o interesse em criar umha infraestrutura para produzir, armazenar e transportar um combustível volátil e explosivo, e que ademais precisa de motores mais ineficientes e caros?

A resposta a esta pergunta está no projeto alemám de construir umha central hidroelétrica de 44 GW. na República Democrática do Congo, a maior barragem do mundo que levaria associada umha central para produzir o hidrogeno verde através de eletrolise. O próprio governo germano afirmou que o objetivo é enviar este hidrogeno a Europa. Como? Em comboio, embora a rede africana esteja sem eletrificar. Agora cobra sentido que o hidrogeno verde se ensaiara em primeiro lugar no comboio.

Na Europa o potencial hidroelétrico está no seu limite mas nom acontece o mesmo na África. E num cenário onde o crescimento é umha constante inquestionável há que que trabalhar nas demais variáveis da equaçom. Assim que a alternativa que está a pôr Alemanha sobre a mesa é apropriar-se de umha energia que até o de agora nom era possível roubar aos países pobres: a energia hidráulica.

Até agora nom se transportava a energia hidráulica a distancias tam longas por causa das enormes perdas das linhas elétricas, mas empregando este novo vetor energético sim é possível. Quando a energia é roubada, importam menos as perdas da conversom energética.

Os países da periferia capitalista já sofreram o espólio dumha listagem inacabável de recursos materiais e energéticos: petróleo cru convencional, petróleos extrapesados, carvóm, gás natural, matérias primas, etc. mas nunca se imaginaram que também lhes roubariam a energia dos seus rios. Agora vai suceder: um colonialismo energético 2.0 e ademais endossado com um selo de qualidade médio ambiental. A ideia é roubar toda a energia hidroelétrica que os países menos desenvolvidos nom empregam para levá-la em forma de hidrogeno verde cara a Europa.

Ao final, toda a retórica no Green New Deal é só para seguir espoliando os recursos das colónias, seja qual for a distância ao centro capitalista. Desgraçadamente para Galiza, devido à sua proximidade ao centro da urbe, já leva desde mediados do século passado sofrendo o espólio dos seus recursos energéticos renováveis, incluída a energia hidráulica.